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7 de abril de 2012

55 - Estórias no Sofá - faz tempo

Faz tempo que o tempo passou desde o dia que eu, Isaías Salu, te deixei para trás. Eu alarguei os meus passos para que obedientemente seguissem em frente, como era meu desejo. Mas afinal os meus pés continuam no mesmo sítio, no mesmo lugar, na mesma memória. Aqui parado eu tento perceber como mudar tudo isto.
Passaram-se dias de sol, dias de chuva, de frio e tórrido calor e eu me mantenho inerte encarando rostos desconhecidos que me afogam as mágoas como se fossem doses de bebida para esquecer. 
Faz tempo que o tempo passou, mas não imagines que eu me solidifiquei em solidões. Levanto a cabeça muitas vezes para ver se te vejo ao virar da esquina e poder dizer-te que lamento ter-te desapontado, ter-te pedido para me deixares ir embora. Mas mesmo que nada veja eu olho para o virar da esquina na companhia destes rostos desconhecidos que me acompanham na embriaguez do esquecimento.
Te imagino a chegar a dizer-me no teu tom desértico de mar salgado que eu te desculpasse, que este atraso não iria mais voltar a acontecer. Tu a me pedires desculpa de eu te ter pedido para me deixares ir embora e não voltar mais até aos dias de hoje que são agora. Só mesmo nesta cabeça embriagada de desejos, sonhos e memórias.
Eu estou atrasado uns 30 anos. Coisa pouca afinal comparada com a eternidade. Mas aqui estou eu, no mesmo sítio, no mesmo lugar e na mesma memória esperando seguir em frente como era o meu desejo.
Não sei se sabes a quantidade de bilhetes que rabisquei em papeis de rascunho como que a choramingar arrependimentos que até parece dia de chuva sobre a mesa onde estão arquivados tantos rascunhos.
Já não sei quantas vezes eu prometi que ia voltar atrás, percorrer o tempo passado e chegar ao ponto em que eu, altivo, perentório te afirmei que ia embora para crescer. Eu sei que prometi outras tantas coisas e não cumpri. Mas eu sei que sempre pensei que te digo que para os teus braços eu vou voltar.
Faz tempo que o tempo passou e eu já tenho saudades do teu perfume, do teu calor e da tua voz silvada de vento.
Faz tempo que tenho a estória escrita na imaginação, para te contar, ambos sentados no passeio, num fim de tarde como tantas tardes passamos juntos sentados no teu passeio.
Mas palavra de Isaías não fica por escrever e se te digo que um dia eu te vou pedir desculpa por ter-te pedido para me deixares ir embora, escreve, que eu vou, mesmo que o relógio de parede que dá horas de quarto em quarto pare. 
Faz tempo que a tua voz não me acerta, não me atinge ou me acaricia. Faz tempo que eu não descanso os meus olhos sobre ti. Faz tempo que passou o tempo e eu só estou atrasado uns 30 anos. Já sei que tens perguntas muitas para fazer. Não vou gaguejar nas respostas nem te responderei com sim ou não. Eu te conheço e eu vou precisar te convencer que os trinta anos foram os anos necessários para eu crescer e que os dias passados foram repetitivos dias que duraram todos estes anos.
Eu estou no mesmo sítio, no mesmo lugar e na mesma memória, novamente como sempre que rascunho um bilhete para te escrever, na mesa molhada das lágrimas que chorei sobre rostos desconhecidos que me embriagaram de esquecimento.


Sanzalando

2 comentários:

  1. "30 anos os anos necessários para eu crescer" - ADORÁVEL!!!!
    Creio que já li outros do Isaías, não???
    Estamos com um problema crónico de mobilidade!
    SJB

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  2. Claro que já li o Isaías!
    Sabes? eu nunca mais soube desenhar tão bem como quando tinha 5 anos!
    (reflecte, tu saberás porque, é a mesmissima razão))
    Quando se entra no raciocínio lógico-dedutivo/abstrato o mundo se despe de certas cores.
    SJB bué

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