Tem coisas na vida que não me matou mas tenho ganas de morrer quando as recordo. Eu morro de saudade. Eu morro de amor. Eu já morri tantas vezes que até tenho saudades desses dias de morte fúnebre que não morri.
E se a terra gira e daqui a pouco estou noutro ponto da galáxia, eu vou morrer deste ponto em que virgulei um texto. Eu morro em cada segundo do meu passado e cada vez tenho menos futuro e morro quando lá chegar.
Sócrates, Platão, Pitágoras, Arquimedes. Salvai-me que eu morro de perguntas, de respostas e silêncios.
Eu andava de cações e usava suspensórios, joelhos esfolados e cabelo cortado à escovinha. Tenho saudades e esse tempo morreu e eu morri com ele.
Eu usava calças à boca-de-sino e camisa de mil-flores, larga e cabelo comprido. Tenho saudades desse tempo e eu morri com ele.
Usava cabelo aparado, calças de ganga, que não tinha dinheiro para jeans, e usava pastinha com sebentas e livros. Esse tempo acabou e eu tenho saudades. Morreu-me esse tempo e eu morri com ele.
Usei cabelo comprido, roupa desmarcada, porém limpa e asseada, bata branca ou fato verde e esse tempo acabou e me ficaram as saudades.
Que ganas eu tenho de ter saudades dos tempos todos que me morreram.