recomeça o futuro sem esquecer o passado

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20 de dezembro de 2024

o velhinho Anglia

Caminho lento, passeio fora. Não vim fazer uma caminhada desportiva. Vim só andar. Passear. Se fosse há muitos anos atrás, ia na avenida e sob o caramanchão de buganvílias, passeava neste fim de tarde. Ou então ia para o picadeiro da minha cidade natal e aí os carros já sabiam que aquela rua a esta hora é para passear a pé e até tinham muito cuidado. Mas neste tempo de agora, nesta altura que eu passeio sob frio e ar de quem vai chover, tenho de ir no passeio pois os carros agora andam muito e os condutores não cuidam de ver por onde andam. Simplesmente andam com pressa de chegar mesmo que esse chegar seja a lugar nenhum em especial. Acho ninguém vê quando têm um volante na mão. Aqui no passeio eu sei vou seguro. 
Olho para os carros que passam. O carro da minha infância não vai passar. Certo e sabido por mim assinado e selado. Mas num repente parei, olhei em frente e pareceu-me ver um Anglia. Tal e qual. era da minha idade de ver carros e brincar com as matrículas. Deixei o olhar cair sob esse carro e segui-o. Não era um Anglia. Era um Toyata novinho que me fez a memória voltar para o velhinho Anglia da minha idade. A sua frente só pode ser cópia ou a minha imaginação queimou qualquer coisa.



Sanzalando

19 de dezembro de 2024

Tem gente

Tem gente que se ocupa em ser feliz para esconder a tristeza, tem gente que se acostumou em abraçar mentiras para não gastar as verdades.
Tem gente para tudo e tem gente para nada.
Tem gente que ri com gosto e tem gente que ri para esconder o desgosto.
Tem gente que só é gente porque a gente assim lhes chama
Tem gente que sente e ama e tem gente que se acama em silêncios interiores que quase parece morreram vivas.
Tem gente que é gente de verdade. Letra grande ou grande letra de ser gente
Tem gente.

Sanzalando

18 de dezembro de 2024

16 de dezembro de 2024

Ao meu pai que faria 99

Escrevo na memória com letra invisível para nunca mais esquecer a data em que os meus lábios te disseram adeus. Na verdade eu já nem sei quando foi isso. Se calhar ias para o trabalho, se calhar ias ao café ou ao cinema. Se calhar nunca te disse. 
Das coisas que eu sei, é que nasceste a 17 de Dezembro de 1925 e eras meu pai. Na memória a letra invisível tornou-se esquecimento e eu do que me lembro são assim relâmpagos de quatro anos. Recordo a tua NSU porque não tinhas carro e eu nem sei porquê. Lembro-me do teu clube de futebol, o que te tirava do sério. Não é o meu mas isso desimporta. Queria era lembrar-me do toque dos teus dedos, do teu respirar ao me dares beijos de mimo, da tua força a dares-me colo. Mas a tinta invisível se apagou no tempo da memória que não sei se tive. Perco-me em pensamentos de imaginação, nas brincadeiras que me deves ter ensinado a brincar, nas batidas descompensadas da tua musicalidade que, segundo a mãe, era nula, nas canções de embalar que não sei se as tive.
Pois é, meu pai, amanhã seriam 99 e para me recordar só tenho memória de que não me lembro. Assim,  meu pai, seguindo as vozes que me contaram vou permitir-me brincar como dizem tu brincavas, vou divertir-me como me falam que te divertias. A gravata levo-a no bolso, segundo me dizem, tu nunca leste nenhum decreto onde dizia que ela era para ser usada ao pescoço.

n 17-12-1925  
f 18-06.1961

Sanzalando

12 de dezembro de 2024

O pelourinho que era fonte e a foca que era lobo marinho

Na minha terra havia um pelourinho que transformaram em fonte luminosa. Acho foi ideia de algum iluminado, mas como não sou de intrigas nem vou entrar por aí. Mas eu já conheci aquilo, ou pelo menos só me lembro daquilo em fonte de água com uma foca que por acaso era um lobo marinho. Era lindo. 
Eu de calções, sandálias a ver a foca que era lobo marinho a brincar a vida dela naquele pedaço de água. Desconheço o autor de brilhante proeza. Eu divertia-me. A cidade divertia-se. 
Não. não é lenda nem anda perto disso. É um dos momentos que guardo na lembrança, não vá eu um dia perder a memória.
Quem pôs lá o pelourinho não sei se algum dia soube. Quem deu foral muito menos sei. Só me lembro mesmo que aquela fonte de água alegrou-me a vida com uma foca que era um lobo marinho.


