16 de setembro de 2024

tempo e tempo

E se é loucura eu não falar das minhas dores vou falar mais o quê pois então? Se eu falar do tempo vou ter dificuldade em separar o meteorológico do tempo decorrido no relógio. Pois aí eu ia ficar louco e teria que sair do meu cantinho resguardado onde olho o mar sem me preocupar com nenhum dos tempos. Vou falar em dormir? Se estou a dormir nem sei como é que o tempo passa e nem sei o que passa na minha cabeça. Vou falar mais o quê? Vou falar de sentimentos? Não me apetece mais nada agora senão um abracinho. Falar só por falar também não é minha obra e graça. 
Acho mesmo continuar calado a olhar o tempo. Qualquer dos tempos.



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11 de setembro de 2024

As Três Vidas - João Tordo


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Tesourinho Musical 11


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Crónica 23 K'arranca às Quartas


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Programa 34 K'arranca às Quartas

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 11 de Setembro de 2024. 

  sem cortes, filtros ou correcções!

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uma carta que não mandei

Eu poderia escrever-te uma carta cada dia e para sempre assim seria. Mas um qualquer dia o para sempre acaba e eu não fico à espera que a minha alma te continue a escrever. Afinal de contas nem tu sabes quem eu sou, o que fiz e para onde vou. Podes ter uma vaga ideia, um retrato a preto e branco queimado pelo tempo que teve escondido na gaveta da memória, mas certamente nem te lembras da minha existência que um dia nasci muito antes de ti.
Eu esperei-te anos e com tantas impressões, sugestões e outras questões o tempo passou e nada mudou. Amei-te. Amo-te, seja lá o que é que isso seja. Recordo-te no último olhar que te dei e tudo resto memorizei e nunca apaguei.
Desfalecimento total na nossa ligação, nem arranjado ou replaneado foi reparado ou recuperado.
Eu podia escrever-te uma carta mas não tenho morada nem direcção e a letra trémula jamais conseguiria escrever todas as palavras que eu te podia ter dito nestes anos todos


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10 de setembro de 2024

os cinzentos dias

Acordei, o sol já não me abraça no seu calor porque o verão está a findar. Os silêncios começam a aparecer, as noites frias entram casa a dentro sem convite e sem cerimónia. Nos armários começa a azafama das substituições, saem os polos e entram as mangas compridas, saem calções e entram calças. As memórias vão sendo substituídas por adeus e recordações recentes em substituição da falta de tempo. As frases calam-se ou entristecem-se nas cinzentas tardes que se adivinham estão a chegar.
As horas passam lentas e a correria é substituída pela vagaroso modo de estar quieto para ver se a rua se alegra daqui a pouco. Os cinzentos dias estão para chegar.



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9 de setembro de 2024

nasci?!

Tem dias que a gente olha para trás e lembra que tem um passado quase do tamanho da gente. Mas na verdade para a gente, nós os próprios, só tem dois dias que são importantes de importância máxima. O dia que a gente nasceu e o dia que a gente toma consciência que nasceu mesmo. Esse é o dia que a gente agradece algo a alguém, no dia que a gente sente gratidão, no dia que a gente toma nota que existe. 
Esse dia pode ser qualquer dia da vida, mas é importante quando a gente toma consciência que está viva e que a gente é hoje porque entendeu esse passado lá atrás que pode ser apenas ontem.
Imagina que foi quando esbarrei com um olhar, quando meu avô me penteou e me sorriu porque eu fiz coisa bonita que nem foi para ele. Um instante sem cicatriz. A gente só precisa ter consciência que nasceu

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5 de setembro de 2024

artificialmente me fiz

Desregradamente sigo em meu silêncio. Moribundo-me em cada instante de saudade. Calo-me em cada estado de espírito angelicamente. Sou presente que tem um passado a olhar o futuro.
Todos os meus caminhos levaram-me por uma estrada desenhada ao acaso, percorrendo um trajecto que chegou a um ponto que eu interrogo com certa exclamação. Vivi ou vi a vida como se ela fosse um filme que eu não interpretei? Não fui herói nem vilão. 
Sou um anonimo caminhante que calado se fez à estrada. Sorrindo, por vezes com lágrimas, dou passos segurando a cada instante numa realidade imaginada. 
Eu sou o meu caminho apesar de morto tantas vezes. Eu existo-me em cada instante, em cada passo e em cada olhar. Prolongo-me em cada gargalhada e embrulho-me no sal das lágrimas em instantes raros que me revigoraram.
Sou assim, defeito ou virtude, artificialmente imaginado na realidade possivel.




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Mia Couto - Terra Sonâmbula


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