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6 de dezembro de 2007

31 - Estórias no Sofá - Arsénio

Um dia encontrei Arsénio que tinha a tristeza desenhada na cara. A primeira coisa que me disse foi assim, que nem tirar nem pôr: “perdi muitos amigos quando era pequeno”. E depois me contou que um dia de Novembro a sua mãe, ao chegar a casa lhe disse apenas: “temos que partir”. Nem mais uma única palavra foi acrescentada naquela frase carregada de tristeza na voz trémula de lágrimas de sua mãe. Arsénio me contou ainda que nem uma única coisa conseguiu fazer sair da sua boca. Não gritou, não falou nem gemeu. Apenas deixou escorrer as lágrimas no seu silêncio carregado de luto.
E assim foi. Arsénio partiu cortando todos os laços, nem ele sabia o destino nem os amigos ali estavam para lhe dizer adeus.
Na cabeça de Arsénio estava desenhado o mapa da fuga. Fugia da morte. Se estivesse sempre em fuga esta não lhe alcançava. Era este o seu mapa. Nem um ponto desse mapa estava identificado. Na cabeça de Arsénio só era preciso mesmo fugir.
Já sua mãe pensava doutra maneira. Era lhe queria proteger. Um dia a morte alcançou o pai de Arsénio, não ia agora apanhar Arsénio. Acho era esse o mapa que ela desenhou na sua ideia. Prática e egoísta. Simples.
Arsénio recordou o seu pai, que a morte tinha alcançado era ele um puto ainda sem pensar direito e sem livro de recordações com imagens nítidas. Arsénio aproveitou e recordou os amigos que tinha perdido nesta partida. Chorou de luto. Chorou a falta de jeito para correr atrás duma bola, dos medos de brincar aos polícias e ladrões, das porradas por amor no areal do parque infantil. Chorou em silêncio. Só as lágrimas denunciavam-no. Recordou as Histórias dos Cinco, o Fantasma e o Tarzan. Releu sem livro a Cabana do Pai Tomás. Tudo naquele segundo do inicio da partida. Refez todos os truques de magia que aprendera e que não fazia bem nenhum. Os olhos turvos não lhe deixavam ver o futuro, por isso ele só recordava.
Declamou no improviso todos os poemas de amor que havia imaginado um dia escrever. Ela tinha ido embora fazia muito tempo. Lhe encheu a esperança de lhe ver outra vez se os seus mapas tivessem algum ponto em comum. Tinha 15 anos quando lhe fizera o primeiro poema. Estava escondido. Não era vergonha, era mesmo medo. Menina Bonita, lhe chamou ele. Disse-o uma e outra vez. Mexia os lábios mas não se ouvia nem um sopro. Ela era sua vizinha, como eram quase sempre. Os olhos lhe secaram e se desenhou um esboço de sorriso nos lábios. Parecia estava a fazer era sol e
o primeiro poema lhe tinha trazido outra cara. Se virou para a mãe e disse:
- Vamos depressa!
Viajaram por muitos sítios que ele desconhecia e pelos vistos iam ficar assim, desconhecidas. Muitas horas rodeados por mar e ele debitava o Menina Bonita para dentro de si. Era o seu alimento da alma. Outras muitas rodeadas de ar e ele continuava a lhe dizer o Menina Bonita.
Se ele tivesse ali um lápis ele escrevia uma história a contar o seu amor. Ele lhe daria mal a visse. Seria mais uma Sebenta que ele encheria de palavras. Mas desta vez ele lhe ia dar. Escreveu isto na sua certeza. Ela ia ler a intensidade deste amor. Mas ele não tinha nem lápis nem a sebenta. Escrevia na memória e lhe leria de memória.
Se acabou a viagem. Arsénio estava onde lhe tinham posto. Nem pedido nem achado. Tentou procurar o seu amor. Desencontro atrás de desencontro a chama se foi alterando. A máscara da tristeza se lhe esculpiu na cara e sempre que lhe encontro ele me conta a sua estória.


Sanzalando

1 comentário:

  1. As partidas que ceifam as amizades num repente, fazendo-nos sentir sós e sós.
    SJB

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