Sanzalando

11 de dezembro de 2024

Manuel Teixeira Gomes Gente Singular


Sanzalando

Tesourinhos musicais 23 Os Joviais - K'arranca às Quartas


Sanzalando

Crónica 36 - K'arranca às Quartas


Sanzalando

Programa K'arranca às Quartas 47

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 11 de Dezembro de 2024.  tal e qual como se fez em directo, no dia em que a Cidade de Portimão fez 100 anos
Tivemos a Crónica sobre a cidade, falámos de Manuel Teixeira Gomes e do seu livro Gente Singular e tivemos também os tesourinhos musicais que foram Os Joviais 

  Não perca e ouça a boa música que tenho para lhe dar Sanzalando

2 de dezembro de 2024

ouvir rádio

Sigo o som que me chega nem sei de onde.. Deixo-me levar ao sabor do ouvido. 
Um rádio toca para lá de uma janela. Não vejo a sintonia porque a vista já não é o que era. Ouço a música que desconheço. Agradeço a oferta de me darem música enquanto caminho e deixo-me  ficar ali parado a escutar. É um canção francesa em voz feminina. Desconheço-a por completo. Mas estou a gostar do que ouço. Há ali um amor encantado. Há ali uma melodia que me encanta. A música termina termina e logo outra a segue. Também é francesa. Esta é bem mais antiga e reconheço a voz de Jacques Brel. Permaneço parado no passeio em frente de uma janela aberta que me deixa ouvir o som de um rádio que toca música francesa. Olho, curioso para lá da janela. É um rádio de sala. Elegante e bem antigo, a ver pela madeira com que é feito. 
Curioso. Ainda há quem ouça rádio. Ainda há rádios antigos que funcionam em casas. Pensava que rádio era agora um artigo única e exclusivamente de automóvel, companhia para filas de trânsito. 
Deve morar aqui um velho saudosista dos tempos antigos e que deve dizer que naquele tempo é que era bom.. pensei eu a fazer um filme já com legendas e dobrado na imaginação. 
Um jovem aparece, olha-me e pergunta-me se a música me estava a incomodar. Fui pronto na negação e rápido em parabenizá-lo pela audição. 
- Mantenha-se ai que ele vai tocar a tarde toda. É a minha companhia diária. disse-me enquanto deixava a sala onde o rádio permanecia.
Ouvi mais duas outras músicas. Recentes e portuguesa. Envergonhado de estar ali a aproveitar-me da música dos outros resolvi seguir o meu caminho e a música foi diminuindo até deixar de a ouvir. Olhei para trás como que a decorar a janela para um ouro dia por ali passar outra vez ou se calhar apenas com pena de a ter deixado.
Pelo sim pelo não, fui a uma grande superfície e comprei um transistor. Agora já posso ouvir rádio onde e quando me apetecer.


Sanzalando

1 de dezembro de 2024

se calhar

Eu se calhar queria escrever uma estória de memórias. Eu queria me descrever, assim mais ao menos desde que nasci até no aqui deste instante. 
Mas tem tantas coisas que eu já esqueci que vou só ficar numa estória de lembranças. Essas que a minha cabeça se lembra, essas que deram lugar ao presente e quem sabe eu vou usar no futuro. Uns aí vão só pensar eu eu sou assim que só tem coisas boas, que nunca esfolou joelhos, nunca morreu de amores, nunca sofreu dor de alma. É que tem coisas que eu já nem me lembro como é que vou escrever de memória? Se escrever linearmente vão ver que a minha caminhada foi cheia de curvas, cheia de coisas que são agora surpreendentes mas que na altura eu achei era só mesmo normalidade. 
Eu tive dificuldade em deixar a adolescência. Eu queria continuar a ser inocente, assim como que um anjo sem asas e muito bem comportado. Eu não tinha um bando, eu tinha um quarteto de amigos que armávamos a barraca e riamos que nem perdidamente. Brincávamos na rua até noite dentro. Hoje me olho e são essas as únicas lembranças que tenho. 


