recomeça o futuro sem esquecer o passado

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30 de abril de 2008

Olhares

A tarde avança depressa sem me dar tempo à tranquilidade para absorver a estória de um dia, de um regresso à vida real depois de muitas caminhadas nas paisagens da imaginação.
Corre o tempo conta o tempo numa vida que se engrandece nas pequenas coisas dum bairro antigo. Até parece que o tempo viaja saltando o presente. Latidos de espanto porque afinal sou imensamente pequeno naquele ponto onde vejo as latadas, sulcos desenhados no tempo entrecortado pelo Douro majestoso.
E a tarde avança depressa sem me dar a tranquilidade desejada para absorver a vida engrandecida no olhar do sorriso simpático.
Sou xisto, granito e mármore porque hoje sou grande!

Sanzalando

29 de abril de 2008

Se eu tivese um diário

Meu querido diário, como tu sabes eu não queria ser nada nem ninguém. Ninguém me perguntou nada e eu não pude ir contra o meu destino. De verdade é que hoje não aconteceu nada de relevante. Faz frio, o que é hábito. Faz vento, o que é frequente. Está nublado, o que é costume. Não me apetece aturar o mundo, o que é rotina. Chove, que esperava eu aqui?
Pronto, vou escrever-te a dizer que houve um olhar no jardim que me fez transpirar, que me fez recordar canções da adolescência.
Escrevo, mas sei que é falso porque com este tempo eu não fui ao jardim e se tivesse ido não teria tido oportunidade de descobrir esses olhos de tão ocupado estar a abrigar-me.
Diário, sei que és a minha sebenta coerente onde explico o que me passa na intimidade, onde encontro a paz do meu equilíbrio, mas na verdade não te escrevo nada de relevante porque apenas não existe, mas se quiseres literatura terás que ir a uma biblioteca.
Meu querido diário, assim te comecei, assim te acabo.
Sanzalando

28 de abril de 2008

OLHOS

Entreabri a porta. Era o armário da imaginação. Várias cabeças rodaram em minha direcção num gesto automático, sem ruído nem mudanças faciais. Uns olhos verdes se fixaram nos meus castanhos. Memorizei aquele rosto como se tivesse feito uma fotocópia. Os outros rostos ficaram esquecidos numa gaveta, para mais tarde recordar se houver tempo ou necessidade.
Escancarei o armário. Os olhos verdes estavam fixados no meu imaginário.
Cataloguei: olhos da curiosidade.

Sanzalando

24 de abril de 2008

36 - Estórias no Sofá - Amor doi (2 de 2)

Lis faz tempo deixou os estudos. Conseguiu que lhe arranjassem trabalho na Fazenda. Menos tempo sobrava para Combo Salu satisfazer o seu olhar. Era difícil ele aguentar tanta pressão. Tantas vezes ele lhe falou em silêncio que ela não lhe ouviu nem uma unica vez. Assim mesmo ela lhe ia ver no seu arder. Havia de se imolar quando aquilo estivesse cheio e ela a ver num primeiro e verdadeiro frente a frente.

Por baixo da roupa se forrou de jornais que embebeu em gasolina. Mentiria se não dissesse que Combo Salu estava com medo, assustado quase até ao pavor. Mas decidido, arrancou na direcção da Fazenda.

Respirava o ar fresco dos 22ºC que devia estar nesta tarde de depois do almoço assim misturado com o feedor da gasolina. Foi caminhando e pensava que era a última vez que fazia ambas as coisas: caminhar e respirar.

Uma carga de água caiu assim num repente que o deixou muito mais molhado do que estava e com a virtude de não estar com odor a derivado do petróleo.

Salu estava indeciso entre o chorar ou rir, pois era evidente que assim, nem que gastasse todos os fósforos que trouxera e ainda pedisse alguns emprestados, jamais conseguiria virar uma tocha viva. Mas nem estes pensamentos nem a chuva que não parava de cair impediam de o caminhar até à Fazenda.
Abrigado na esquina, tirou o telemóvel do bolso e com a rapidez habitual nesta geração teclou uma mensagem. Já que não consegui satisfazer o seu propósito ela iria ficar a conhece-lo na determinação. Ia aproveitar este molhado destino para lhe dizer pela primeira vez que estava perdida e incondicionalmente apaixonado. Fez através do teclado aquilo que ao longo dos anos não tinha conseguido fazer. Nesse mesmo instante o sol voltou a brilhar com a intensidade de ser 2.30 desta tarde de Março.
Já não havia condições para ser hoje o espectáculo do amor flamejante. Mas ela também não respondia ao SMS.

