31 de agosto de 2024

morte fúnebre que não morri

Tem coisas na vida que não me matou mas tenho ganas de morrer quando as recordo. Eu morro de saudade. Eu morro de amor. Eu já morri tantas vezes que até tenho saudades desses dias de morte fúnebre que não morri. 
E se a terra gira e daqui a pouco estou noutro ponto da galáxia, eu vou morrer deste ponto em que virgulei um texto. Eu morro em cada segundo do meu passado e cada vez tenho menos futuro e morro quando lá chegar. 
Sócrates, Platão, Pitágoras, Arquimedes. Salvai-me que eu morro de perguntas, de respostas e silêncios.
Eu andava de cações e usava suspensórios, joelhos esfolados e cabelo cortado à escovinha. Tenho saudades e esse tempo morreu e eu morri com ele.
Eu usava calças à boca-de-sino e camisa de mil-flores, larga e cabelo comprido. Tenho saudades desse tempo e eu morri com ele.
Usava cabelo aparado, calças de ganga, que não tinha dinheiro para jeans, e usava pastinha com sebentas e livros. Esse tempo acabou e eu tenho saudades. Morreu-me esse tempo e eu morri com ele.
Usei cabelo comprido, roupa desmarcada, porém limpa e asseada, bata branca ou fato verde e esse tempo acabou e me ficaram as saudades.
Que ganas eu tenho de ter saudades dos tempos todos que me morreram.

Sanzalando

25 de agosto de 2024

20 de agosto de 2024

aprender a ser só

Aprendendo a estar só aprendemos que não dependemos de nada para estar conosco. Tão fácil e simples. Creio que não acredito que um artista precise de estar sozinho, em segredo, fazendo a sua obra. Mas está tão só mesmo com a multidão lhe olhando. Aprender a estar assim é um segredo que nem todas as palavras gravadas  numa memória sem fim chegariam para desvendar. 
Sem ansiedade e sem interrupções, as palavras voam para a folha de papel. Lineares e estruturadas em formas complexas que simplificam a leitura. O artista pouco se importa que lhe olhem, que lhe acenem. Ele está ali fisicamente mas a sua mente foi para lá da inspiração. É bom estar comigo mesmo quando rodeado de gente por todos os lados tal qual ilha.

Sanzalando

19 de agosto de 2024

vou no sou

Vou simplesmente divagando. Caminho por aí, sem rumo ou meta definida. O desejo de me encantar esfuma-se no calor de verão e o sabor da saudade vai-se diluindo com a luz do entardecer. Vagueio, sereno, feliz e quase por completo. Uma vida dada, vivida, muitas vezes suada e outras poucas sofrida. Palavra puxa palavra sigo sem rumo ou meta definida, porém não paro nem desarmo o sentido interno da minha existência. Sou de utilidade publica, sou gente e presente. Sou o que quis ser e sou como gostava de ter sido mesmo quando vagabundo em saudades e tempos infinitos da minha adolescência. Sou para bem e para o mal, o eu que sou.

Sanzalando

16 de agosto de 2024

me olho e penso

Me olho e paro para ver. Acho que eu ouço os outros para me ver melhor. Manias pessoais e intransmissíveis, penso eu. Não. Eu gosto mesmo de ouvir os outros. Só não gosto é quando falam de alguém que não está presente. Eu sou assim do tipo que quero ser o melhor dos melhores. Não gosto de me sentir eu sou melhor porque os outros não prestam. 
Me olho e paro para pensar. Será que eu sei tudo de mim? Eu sou como a ciência, procuro saber mais e se tiver que mudar mudo. Mudar por conhecimento melhorado. Me olho e penso. Penso e me olho. Quando é que eu vou deixar de ser assim? Será que algum dia eu viverei por viver?


