Há quem diga que observar o pôr do sol é uma experiência mística, quase transcendental. Eu digo que é uma atividade de risco: o risco de parecer poético enquanto se luta contra mosquitos e se tenta encontrar ângulo sem postes de eletricidade, sem prédios ou outros artefactos no enquadramento da foto.
Tudo começa com a ideia romântica: “Hoje vou ver o pôr do sol.” É uma frase que soa simples, mas que exige logística militar. Primeiro, é preciso decidir o local. Praia? Miradouro? Varanda do prédio? (Este último só funciona se o vizinho não tiver pendurado lençóis cor-de-rosa a secar).
Chegado o momento, lá está o sol, um profissional disciplinado, descendo no horário combinado e que foi confirmado no Borda D'Água. E nós, um grupo de humanos emocionados, munidos de telemóveis erguidos como oferendas tecnológicas ao astro-rei. Mentalmente solta-se um “Uau!” a cada cinco segundos, como se o sol precisasse de incentivo: “Força, estás quase a pôr-te!”
E há sempre o fotógrafo de um grupo — aquele que insiste em dizer: “Não se mexam, está perfeito!” — segundos antes de perceber que o dedo tapou a lente. Enquanto isso, os casais trocam olhares melosos, os solteiros fingem contemplar o horizonte com profundidade filosófica e as gaivotas passam no momento exato em que o sol toca o mar, apenas para estragar o vídeo com um grito estridente.
Mas o verdadeiro espetáculo começa depois: o instante em que o sol desaparece e todos fingem que não estão desiludidos. Porque, sejamos sinceros, esperávamos mais — talvez uma salva de palmas cósmica, um clarão final, ou pelo menos um aplauso coletivo. Em vez disso, resta o crepúsculo e um friozinho desconfortável. Não há encore.
E, no regresso, inevitavelmente, alguém diz: “Devíamos fazer isto mais vezes.” Mentira piedosa. O próximo pôr do sol será visto do sofá, refletido no écran da televisão durante o noticiário e ao sabor do calorzinho da lareira.
Mas não faz mal. A beleza do pôr do sol não está em vê-lo — está em sabermos que ele acontece todos os dias, quer estejamos lá ou não. E, com sorte, sem mosquitos.
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