Sanzalando

30 de novembro de 2024

se não tivesse sido assim?

Te recordo na minha imaginação, te revejo na dimensão em que te deixei de ver. 
Olho para trás e fico a imaginar o calor de fogo que faríamos se tivéssemos continuado com a chama acesa que um dia, de um só sopro, apagaste.
O que restou desse tempo são palavras que vou recortando à minha memória, textos nunca escritos nem lágrimas nuca choradas.
Não tivemos a nossa oportunidade, não deste tempo ao tempo para mostrar que poderias ser feliz segurando-me na mão e guiar o meu instinto pelas estradas agrestes da vida. O que nos poderia ter acontecido se tivéssemos permanecido mais uns tempos de mãos dadas? Talvez eu não estivesse à procura de palavras, talvez eu não roubasse à memória sonhos sonhados numa varanda virada para ti.
Perdemos a morada, ganhamos duas, distantes no tempo e no espaço.
Eu escrevo. E tu, que fazes?


Sanzalando

28 de novembro de 2024

metáfora de espera

A espera pode ser metaforicamente comparada a muitas coisas que evocam a sensação de paciência, incerteza e desejo.

1. Uma semente no inverno

A espera é como uma semente enterrada na terra fria, invisível, mas cheia de potencial. Ainda que o momento pareça estático, silencioso ou até vazio, a vida prepara-se para nascer quando a primavera chegar.


2. Um relógio sem ponteiros

A espera é como um relógio sem ponteiros, onde o tempo parece congelado, mas não para de existir. 


3. Uma vela ao vento

A espera é como uma chama que luta contra o vento — frágil, mas persistente, mantendo a esperança viva mesmo diante da incerteza de se manter acesa


4. O horizonte no fim do mar

A espera é como olhar para o horizonte enquanto navega; mesmo sabendo que ele está longe, seguimos em frente com a promessa de existir algo oara lá da linha visível.


5. Uma chávena de chá frio

A espera pode ser comparada ao momento em que você precisa deixar o chá arrefecer antes de beber, ter a paciência para apreciar o seu gosto, sem pressa ou ansiedade.


Essas metáforas transmitem a ideia de que, na espera, há uma mistura de frustração e esperança, mas também um espaço para aprendizado e amadurecimento.

25 de novembro de 2024

Meus retalhos 33

Quantas vezes o meu mundo desabou que nem tremor de terra seguido de marmoto? Cada cirurgia mal sucedida, cada tratamento sem resultado, cada vida perdida e eu morria um pedaço. 
- Mas vocês estão preparados para isso! tantas vezes ouvi esta barbaridade. Como é possível alguém estar preparado para o desaire?
Não. Gastei o meu jogo de cintura, desconseguia aguentar o peso de tanto desleixo e de tanta falta de responsabilidade. Não gostei de ver o que tanto me havia custado conseguir ir ladeira abaixo como carrinho de rolamentos, inércia apenas. Tudo à minha volta muda. Eu não mudo. Aceito tudo o que sempre aceitei. À minha volta tudo estava diferente e eu não conseguia ver desabar o monumento e permanecer de braços cruzados. Protestei. Contestei. Perdi e saí. Fechei todas as portas, perdi o fio condutor, segui outros rumos e não me peçam para levantar de novo a bandeira que carreguei tantos anos e que deixaram estragar.