Vai haver outra tarde sem chuva. Ela verá o arder e o fumo subir aos céus em forma de coração. Ser-lhe-ia impossível voltar a cruzar-se com ela, suportar a indiferença. Estava atabalhoada e perdidamente apaixonado para tanto desinteresse.
Passou em frente da porta da Fazenda sem ter dado conta, assim como não dava conta que estava praticamente seco, excepto a sua cara que mostrava dois rios que desaguavam em cascata para o chão. Muita gente, como habitualmente, entrava e saia.
Um toque no seu telemóvel despertou-o desde pesadelo com que caminhava.
Clicou na tecla e leu: TE AMO MUITO E DESDE SEMPRE!









Sanzalando

23 de abril de 2008

36 - Estórias no Sofá - Amor doi (1 de 2)

Ali estava ele, Combo Salu, pronto a se imolar nesta tarde. Melhor sítio mesmo era frente às Finanças, ali mesmo na Mutamba, na hora de maior ponta se é que há ponta mais ponta que toda a ponta da horas. Salu tem mesmo só dezanove anos e, como dizem os mais velhos, tem toda uma vida pela frente. A gente sabe ele às vezes tem paludismo, ele fica mais para lá do que cá, mas não devia pensar assim, não devia desistir de viver. Isto é claro a gente a pensar que está aqui de fora e não sabe que a culpa é da sua vizinha Lis.

Na verdade faz algum tempo que Lis se despia frente à aberta janela do seu quarto, sem nenhum tipo qualquer de pudor. Na primeira vez que a viu sei que Salu ficou ali em pé parecia estátua de pedra, boca aberta parecia lugar de ninho de pássaro, esquecido no tempo dos afazeres que acho devia ter feito. O suor empapou a sua camisa mesmo não fazendo tanto calor assim. Os seus olhos conseguiram ver com nitidez o corpo escultural tantas vezes sonhado de Lis. Pensou dizer um alô desde a sua janela mas a voz se enrolou no esbugalhar de olhos e na paralisia mental e nada saiu.

Com o passar do tempo foi descobrindo que não era acidental, virou rotina, que Combo Salu todos os fins de tarde estava sentado na sua cama, frente à sua janela de olhos vidrados na janela da casa da frente.
Pois é, se ele arrastava um secreto amor desde faz muito tempo, agora não consegue estar um segundo que o pensamento não salta logo para ela. Ele acha mesmo que, se não estiver a dormir, ele não consegue passar cinco minutos sem ver o rosto de Lis na sua cabeça.
Ele consegue lembrar ao pormenor o dia que ela chegou para morar na casa ao lado, ali no bairro Alvalade, vinda dos interiores do país devastado pela guerra que parecia não queria ter fim.
Ela vinha desde perto do Huambo, o que para ele era ali para os lados do inferno, que o que ele conhecia bem era a Luanda de uns quantos quarteirões. Aos catorze anos que mais podia conhecer que não as redondezas de Alvalade e os poucos sítios que os pais lhe levavam num ou noutro raro fim de semana?
Desde que ela saiu daquele carro vermelho até entrar em casa ele não desgrudou os olhos. Ela trazia as calças de ganga a lhe mostrar as curvas dos dezasseis anos. Acho os seus olhos se cruzaram uma vez. Mas como sempre nestas coisas eu não tenho a certeza e ele não confirma nem desmente.
Na verdade verdadeira é que toda a família estranhou que Combo Salu nunca mais voltou à vadiagem dos dias quase inteiros. Desde esse momento Lis passou a ser o seu amor platónico, o seu suspiro secreto. É, ele suspirava que um dia ela lhe ia abrir o coração para ele.
Mas com o passar do tempo parecia ele tinha duas vidas, assim como que eram paralelas que se encontravam no seu corpo sem se misturarem. Era aluno aplicado, mesmo se dizia era referência na escola, exemplo perfeito da nova sociedade que surgia. Ao mesmo tempo voltava à vadiação do antes da chagada da Lis ao bairro vinda do Huambo, com a intenção de esquecer a existência de quem parecia não tinha ainda dado por ele. Mas mesmo assim a cada segundo lhe ficava o poster da cara dela estampado no seu pensamento. Era demais para uma pessoa só, caramba.
Ele e seus amigos, camaradas de muitos anos de vizinhança se encontravam diariamente na clandestinidade duma casa abandonada. Ali havia poster’s de muitas revistas que achavam nas muitas revistas que um ou outro ia gamando sorrateiramente em casa ou onde calhasse. Predominavam as mulheres mas também se podia ver o CHE, vários jogadores de futebol famosos na Europa. De que falavam todos os dias é que eu não sei, mas que ali ficavam, horas isso era certo e sabido e a debandada se iniciava quando se ouvia a voz estridente da mãe a gritar:
- Saluuuuuuuuuuuuuu.
Em casa Salu só olhava da sua janela a janela da vizinha. Ele carregava a esperança que ela ia aparecer. Era só ele querer com muita vontade. E todos os dias ele queria assim muito. O silêncio do seu quarto ele imaginava como ia ser a sua vida, o caminhar lado a lado com Lis, o sorriso cúmplice, o olhar dialogante. Tudo até que a rotina se cumpria.





