Assim cantava Chico Buarque: amou daquela vez como se fosse a última; e ele, Antonino, menino nascido e criado em família boa da cidade alta, tudo fazia como se fosse a última coisa a fazer na vida. Vivia-a como se ela, a vida, acabasse naquele instante. Ele parecia sabia. Ele amava com tal força parecia morava dentro do amor, ele próprio, que tanto dizia que quando o amor acabava ele ficava um sem abrigo.
Era este Antonino que eu conheci ainda andava de calções mas não magoava os joelhos porque ele não tinha tempo para brincar. Ele estava sempre tão ocupado que não tinha tempo para ver que as cores do céu são muitas, depende do minuto e do olhar. Do azul escuro, ao claro e ao amarelo alaranjado é um instante que se perde. Ele não podia nem perder esse segundo de admiração. Estrela cadente ele sabia que existia. Mas sei nunca viu nenhuma. Me contou uma vez na hora do lanche. Na verdade, vendo de agora, deixado passar esse tempo, uma vida, eu acho que Antonino estava imune à beleza da vida. Ele era o melhor. Menos no jeito de estar na rua, menos no jeito de vestir o uniforme de pessoa que vagabunda as ruas da cidade à procura de não fazer nada de jeito.
Ele era poesia, geografia e história. Matemática e desenho era assim um quase nada fracote, mas disfarçava com o vocabulário de quem ia fazer discurso de polimento. Ele sabia museus e outras enciclopédias. Não sabia bares nem outros lugares.
Um dia mudou. Cresceu na altura e na largura. Trabalhava parecia não tinha fim o dia. Amava poderosamente. O tempo de estar, simplesmente estar, desapareceu e no meu olhar nunca mais o vi. Fui ouvindo falar estórias de quem não sabe onde acaba a ficção e continua a realidade. Engenheiro, doutor, não sei. Milionário me disseram e a vida foi correndo nos seus altos e baixos. Houve flores que murcharam e outras floriram, houve invernos e verões e os frios tropicais nunca congelaram estórias que fui ouvindo. Umas sabia podiam ser verdadeiras, outras nunca na vida.
Antonino aparecia nas revistas de negócios, umas vezes inchado porém sempre bem bronzeado e acompanhado. Nunca soube o caminho mas o ia abrindo. Lia eu, ouvia e imaginava outro tanto.
Um dia, perdi o rumo. Eu herói de tantas guerras na vida me esqueci. Desliguei o passado como se ele fosse de outro. Eu só tinha o meu presente presentemente. Dia após dia segui a minha sombra.
Uma esquina, um dobrar de esquina, lento como o calor que me toldava os movimentos, dou de caras com Antonino. Magro e pálido. Reconheceu-me de imediato enquanto tive que fazer um esforço enorme a tentar pôr aquela cara num qualquer lugar da minha vida, até que consegui pela voz e gestos. Tremia. Falava muito mas pouco percebi o que me dizia. Comia uma parte das palavras e nas outras um silêncio no olhar. Eu gosto de silêncio mas os silêncios que lhe saiam da boca me incomodavam. Tanto que ele falou que eu apenas resumi no sempre há uma escolha excepto se escolhermos a errada. Demos um abraço como se o tempo não nos tivesse passado. Amigo, disse-me, roubaram-me a capacidade de ser feliz e eu gastei o tempo a correr para lado nenhum. Ouvi perfeitamente, refeito da surpresa.
Mergulhei em oceanos profundos, nadei mais do que as minhas capacidades permitiam. Vivi como se cada dia fosse o último. Hoje tenho tempo, menos para morrer como eu desejo.
Olhei-o, perplexo, não quis saber da sua estória, não tentei perceber os seus caminhos e lhe disse para me acompanhar num passeio de passo lento. Silenciados, lado a lado, fomos andando.
Foi aí que ele me disse naquela voz de ainda criança que eu me lembrava: tudo na vida acaba, menos a amizade.
Sanzalando