Sanzalando

23 de novembro de 2024

Meus retalhos 32

São cinco da tarde. Hora de um café e se calhar de um bolo. Vou ao bar, sereno e calmo porque a tarde assim estava e eu assim me sentia, apesar de ter uns dias a me sentir cansado. Mas eu estava bem. No trajecto para o bar acendi o meu cigarro. Na altura ainda fumava que nem uma fábrica em produção contínua. A minha colega de urgência chama-me e diz que temos que ir operar. 
- Ok. Vamos. que remédio se era essa a minha missão.
E lá fomos os dois fazer uma cirurgia que se prolongou até quase às 20. Nem café nem bolo. No fim da cirurgia, ainda não tínhamos acabado, sinto um forte dor nas costas, região da omoplata esquerda. Sem dizer nada aguentei até que terminámos a cirurgia. Não me recordo se era eu a operar ou era ela. Era indiferente. Mal conseguia respirar e disse-lhe:
- Enquanto escreves os papeis eu vou à radiologia.
Não sei se me respondeu ou não porque mal falei segui. Na minha cabeça as contas de somar e subtrair diagnósticos em causa própria foram sendo anulados ao ponto de ter só um quando cheguei lá.
Pedi e o técnico prontamente acedeu e lá fomos para o não respire e já pode respirar. 
A imagem chegou ao monitor de grande resolução. Mal a olhei e a pouca esperança que tinha desapareceu que nem éter. Não se esfumou porque éter não deita fumo. Sentei-me na cadeira mais próxima. Olhei mil vezes para o nome a confirmar que era o meu.
Por trás de nós, de mim e do técnico, passa o radiologista, mãos atrás das costas, não imaginando que aquele Rx era meu pois é meu hábito ir in loco ver imagens, não só pela maior nitidez mas porque o diálogo com quem faz imagens trás luz e pode haver necessidade de fazer numa outra posição. Ele não para, porém a olhar para o monitor dispara:
- ...esse gajo está f***
Se eu já não estava a pensar fiquei assim como que petrificado a dizer-me que era impossível, nem sei bem o quê. O sangue estava congelado. O pensamento estava paralisado, a reacção tinha desaparecido.
O técnico levantou-se, penso que foi ter com o radiologista pois este num instante regressa e olha com olhos de ver, aumenta e diminui a imagem e diz-me
- esse gajo pode estar com sorte. Parece que é uma tuberculose. Silva, faz-lhe um TAC. dito isto voltou a desaparecer
Eu, o dito cujo gajo, continuava a olhar para o monitor com esperança que a imagem mudasse. Na verdade não sei bem porque continuava a olhar. Pensamentos é que não tinha.
Levaram-me para o TAC, fiz o dito, mas continuava a não ter reacção nem pensamento.
A imagem veio para o monitor. Todos andavam para trás e para a frente com a sequencia de imagens. Eu olhava e via a mesma imagem. Se sentia dor essa naqueles instantes era imperceptível ou desaparecera pelo cérebro vazio. 
Alguém chamou um pneumologista que eu nem sabia que estava por lá. Se é que estava. Todo o mundo olhava para o monitor e falavam. Eu atrás, sem conseguir ver mais nada ouvia mas não interpretava. Petrificado, atendi o telefone da minha colega a perguntar onde eu estava. Localizei-me. Ela veio ter connosco. Calou-se, falou com todos os que olhavam serenamente para aquelas imagens coo se fosse um filme lindo de se ver, e disse-me:
- vai para casa e amanhã de manhã vens cá para fazer uma broncoscopia. 
- como? toda a minha capacidade de raciocínio e compreensão estavam naquelas imagens que não me saiam da cabeça.
...
era mesmo tuberculose 'apenas'

Sanzalando

20 de novembro de 2024

Tesourinhos musicais 20 Os Ekos


Sanzalando

Crónica 33


Sanzalando

Circulando aos Quadrados por Anabela Quelhas

Sanzalando

Programa K'arranca às Quartas 44

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 20 de Novembro de 2024.  tal e qual como se fosse em directo
Hoje tivemos os Karetus como convidados que nos falaram do seu Álbum Modas e em especial da sua versão de Laurinda, o single mais badalado para já, ouvimos música, a crónica ou coluna ou lá o que é que aquilo sobre educação, os tesourinhos Musicais que foram os Kiezos, já que há dois dias Angola fez 49 anos como País, de As Intermitências da Morte de Saramago. 

  Sanzalando Sanzalando

Texto de Eduardo Ribeiro na Apresentação do Livro 3

Palavras soltas

Nada me dá mais prazer do que estar hoje aqui, a apresentar mais um livro de um conterrâneo meu, de um excelente profissional émulo de Hipócrates, Galeno e al-Razi (Rhazes), de um amigo, que após quase trinta anos de se ter fixado nesta terra que fez sua, bem à imagem da sua Moçâmedes, se apresenta aos seus leitores com um terceiro volume a tecer loas a uma outra cidade, entre o mar e o deserto, onde, com uns dois anitos, se veio a fixar e a fazer sua, aí crescendo e a sonhar com a vida.