Sanzalando

22 de abril de 2008

SE

Se eu pudesse te pedia para me deixares respirar o perfume dos teus lábios, o meu desejo de essência, o meu olhar dos teus olhos.
Se eu pudesse fechava os ouvidos para escutar a tua alma.
Se eu pudesse te pedia para arrancares a minha pele da tua, para desamarrares todas as recordações que nos unem.
Mas eu não posso apenas porque não o quero!


Sanzalando



JCC11

21 de abril de 2008

Magia de olhar

Me deixo imaginar numa tarde assim faz de conta é primavera, um céu azul sem um ponto branco a rebentar a monotonia, sem um sopro de ar de se lhe chamar brisa, um perfume que vem mesmo só da terra, um campo de perder de vista assim nuns tons de verde que parece tem todos os verdes que já inventaram, muitas flores assim dispersas nesse verde para lhe dar um outro brilhozinho. Assim de vez em quando, como num repente, um pássaro passa e te canta um murmúrio de música.
Assim nesta imaginação me estendo num celebrar de desejos, num recordar de futuros, num encenar de novas cenas.
Nesse paraíso me proponho jogar novos jogos, brincar novas brincadeiras, crescer sem perder medos.
Como são mágicos os meus olhos…

Sanzalando


JCC10

19 de abril de 2008

35 - Estórias no Sofá - após um fim do mundo(3 de 3)

A sério que algo muito estranho se está a passar por aqui. Acho foi esse o pensamento que se podia ler na cara dele se alguém lhe olhasse naquele instante.

Depois de verificar que toda a casa estava fechada se tranquilizou um pouco e começou a pensar com pensamentos de se ver.
Onde foi que esta gente se meteu hoje? Não é assim tão tarde que toda a cidade está a dormir. O que é mesmo que está errado?

Acho que foram estes alguns dos pensamentos que ele pensou, de rajada, que nem tinha tempo para pensar uma resposta para cada um.

Lhe vamos ajudar.

Desde quando foi que ele deixou de ver carros? Depois do quase com o camião do lixo ele viu mais algum? Acho que aqui os olhos dele estavam assim brilhantes como de quem vai chorar.
- Bolas, que se passa aqui?! gritou ele como se estivesse a explodir.
Foi assim que se lembrou de ligar a televisão. Branco e preto numa chuva interminável. Lhe deu pancadas em cima, dos lados como toda a gente faz quando alguma coisa não quer funcionar. Desligou, voltou a ligar. A chuva era a mesma. Vírus ou outra coisa pior não ataca a televisão, pensou ele. Há aqui qualquer coisa errada, reafirmava ele enroscando-se no sofá e abrindo uma Cuca geladinha. Acho lhe bebeu dum trago que nem respirou no meio. Foi na geleira e pegou uma Eka que teve o mesmo destino à mesma velocidade. Arrotou. Até que estava sozinho pelo que não era má educação. Foi na cozinha, pegou uma Nocal, lhe abriu na quina da bancada.

- Será que eu desviei a tempo do camião do lixo?







