


Mas isto era mesmo só por causa de que eu estava à procura duma estória e dei um salto até parecia canguru



Mas tas a pensar o que? Aqui também tem uma parte que é floresta tropical


Afinal eu ia fazer mais o quê?
Me sentei aqui e assim sem mais nem menos desatei a espirrar indiscretamente. Pensei mesmo era um espirro de amor. que me estava a dizer que eu não devia estar assim a olhar lá para cima daqui do lado do Nepal mas do lado do Tibete. Isto sou eu a pensar, que escalar só mesmo o peixe escalado. Eu é mais sentado a olhar e neste exacto momento me lembro dos que tentaram subir e nunca mais a deixaram e vai dai desatei a matutar o que leva essa gente a subir montanhas que não são as da vida. Mas são coisas que me ultrapassam e então me sento em
Katmandu e desato a pensar que foi neste pequeno e pobre país que nasceu
Buda, ou seja, aquele que despertou para a verdadeira natureza dos fenómenos, isto é, o entendimento de que todos os fenómenos são impermanentes, insatisfatórios e impessoais. Baralhei-me? Acho que não e por isso estou sentado, que assim não caminho ao deus dará e consigo ver os vales para além das montanhas e das suas rotas que acho já estão parecem carreiros como os caminhos da minha terra.
Foi aqui que cheguei ao Nirvana.
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Disquei na minha mente o teu número de telefone, como se tu tivesses um número só para mim. Queria dizer-te todos os meus sentimentos num soletrar de palavras na forma de num eventual cruzamento de linhas não ficar um equívoco pairando no ar. Queria ler-te o meu pensamento sublinhando a parte mais sensível.
Queria dizer-te o mal que nos fizemos, aflorar a doença que nos infligimos, queria traduzir-te o desespero das lágrimas secas que te choro.
Voltei a discar o número que tu tens só para mim.
Insisti tantas vezes que cheguei à conclusão que afinal não tenho o teu contacto e por isso desliquei-me num embrulhar de quem foge do frio.
Enroscado de frio me deixo levar por sonhos e sinto as minhas mãos criando túneis sobre ti como se estivesse na praia e brincasse na areia. Sinto-me nas nuvens sentido a tua areia a passar-me por entre os dedos. Desenho letras soltas como que se tatuasse o teu corpo. Sinto o teu calor como que um vulcão me eruptasse por dentro.
Não tenho febre, não sofro de delírios nem maluquei nas últimas horas. É mesmo só vontade de te sonhar como quem sonha uma realidade.
A minha língua se me enrola quando te quero sussurrar algumas palavras que a distância não abafaria nem apagaria, pelo que te emito as ondas do meu pensamento como quem reza em silêncio.
Enroscado no frio navego-me nas ondas dos sonhos sonhados acordado como quem vê um filme de imaginação.
Olho-me e me vejo numa forma de sossego, inapetência até. Se der um passo em frente acho vou cair.
Assim, de forma coordenada dou uns tantos passos atrás e retrocedo até ao sonho em que mergulho na água salgada, agradavelmente quente, dou umas braçadas como se fosse um campeão, e me esqueço de todos os mortos da minha vida. Tantos e tantos que a alguns eu pedia uma reencarnação, mas apenas deixo cair uma lágrima como que para lhes descansar o espírito, como que para estar em paz comigo.
Eu sei que é Inverno, que os dias são eternas madrugadas, que o frio me leva para dentro de mim. Eu sei tudo isso mas desconsigo de sonhar com os dias quentes em que até as minhas lágrimas sorriem. Desconsigo sonhar com o perfume das acácias que começaram a florir.
Voltou a arrefecer e o sol timidamente tenta mostrar-se-me por detrás das nuvens. Tão tímido que eu nem dou por ele e me parece que o dia se transformou numa eterna madrugada. É assim que me apetece transformar o dia numa meditação agasalhada sobre o sofá, faz conta era antes. Uns dizem é preguiça eu acho mesmo é só sentido de oportunidade. Faz mal, quer um quer outro têm razão pelo que eu fico na mesma e a pensar no que vou fazer este ano inteiro. Feitas as contas conclui mesmo é o que eu não vou fazer. Acho que não me apetece dar a volta ao mundo em bicicleta, não me apetece ir esquiar nos Himalaias, dirigir uma orquestra ou tentar imaginar o que me reserva o futuro.
Assim, vou fazer mais como?
Hoje abandonei-me e fui ver o mar. Tinha saudades de ver azul. Tinha saudades de sentir a maresia. Tinha saudades de escutar as ondas.
Não me perguntei quem sou nem se me conheço faz muito tempo. Não me perguntei dos sonhos que tenho sonhado nem se os tenho vivido, nem se os quero viver. Afinal de contas eu não vivo, eu sonho.
Hoje abandonei-me e fui ver o mar. Tinha saudades de ver a minha cara, a cara de quando eu vivia, de quando eu via o crescimento das rosas e subia nas árvores para apanhar as castanhas.
Não me perguntei a idade porque tenho-as todas e os anos de verdade são tiros com que fui fuzilado neste corpo que deixou de viver para sonhar.
Hoje abandonei-me e fui ver o mar.