De facto, este é o último de uma trilogia iniciada em 2016 com estórias soltas e palavras vadias, muitos delírios ao sabor das ondas do zulmarinho da terra quadriculada onde o autor cresceu, circulando sempre, na sua imaginação, pela cidade quadriculadamente desenhada.

Palavras. Só palavras. Os livros que compõem a trilogia são palavras vagabundas a que se agarra, na descoberta de memórias, saudades, recordações, lágrimas, tristezas e tantas alegrias. Tudo isso numa cidade imaginária que já não existe, já só existe, mesmo, no seu imaginário. E a imaginação do autor é fértil, caminhando por pensamentos e palavras soltas, muitas vezes sem destino ou simplesmente libertando-se das amarras que o tempo amarrou, com palavras que parecem querer sufocá-lo, estranguladas que ficam na garganta ou na ponta de um lápis mal afiado.

Imaginando-se sentado na escadaria do tribunal com a extensa avenida da Praia do Bonfim a seus pés, de areia vermelha que não levanta pó, a recordar as fontes e as gazelas de bronze e, lá em baixo, as buganvílias a fazerem um túnel de sombra onde aos domingos os mais velhos passeiam ao fim da tarde, o quiosque do Faustino, a fonte da foca, lá bem no fundo o campo de futebol, o autor não faz senão usar as palavras escritas nas folhas soltas da recordação.

 

Quantas vezes não percorremos nós essa avenida de alto a baixo ou de baixo para cima ou simplesmente a atravessámos para ir para a Praia das Miragens?

 

JCC revela bem como traz tatuada na alma essa avenida feita jardim com o caramanchão de buganvílias que o deixaram repousar nas tardes de muito calor a meditar sonhos que mais tarde lhe vieram a fazer falta. Tudo nas palavras do autor.

 

Outras vezes imagina-se na marginal, num dos arcos da praia das miragens ou sob as casuarinas ao lado do Clube Náutico, a olhar para a baía, a apreciar o zulmarinho, a cheirar a maresia, a sentir o sabor salgado da beira-mar, ou na falésia, de costas voltadas para a igreja onde foi batizado (como muitos de nós foram), tendo o mar como música de fundo ao ritmo das palavras.

 

Palavras, palavras, sempre por ali a degustar palavras como quem saboreia o vento num dia de calor.

 

Com elas percorre desertos, desenha silêncios e rabisca coisas de pensar. Vai por ali pregando, com elas, aos quatros cantos dum quadrado, as sabedorias que acumulou, as crenças em que acreditou e as fés que o alimentaram.

 

Gosta mesmo de se sentar tranquilo a pensar que a quadriculada cidade é grande, a perder de vista, de como é tão bom deixar a imaginação voar para lá das páginas dos livros e das sebentas.

 

Sente-se como um velho que coleciona palavras em vez de objetos brilhantes. As histórias são os seus tesouros mais preciosos, embora, como diz, a sua preciosidade esteja em não ter grande história, mas não deixa de as passar para o papel na sua tentativa de ser eterno.

Desde menino, aliás, que se enamorou das palavras. Apeteceu-lhe um dia, teria para aí uns dez anos, ir ter com o Zé Côco à Tipografia Namibe, que também havia sido do pai, e assim, sem mais nem menos, disse-lhe que estava a pensar escrever um livro de estórias, que fazia tempo guardava na memória. De cigarro na boca, Zé Coco pergunta-lhe se é poesia e põe termo à conversa dizendo que ali se faziam só livros de faturas e de remessa.

Mas o nosso embrião de escritor não se conforma. Resolve ir falar com o filho Beto, na esperança de que este o entendesse. Mal o vê, Beto dispara:

- Diz lá Chuinga, que é que queres?

 

Chuinga bem lhe explica tudo direitinho:

 

- Quero fazer um livro de muitas letras para os adultos lerem depois do pôr-do-sol na varanda, como faz o meu avô.

 

A resposta foi demolidora:

 

- Não Chuinga. Primeiro tens de crescer e aprender a escrever, fazer os trabalhos de casa, ler muito e depois inventar para escrever.

 

O nosso Chuinga, hoje o escritor aqui presente, achava que já estava tudo inventado e que era só escrever e lançar em livro, por isso não gostou do que ouviu, e mais desapontado ficou quando ouviu o resto:

 

-Te digo, Chuinga, vai prá escola e fica com muita atenção. Vais ver que o que escreveste não é literatura para sair em livro.