Sanzalando

18 de abril de 2008

35 - Estórias no Sofá - após um fim do mundo (2 de 3)

Mudou de direcção, como fazia sempre que chegava à Maianga. Coisa rara estava a acontecer. Quase não havia carros. Quer dizer, não estava nenhum carro a circular em direcção do Serpa Pinto ou indo para lá. A rua era mesmo só dele porque só ele vinha de lá. Podia fazer todos os ésses para não cair nas pequenas armadilhas sem ter que ter toda a atenção do mundo estampada no pára-brisas, retrovisores, sons, luzes e que mais houvesse. Já dava para acelerar outra vez. Era uma noite de sorte. Prego afundo, se esquecendo da promessa feita por causa do camião do lixo. Mais rápido chegou ao seu Catambor. Do Serpa Pinto até aqui nem vivalma a pé ou de carro. Isso lhe deixou perplexo, mesmo que seja uma palavra que ele não usava. Alguma coisa está a acontecer aqui. Nem uma criança, nem um kota. Hum!!! Aqui tem coisa. Procurou o rádio da viatura quando se lembrou que ele tinha sido gamado faz algum tempo e ele tinha prometido que nunca mais ia haver outro naquele buraco que até dava jeito para pôr alguma coisa. Algumas casas têm luz pelo que há gente por aqui. Mas que foi mesmo que aconteceu para este deserto? Quando chegar em casa logo vai tentar saber. Tudo isto passava na cabeça dele parecia uma máquina de fazer pensamentos.

Saindo da estrada de alcatrão rumo à rua principal do seu Catambor resolveu abrir o vidro e perguntar se estava ali alguém, com voz que alguém pudesse ouvir. No escuro da noite não recebeu resposta nem deu para ver se estava alguém que não lhe quisesse responder. Estava silêncio de até ouvir as cigarras a cantar.

Engoliu em seco ao mesmo tempo que devagarmente levou o carro até à sua casa. Parou mesmo em frente da porta, como fazia todas as noites de todos os dias do ano. Parou à frente da porta de casa. Faz mais de dez minutos que não vê um esboço de pessoa. Acho que foi neste pensamento que ele notou que estava nervoso faz algum tempo. Aqui, foi quando sentiu medo. Parecia a zona estava infectada com algum vírus ou coisa dum género ainda pior. Decidiu entrar em casa e atirar com toda a força a porta como se assim impedisse mais alguma coisa de entrar atrás dele.





Sanzalando

17 de abril de 2008

35 - Estórias no Sofá - após um fim do mundo(1 de 3)

Era tarde. Muito mais tarde que habitualmente. Hoje lhe apeteceu ficar até mais tarde no trabalho. Não lhe esperava nada, nem ninguém em casa, pelo que não tinha pressa nenhuma e sempre podia adiantar mais qualquer coisita neste projecto de milhões.

Mas mesmo assim arrancou no seu carro parecia estava numa corrida. O chiar dos pneus quase de certeza acordou alguém. É que há gente que dorme cedo. Carregou no acelerador e tomou o caminho mais perto para o centro da cidade. Sempre gostou de passar no centro da cidade como a que lhe dizer até amanhã. Um ou outro buraco foi atropelado porque já não havia tempo para se desviar quando lhe punha os olhos em cima. Mas o carro era bom e fora um ressalto, um chocalhar do corpo e um vociferar palavras intraduzíveis nada mais acontecia.

Mas aqui foi quase. Com aquela velocidade, a falta de luz da rua e também o cansaço, quase não via o camião do lixo que luzes não tinha e estava ali a carregar aquela dúzia de sacos amontoados no que restava do passeio. Buzinou, guinou, palavreou mais palavras que um dicionário de obscenidades, cabeceou no vidro lateral, mas travar é que nem lhe passou pela cabeça. Acalmou e se lembrou que foi por pouco. Desta vez foi quase. Assim, como que no aproveitar do rescaldo do susto decidiu que agora é que ia conduzir como deve de ser. Não é por ser noite que vou ser um campeão, deve ter ele pensado enquanto o seu coração reduzia as batidas que faz pouco tempo parecia que queria sair da caixa torácica.

Começou a cantar uma velha canção. Quer dizer, começou a dizer a letra da canção porque desde que se lembra que é gente, cantar é coisa impossível nele. Nem ele mesmo se gosta de ouvir na desafinação completa e sempre diferente. Se lembrou do New York New York na voz do Sinatra. Tentou imitar, fazer como que um playback mental, um karaoke virtual. Um cão por algum motivo ganiu e ele se calou das tentativas de dizer New York New York com alguma musicalidade. Foi ai que pensou que era mais fácil viver um dia na cidade que não dorme do que lhe cantar.



