Trazia o peito carregado de febre. Os pulmões arfavam num sufoco de que jamais seriam suficientes para durarem uma vida, pensava eu. Tudo parecia não ia dar certo e tudo se modificava a cada olhar vazio. A certeza viscosa da dúvida impedia-me de raciocinar. Um prenuncio de sorte, de fé e quem sabe de esperança precisava que chovessem em mim. A metódica certeza duma dúvida continuada na monotonia do quotidiano preenchia-me o vazio da alma. E eu arfava numa falta de ar mental. Imaginei-me como um desenho desenhado numa qualquer escola primária. Desproporcionando. Sentia-me prisioneiro da ignorância com os olhos perdidos na distância. Se eu tivesse à mão de semear um conjunto de palavras eu diria que Grande Falta de Vontade. Mas estava assim, de olhos verdes, porque não amadurecidos, e pupilas contraídas porque todo eu era contracção, inerte como um dia parado, um relógio avariado, um pedaço de vidro abandonado, uma chama apagada dum fogo inexistente. Eu era a ausência de mim.
Depois, num cair de surpresa, num sorriso escondido num copo vazio de vinho tinto, numa dia que era noite dentro, a invisibilidade foi-se desfazendo, as palavras imodificáveis se foram construindo como se um palácio fossem, fui-me encadernado em ideias certas, em memórias recentes, vocações escondidas em medos antigos e o gosto violento se foi diluindo, a ausência tornou-se paradoxal, o corpo moldado num esculpir de ideias certas, a vontade fixada em ferro forjado, a dor descontrolada se sumindo em argolas de fumo e eu fui reaparecendo por entre sorrisos, dialéticas virtudes dum ser superior que se foi reconstruindo, vocação desimportante se erguendo qual mar manso dum poço de virtudes.
Eis-me auto-biografado em meia dúzia de palavras, saltado grades, muros e dunas entrando no zulmarinho da minha existência terrena, a real.
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