 

Ele foi-se embora e, segundo ele, ainda por cá anda a ver se aprende.

 

O pai, que o Autor perdeu com 4 anos, havia sido o fundador da tipografia e do jornal ‘O Namibe’ e era correspondente do jornal ‘O Lobito’, por isso ele achava que, não tendo o pai tido tempo de lhe ensinar as palavras para ele as usar, por via de morte prematura tinha o Autor 4 anos, havia-lhe, porém, passado nos genes a habilidade de as usar, «para descrever a sua enorme vontade de ser feliz, as coisas boas que dão certo e os sonhos de alegria feitos», como ele tão assertivamente assegura no livro segundo da trilogia do zulmarinho.  

 

Quem sabe? Se calhar herdou mesmo os genes do pai, porque, como diz no prefácio outro moçamedense, o Tomás Lima Coelho,

 

«a obra, toda ela, é um mar de nostalgia doce, de alguém que ama a vida e a aceita como ela é, como ela vem, sem ansiedades, raivas ou rancores, porque entre o nascimento e a morte há toda uma vida para se viver».

 

Nesse mar de nostalgia doce, continua o Tomás no prefácio, «o zulmarinho de que fala, um neologismo que o autor criou, é um ponto de união, um mar chão, de ondas mansas, de afetos, um enorme hífen que faz com que Angola e Portugal sejam uma só palavra, um só sentimento, uma saudade serena».

 

Não queria terminar sem mencionar mais dois aspetos interessantes. Um deles é a sua passagem pelo rádio Clube de Moçâmedes. Queria ser aprendiz de técnico de som do RCM. O Ivo, o diretor, olhou-o de alto a baixo e perguntou: é só um dia? Não, disse ele. Eu quero viver esta vida.

 

Não foi a vida, mas lá ficou uns anitos na sonoplastia do RCM, com a paciência do Sousa Santos e do Mendes, que lhe ensinaram a mexer nos botões e nas bobinas. Outra paixão do Autor, alicerce da sua presença nos dias de hoje, desde há uns meses, aos microfones da Rádio Portimão. Um ciclo que se encerra, que vem confirmar, mais uma vez, como a sua existência tem passado, passado esse que é a sua memória transfigurada em presente.

 

Desde criança que se foi moldando a uma imagem de liberdade. Cito-o:

 

«Dei comigo a dizer-me que o que não largo tenho de carregar, o que carrego pesa, e o que pesa lixa-me. Ora, assim vestido, assim alegre, fui largando consciências. Umas mais pesadas que outras. E olhando-me no reflexo das montras, fui vendo a imagem do ser livre que me fui tornando».

 

Pode ser livre, sim, mas está nostalgicamente amarrado à cidade quadriculada, como vimos. Mas há uma outra amarra, mais asfixiante, que vem até aos dias de hoje. Tropeçamos a cada passo com as memórias de uma paixão antiga, com a nostalgia de uma paixão adolescente não declarada, não concretizada, por alguém que conheceu, e amou, na terra do zulmarinho. Amou e morreu de amores por ela, vendo nela a luz que o fazia morrer de amor e ressuscitar de paixão. Sim, porque ele não concebe a vida sem essa de morrer de amor e por ela teve desencadeados no peito inúmeros incêndios.

 

Ele mesmo se interroga se, em vez de amor, isto não será doença. Chega a ter esperança que, como dizem, o tempo cura tudo, mas não é assim, reconhece ele próprio. Ele bem queria ser curado de morte de amor, mas nada. A certa altura clama pela ajuda de alguém que o salve da melancolia, das velhas canções e da nostalgia.

 

Percebe-se na obra - aliás, em toda a trilogia - esta angústia de um amor não consumado, não partilhado, nunca mais encontrado, perdido no tempo, mas não na memória, nem no coração, nem na alma. A nostalgia de alguém de quem se tornou amante sem o objeto desse amor se dar conta. De facto, a nostalgia por alguém que nunca teve, a não ser na imaginação, e agora na memória.