Sanzalando

15 de agosto de 2024

eu coleciono palavras

Eu coleciono palavras. As minhas frases são ideias e não simples frases feitas ao sabor dum paladar salgado ou agridoce. As minhas palavras são estórias de mim, pedaços que me rasgo da vida e guardo num mais tarde vou lembrar. Uso as palavras na simplicidade de as dizer de cor, nas vírgulas que vou entreter a mente, nos parágrafos que vou caminhar sobre mim num até um dia chegar.
Eu coleciono palavras, simples e sem qualquer peso específico porque as uso em frases ditas de amor e com coração, de alma feita corpo meu.
Coleciono palavras desde os tempos em que a idade não deixava colecionar amores imperfeitos. 
Eu coleciono palavras.


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Algarve em Transe


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13 de agosto de 2024

És ou eras

Como é que eu posso dizer-te as tantas coisas que nestes anos todos nunca te disse?
Acho tenho montanhas de palavras para te dizer, umas desarrumadas e outras bem aprumadas. Muito tenho que te dizer, mesmo que eu não consiga abrir a boca quando te vir. Estrangulei a minha alma em palavras por dizer. Enterrei o meu corpo nos buracos escuros do silêncio, não por medo, nem por vergonha, nem por qualquer outra razão que não a tu teres feito com que eu me calasse para ti num para sempre. Curioso é que até calaste o meu olhar de te ver.
Eras recta e dura. Serás ainda assim? Os cabelos brancos terão moldado o teu feitio num maleável modo de viver? Tanta curiosidade que se me acumula nos desejos que até tenho medo de um dia te olhar e não te reconhecer.

Sanzalando

12 de agosto de 2024

paradoxal

Na minha alegre adolescência eu tive um amor assim de quase morrer. Só não morri porque não tem como passar certidão de óbito dizendo que morreu de amores.
Nesse tempo eu me achava infeliz porque ela só me via como o seu amigo e nunca olhou para mim com aquele olhar que a gente sabe ser de gostar. Ela me sorria e meu coração parava. 
Viver um amor assim devia ser proibido. Como deveria ser ainda mais proibido recordar esse amor de morte quase morrida. Se eu, ateu, implorava a todos os santos e mesmo aos que não o eram, imagina como doía esse amor.
Esse amor morreu e eu ainda cá estou para lhe contar que não se morre de amores, mesmo quando o mundo desaba no coração da gente. 
A gente sofre de amor e sorri a lhe recordar. 
É paradoxal.


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9 de agosto de 2024

Abraçar memórias

Tem vezes que fecho os meus olhos e me deixo levar por lembranças. Pedaços soltos da memória, sem tempo nem hora marcada porém pertencentes à minha vida. São pedaços da minha alma onde me refugio, vasculhando esse baú sem me esconder do mundo e com mais vontade de seguir em frente. Nostalgia? Saudade? Pode ser tudo, porém não é sofrimento. Gosto de contemplar a vida e me abraçar nas memórias que ela me vai dando.


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7 de agosto de 2024

Saramago visto por Anabela Quelhas


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Programa K'arranca às Quartas 29

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 07 de Agosto de 2024. 

  Tal qual foi em directo e ao vivo. Só não é a cores

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as minhas desculpas

Quantas vezes eu pedi desculpa mesmo sabendo que a culpa não era minha? Hoje quero pedir desculpa pelos incertos pedidos de desculpa que fiz. Eu também quero pedir desculpa do pecado da gula quando saboreei coisas que não estavam na minha posse ou ao meu alcance. Já agora, aproveitando a embalagem também peço desculpa quando duvidei de mim. Ora bem e por último peço também desculpa por me sentir culpado de coisas que me fizeram.
Hoje me sinto desculpado de ser tal e qual sou, mesmo que isso seja chato, aborrecido e ofenda algumas pessoas. 
Que alívio sinto.

