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22 de julho de 2018

69 - História no sofá - Jeremias mudou de vida

Jeremias tomou uma iniciativa que sabia que um dia destes tinha de ser tomada.
Ele fora, até um tempo atrás, senhor de seu nariz, autor das suas decisões e empresário dos seus feitos e co-autor, juntamente com o azar dos seus defeitos, sendo que o seu lema era se amar em primeiro lugar. Tudo o resto vinha depois.
Começado faz anos, pouco a pouco, assim a modo que invisível e silenciosamente, se ia afundando e sem qualquer motivo aparente já não conseguia ouvir ninguém, já não conseguia ver quem quer que fosse e as conversas lhe passavam ao lado mesmo quando parecia tomar toda a atenção deste e outro mundo. No seu rosto se tinha esculpido lentamente uma cara de tristeza e mesmo quando tudo parecia que brilhava, Jeremias se apagava. Virara, como por antes mágicas, num egoísta triste e isolado.
Hoje Jeremias chorou. Era Sábado e estava sozinho, sentia-se tão vazio que a morte era o caminho certo. Mas se era assim a cabeça, o corpo estava eléctrico, lhe puxava para a farra, a kizomba lhe entrava nas veias mas parava no pescoço. O corpo parecia que ia enquanto a cabeça teimava em ficar. As conversas eram vozes distantes que mal ouvia e nada respondia. O corpo dançava dentro de si. Jeremias sentia o vazio no cheio que ele era. O peso da pressão da vida na sua fraca vulnerabilidade faziam com que pensasse que não sabia o que fazer da vida.
Jeremias gritou, seu rosto de tristeza esculpido acordou o mundo que o rodeava e fez rir. Eu sou um pássaro, disse. Se me deixarem livre voo e não volto, se me engaiolarem eu entristeço e morro, se me mimarem eu me adapto e me apego. Eu não tenho escolha porque a escolha é vossa.
Jeremias sorrindo, abriu a porta e saiu a cantar: 
«criamos espaços vazios, 
não damos conta d'os preencher, 
tiramos água dos rios
com medo de à sede morrer.

criamos monstros de fantasia
apenas para nos entreter, 
esquecemos que um dia
é o dia de morrer.

criamos ódio e amor,
alimentando-os para crescer,
como se fossem uma flor
apenas para secar a ver

Criamos ideias e fantasias,
muitas formas de viver
para esconder os dias
que nos apetecia morrer

...»

Verdade se diga que nunca mais ninguém viu Jeremias sem sorrir, olhos brilhantes e mãos carinhosas e sempre prontas a se darem. Jeremias me disse que o barulho da chuva é a melodia mais perfeita para sonhar. Este Jeremias era um Jeremias de corpo inteiro

Sanzalando

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