Sanzalando

15 de abril de 2008

Máscaras

Em cada lado vejo um espelho. Olho-me por um, por outro e outro, num não terminar sem concluir que tenho uma cara para cada ocasião. É assim mais ou menos como que uma mentira que vou projectando ao gosto do momento.
Às vezes estamos com cara de caso único, particular e esquecemos que quem nos olha já teve a mesma cara noutras horas, noutros momentos. Ou vai ter.
Há sempre um momento para cada cara, segundo as personagens dos vários papéis, segundo os momentos de cada ocasião.
Quando nos encontramos sozinhos todas estas caras caiem por terra, a não ser que nos enganemos a nós mesmo. Não existe aqui a máscara, apenas a cara.
Mas nem sempre a máscara é uma mentira. Às vezes é a máscara necessária para ocultar sentimentos, bloquear transparências.
Afinal de contas a cara é uma máscara!



Sanzalando

13 de abril de 2008

lutas

Me sentei assim num bar como que de olhos fechados a olhar para as paredes que assim pareciam ter ficado que nem vazias e fui enchendo a minha cabeça de imagens que ia recebendo de ouvido.
Percebi que algures estava sentado um homem ferido e zangado que nem uma fera, vi prisioneiros acorrentados em cadeias mentais, idealizei grilhetas em gargantas secas de tantos gritos sufocados.
Algures uma voz serena, lúcida, procurando sílabas abertas nos escombros das derrocadas de frases incompletas.
Permaneci de olhos fechados embriagando-me nas imagens que ia criando, lacrimejando pelas almas que sentia perdidas, gritando silêncios pelas vidas escuras.
Revoltado abri os olhos e comecei uma luta de gestos serenos e ideias claras, não lhe sabendo o fim e não espezinhado ou esquecendo os meios.


Sanzalando

10 de abril de 2008

e o mundo ...

E o mundo segue rodando lá fora.
Enterrado no meu sofá sinto a vontade enorme de me fundir no teu corpo, juntamente com a alma, seja lá o que isso seja. Sinto vontade de inclinar a cabeça ante ti e subjugar-me aos teus desejos num tempo indeterminado.
E o mundo segue rodando lá fora.
Enterrado no meu sofá interrogo-me se te cansarás de mim ao mesmo tempo que a minha barba se acinzenta e a força da gravidade me vá curvando a cabeça para mais perto do chão.
E o mundo roda dentro de momentos.
Enterrado no sofá, suportando toda a pressão atmosférica, recordo-me de ti tal e qual eu queria tu és e sinto-me com forças de correr toda uma noite para te agarrar.
E o mundo gira noutro lado qualquer.
Soterrado no sofá consigo escrever a legenda que poria na minha fotografia que não tive tempo de tirar:
O mundo rodará dentro de momentos.

Sanzalando

7 de abril de 2008

Era para ser ontem

Há nomes que me acompanham ao longo da vida. Poderia dizer vários mas na possibilidade de faltar algum prefiro não pronunciar hoje nenhum para não me sentir incompleto. Ontem pronunciei mentalmente centenas de vezes um. Cada gesto, cada imagem, cada perfume e lá vinha o mesmo nome ao meu soletrário mental. Tantas fotos sem câmara, tantos filmes sem fita consegui imaginar-lhe, esquecendo de chamar a maquilhadora para abafar a corrosão do tempo. Pronto, lá me está o subconsciente a rectificar-me, não foram centenas, foram apenas 49 vezes. Tantas quantos os anos que se passaram desde que algures em Lisboa nasceu até ao mais certinho ontem. Não, não me flanqueou assuntos de coração nem recordações de ir à lágrimas. Foi só quase mesmo um ir ao início da minha existência, ao biquini azul, ao passeio das 6 de todas as tardes. Coisa pouca, vendo bem as coisas que a minha recordação contabiliza e a minha existência recorda Ontem, por fraqueza da memória e fragilidade do sentir, senti necessidade de lhe saltar o dia. Hoje, rebuscando os nós córdios do coração, consigo pronunciar-te algumas palavras em surdina e assim dizer-lhe num ouvido as tantas coisas que fui guardando ao longo dos tempos .



Sanzalando

3 de abril de 2008

ternura

Hoje me sento e passo a mão pela ternura, enquanto os meus olhos fechados te imaginam.
Todas as carícias nascem com um objectivo – acariciar. Hoje acaricio a ternura. A mesma mão que me limpa as lágrimas, as feridas e as dores de alma hoje passa com ternura pela ternura, num movimento suave duma pétala de flor da primavera que esboça um sorriso de calor no silêncio do amor.
Hoje quero sentir a ternura ser ternurada ao mesmo tempo que ouço o silêncio do gemido.
Hoje me apetece ser meigo como uma gota de chuva que escorre num vidro duma janela do teu quarto.



Sanzalando





JCC5