Sai de casa só para ir até à esplanada da Oásis. Como sempre bebi o meu café e comi o meu pastel de nata. Naquele tempo, eu usava calções e sandálias feitas de pneu careca dum carro de alguém e tiras de câmara de ar e que me disseram se chamavam nonkacos e não sandálias, mas sendo eu da cidade fica-me bem dizer sandálias.
Ainda não tinham inventado o telemóvel e as chamadas passavam sempre pelos CTT e eram pagas e para minha carteira vou dizer eram caríssimas. O meu cabelo bagunçado, comprido, escorridamente liso e quase sempre por pentear num risca ao lado com pinta e claro está, sem chave de casa no bolso. Eu achava que voltaria para casa em dez minutos que poderiam ser meia-hora.
Na esplanada encontrei os do costume. Moreira, Reis, Xico de Olhão, Zé Pedro e Zé da Fisga, Figueiras, Luís, Victor que por acaso era irmão do Zé da Fisga. Não me lembro se alguém fazia anos. Mas isso desimporta para o caso, pois a gente comemorava sempre qualquer coisa mesmo que nada houvesse. O nada também era comemorado.
- Vamos beber café a Sá da Bandeira? Juro que deslembradamente não sei de quem era a voz. Cortina, Seat e Hondas 750 se fizeram à estrada. Assim do nada havia uma viagem a ser feita.
Para mim três dias se passaram como se o tempo tivesse derretido. Alta noitada no Arco Íris. Rimos de histórias antigas, enterramos mágoas velhas, bebemos uns copos e uns fizeram-se à estrada de regresso quando o sol rasgava o horizonte num acordar preguiçoso. Eu fiquei. Dormi na casa de família, dizendo claro que tinha chegado nessa madrugada e não na véspera, e que tudo estava bem. Não tinha boleia de volta. Não tinha dinheiro no bolso e a estação de comboios não vendia bilhete fiado. Os tios e amigos da esquina amarela lá fizeram uma coleta e pagaram o bilhete a quem esteve três dias com a mesma roupa vestida, apesar de tomar o seu infalível banho diário.
Quando voltei, a porta de casa estava do mesmo jeito. A mãe me olhou como que à espera de uma explicação. Lhe olhei admirado e disse:
- Mãe, deu-me uma saudade assim de repetente que fui à casa do avô só para dar um beijinho grande nele.
Ela devolveu o olhar como que a dizer-me, batote ou olho para o lado? Olhou para o lado e eu nunca soube se ela sabia o que tinha acontecido e de facto eu soube que tinha acontecido uma coisa muito grave. Eu sei que nunca mais fiz essa pirueta e nunca mais deixei de voltar para casa antes das 24 horas terem passado.
Às vezes é preciso sair sem destino pra lembrar quem se é. E, com sorte, reencontrar o caminho de volta.
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