Era um sábado de manhã, e o sol ainda acordava preguiçoso lá para o lado das hortas. Eu, 15 anos feitos ou mal desfeitos, decidi sair para caminhar, sozinho, pela primeira vez, eu queria ir nas salinas. Peguei um saco, coloquei um cantil de água e o meu velho e inseparável boné dentro dele assim como uma fatia de pão que era de ontem e tinha sido comprado no João Padeiro.
O perto de casa, parei para pensar se eu tinha a certeza que queria caminhar. Não, às vezes a gente tem assim um impulso mas depois se vai arrepender. E antes que fosse tarde eu parei para decidir. Não, eu vou caminhar. Logo na esquina dos Fonsecas virei e fui avenida fora até que passei no velho campo de futebol e aí, perto do matadouro o asfalto deu lugar a uma estradinha de terra que passava por entre árvores e passarinhos que cantavam.
No início, eu andava rápido, tentando chegar “num algum lugar” que ia imaginado em progressão. Me lembro que foi Café Avenida, depois Estação dos caminhos de Ferro, e no campo da bola e matadouro e agora só me lembrava do Mamede e depois da Sófrio, Quipola, ponte do Rio Bero e estava nas salinas.
Mas, com o tempo, o silêncio da natureza foi vencendo o meu silêncio. Era os passarinhos depois do Matadouro, eram outros ao longo da linda dos caminhos de ferro. Às vezes era só o barulho da brisa nas árvores, só com o barulho do vento e dos galhos.
A princípio cada passo parecia leve, diferente do peso que sentia quando entrei em caminhos que eu desconhecia de andar assim a pé. A caminhada virou mais do que um exercício, virou teste e respiração ofegante.
Na Casa dos rapazes eu pensei voltar atrás. Sentei-me num tronco e pensei que o Padre Cristóvão me daria boleia de volta a casa. Olhei em frente e as árvores e o perfume do rio me chamaram. Levantei-me e continuei. O sol já tinha nascido, a aurora já tinha sido rasgada e eu pus o boné na cabeça não fosse escaldar-me para lá dos pensamentos.
Ali, entendi que crescer não era só fazer anos ou tirar boas notas. Era aprender a andar sozinho, mesmo que o caminho fosse incerto e eu me sentisse inseguro. Ao chegar à ponte parei na cancela, olhei-a a todo o comprimento e decidi não a travessar. E se viesse o comboio? E um carro? Olhando para o rio até que ela me pareceu mais alta do que as vezes que passei no comboio. Não. Termino aqui a minha longa caminhada.
Quando voltei pra casa, o sol já estava alto. A mãe perguntou onde tinha ido.
— Caminhar — respondi.
— E achaste o que procuravas? atirou ela como se percebesse a minha descoberta
Pensou por um instante, sorri e disse:
— Acho que sim. Achei um pouco mais de mim.
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