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6 de agosto de 2024

de tempos a tempos me olho

Tem tempos que o passado era o meu presente, aquela vontade de o tempo voltar para trás e refazer tudo tão diferente que eu quase não conseguia viver esse meu presente. Era um sonho ou um desejo, era uma mágoa ou apenas uma vontade enorme de de recuperar oportunidades perdidas, um concertar do que já não tinha concerto.
Parei. Olhei-me e repensei-me. Eu sou fruto do passado. O meu presente é resultado do meu passado e porque eu quero voltar atrás? Não vou mais perder segundos a olhar para trás e querer modificar o arrependido passado que quer ser presente.
Não. Eu sou o eu que sou, feliz por me ter tal qual. Se eu não tivesse passado era, possivelmente, uma alma empenada num presente ausente, numa verdade de mentira.
Eu sou assim, numa versão madura, confiante e sem medo de olhar o passado tal qual ele foi.


Sanzalando

5 de agosto de 2024

Só porque sim

Tem vezes que eu me transformo em ruína que até parece um escombro de mim. Me desfaço de corpo e alma, me despego e largo-me ao vento. Triste e cansado, dorido, magoado ou simplesmente desapontado. Motivos há e, aos poucos, depois de me refazer da surpresa, me reergo, pedra a pedra, pensamento em pensamento e sorrio. Afinal de contas eu sou um ser que tal como os seres tem altos e baixos. Mas a minha certeza é que eu me consigo agarrar e fazer uma escada, uma grua, uma alavanca e recomeçar.
É bom ter capacidade para recomeçar. Primeiro é sinal que estou cá e consciente de mim. Depois é porque a minha capacidade mental não foi beliscada, amarrotada ou atropelada pela velocidade do tempo. 
Ergo-me tantas as vezes quantas as necessárias. Sorrio porque me apetece sorrir, vivo porque gosto. Uns dirão que é o Karma, outros que é o destino, outros que está escrito nalgum livro dos deuses. Eu digo só porque sim.


Sanzalando

2 de agosto de 2024

caminho

Olhei o tempo e me parei nele como a lhe querer dar uma nova oportunidade. Faz conta mesmo eu lhe estou a fazer um balanço de um ano qualquer, como lhes faço doutros anos, habitualmente. Lhe marquei de lápis vermelho, como o tempo das duras provas, das decepções, das emoções, aprendizagens e outras sacanices. Lhe marquei faz de conta era o ano pior de todos os anos até ali. 
Na soma simples das coisas se verifica que a soma das coisas más é superior à das coisas boas.
Repensei e as coisas más se tornaram em coisas boas, devido ao alto conteúdo educativo que lhes consegui retirar. De todos mesmo eu acho é eu me ter tornado humanamente mais rico, mais culto e com maior capacidade de ouvir e ver, sem ter de responder, sem ter que dar satisfação ou simplesmente me desculpar.
Mas mesmo graça a deus é já outro ano e cada ano vou fazendo contas e os fracassos e êxitos fazem parte da história da minha estória e eu lhe agradeço.
Mas a verdade é que o silêncio da acumulação dos anos se vai notando num crescendo infinito de silêncios escolhidos sem fazer piruetas invisíveis de saudade e desterro.
Olhei o tempo, olhei-me por inteiro. Sou eu no eu que gosto muito de ser e me orgulho porque é o caminho que escolhi e sou feliz.



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1 de agosto de 2024

Agosto de faz muito tempo

Já fiz a mala e já estou pronto para apanhar o comboio e subir a serra e ir passar agosto como eu gosto. Quando forem 11 da noite a mãe me vai levar no comboio e eu vou com a mala e mais umas sandes. O comboio demora sete horas se cumprir o horário, mas oito é mais certo. O avô me espera, os gémeos vão ter de me aturar e o pessoal da Lage vai-me receber como o puto do mar. Dali, da caso do avô eu posso ir a pé na Senhora do Monte, na Pousada ou na casa da Tia Eugénia. Não vou andar de autocarros porque tenho de guardar o dinheiro para os carrosséis e para o algodão doce. A Avó dá mas eu não posso abusar. Nas Festas da Senhora do Monte tem carrosséis bué fixes. Tem loto para a gente quinar mas eu esse não gosto porque ouço sempre alguém gritar antes quinei. Eu quero é carros de choques e cadeirinhas ou cavalinhos. Tem mais pica. Deve ser da idade.
E foi assim recordei mais um início de Agosto de faz muito tempo


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