 

Eu diria, até, que sem esta miragem de adolescência, num sonho que não cumpriu, a Trilogia do Zulmarinho não existiria. Sentado na escadaria do tribunal, na falésia ou na marginal, ele viajou ao seu passado e recantou todas as músicas, todas as canções que ouviram juntos, ele mais ela, nos bancos do jardim, na varanda de casa, no sofá da sala, ou nos passeios de carro de fim da tarde, querendo voltar sempre àquele momento em que não se despediram, o que foi mau, mas, pior, nunca mais se cruzaram.

 

O que é que aconteceu realmente? O autor medita nas palavras que não terá dito ou devia ter ouvido, no gesto que fez ou no silêncio que guardou, enfim, no branco neutro de uma qualquer desculpa, no cinzento-claro da ignorância. Mas continua sem resposta. Não sabe o que aconteceu. Mas continua a sonhar que um dia a vai encontrar para ser capaz de lhe dizer adeus. Há dor de quem parte e de quem fica. Dessa vez ficou ele.

 

«Partiste e não tiveste tempo de dizer adeus», resume, melancólico.

 

Melancolia que perpassa por toda a trilogia. Sem a necessidade desta catarse, esta viagem imaginada à terra do zulmarinho não teria provavelmente acontecido.

 

Enfim, pode ser que esteja enganado, mas a verdade é que, tendo o próprio autor confessado que uma das coisas de que gosta é ver os outros a descobrirem coisas que ele nunca disse, estou tranquilo e sinto-me desculpado! De qualquer forma, os leitores de JCCarranca agradecem esta viagem imaginária a uma terra inesquecível, só quem lá viveu pode entender, e tudo graças, provavelmente, à saudade de um amor eterno.

 

Termino auspiciando que, a estas palavras vadias da trilogia do zulmarinho, se seguirão outras, porventura mais diretamente relacionadas com a atividade profissional desenvolvida no campo da medicina, como as curtas histórias a que chamas retalhos soltos no Algarve, com que acabas, caríssimo amigo, este terceiro volume que são, no fundo, prenúncio de uma vontade de continuar sanzalando.

 

Ficamos todos à espera.

 

Muitos parabéns e muitas felicidades.

Eduardo Ribeiro




Sanzalando

19 de novembro de 2024

eu tal e qual

Deito-me na areia da praia, olho o mar, vejo a lua reflectida como que a querer ser fotografada, deixo-me levar por fantasias, por sonhos, desejos e outros quereres que não me largam faz tanto tempo que eu já não sei se são sonhos ou calcificações mentais.
Deixo o corpo relaxado sobre a areia neste outono quase de verão, mas real na vida, e navego por idades que desperdicei, que gastei, que usei e poucas em que abusei. Gosto-me de ver. Saboreio-me de sentir. Desejo-me de viver.

Sanzalando

13 de novembro de 2024

As Intermitências da Morte José Saramago


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Tesourinhos Musicais 20 - Os Kiezos


Sanzalando

Crónica 32


Sanzalando

Entrevista com os Karetus no Programa K'arranca às Quartas


Sanzalando

K'arranca às Quartas 43

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 13 de Novembro de 2024.  tal e qual como se fosse em directo
Hoje tivemos os Karetus como convidados que nos falaram do seu Álbum Modas e em especial da sua versão de Laurinda, o single mais badalado para já, ouvimos música, a crónica ou coluna ou lá o que é que aquilo sobre educação, os tesourinhos Musicais que foram os Kiezos, já que há dois dias Angola fez 49 anos como País, de As Intermitências da Morte de Saramago. 

  Sanzalando Sanzalando

9 de Novembro de 2024




Sanzalando

6 de novembro de 2024

Tesourinos Musicais 19 Mário Simões Quarteto


Sanzalando

Crónica 31


Sanzalando

Programa 42 K'arranca às Quartas

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 06 de Novembro de 2024. 

tal e qual como se fosse em directo
Hoje falamos de bom e mau, ouvimos música, a crónica ou coluna ou lá o que é que aquilo sobre Novembro e o outono, os tesourinhos Musicais que foram o Conjunto Mário Sérgio, de Herculano, o introduttor do romance histórico em Portugal, do liberal e intelectual que morreu em Santarém . 

  Sanzalando Sanzalando

Os inesquecíveis

A vida continuará seu dia a dia, enquanto eu continuarei a tentar esquecer alguém inesquecível. Temos todos um certo nó na memória quando queremos esquecer algo que é inesquecível. Por isso a inesquecibilidade do dito.
Tenho nós. Apertados alguns, outros mais laços, porem continuam a fazer parte do mesmo conjunto, Os inesquecíveis. Eu bem que não queria lembrar-me certos alguéns. Coisa pouca. é certo. Mas o facto é que volta e meia lá me vem à cabeça, assim como que a rodopiar em bobine cinematográfica os inesquecíveis que quero esquecer. 
Vou fazer mais como? Volto a pôr na prateleira para mais tarde me esquecer, sabendo antemão que mais cedo ou mais tarde eles tomam-me conta dos minutos. Infalivelmente. Fecho os olhos e vejo-os. Tapo os ouvidos e ouço-os. Olho para lado nenhum e lá estão eles aprumados prontos a recordar que fizeram parte de algum momento da minha vida. 
São poucos. Mas o facto é que são. Os inesquecíveis de mim para mais tarde recordar. É certo e sabido


Sanzalando

4 de novembro de 2024

9 de Novembro

e no próximo sábado vou fazer mais como? vou dizer ou vou só olhar? Eu gosto das pessoas, não por elas mas sim pelo que elas me fazem sentir. Não é um olhar e está gostado. É mesmo por nós que lhe vemos com alma e coração. Tem razão que a razão não explica. Sente-se. Vou ficar calado e a lhes olhar, mais ou menos como que assim perdido no espaço do tempo.

Sanzalando

3 de novembro de 2024

cada dia

Cada dia que vai passando eu cresço. Não só na idade. E se choro, não é de saudade nem de dor. É por emoção, pois eu não sou um robot, uma máquina repetitiva de sorrimos e ideias geniais. Com a idade vamos aprendendo a ver as coisas como são e não como somos. Em criança acreditamos na imortalidade, desconhecemos a doença, ignoramos o limite. Com o tempo tudo isso vai chegando, tudo isso vai crescendo em nós. 
Como diz Luís Fernando Veríssimo, é melhor vivar cada dia como se fosse o último porque um dia nós acertamos.


Sanzalando

31 de outubro de 2024

Tesourinho musicais 18 - Conjunto Académico João Paulo


Sanzalando

Programa 41 - K'arranca às Quartas

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 30 de Outubro de 2024. 

tal e qual como se fosse em directo
Hoje falamos de sonhos, ouvimos música, a crónica ou coluna ou lá o que é que aquilo é, os tesourinhos Musicais que foram, Conjunto académico João Paulo, dos Maias e do Eça de Queiroz . 

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recapitulando

Matiné do Eurico. Talvez seja Marisol ou Joselito. Quem sabe eu tenha sorte e dê o do Cantiflas. Pode ser mesmo só qualquer coisa que tenha legendas e eu perceba. Não quero filmes com sangue e mortes. Morte só se for por amor. Acho que vou comprar bilhete para o balcão. Lá em baixo tem muita confusão e eu gosto de ver o filme no mais selecto sossego. Já sei que o filme é da Rita Pavoni e ela vai para o convento. Já sei eu vou chorar que nem ela. Ou será o Gianni Morandi a ir para a tropa e deixar a sua amada em terra. Non sou Digno de ti, mas em italiano que eu sou sei dizer e não sei como se escreve. Mas de qual destes todos eu gosto mais? Se eu não tivesse medo ia dizer que venha o diabo e escolha. 
Como é bom vir à matiné do Eurico no Domingo à tarde. Até parece a música do Nelson Ned. Te lembras como o guarda costa lhe tirou do palco, até parecia ele era criança? Que voz que ele tinha. 
Como é giro este cinema de balcão e plateia. Imagina os gajos lá em baixo levarem com papeis desde cá de cima. Mal comportados. 
Mas ainda não é domingo.

E tudo isto vem a propósito que no Domingo fui ao Cinema ver Os Papeis do Inglês e lá só estava gente que ia ao cinema do Eurico



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30 de outubro de 2024

Microfone Livre 05 Graig Rogers - K'arranca às Quartas


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Crónica 30 - Kárranca às Quartas


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Os Maias - Eça de Queiroz no K'arranca às Quartas


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tempos

A gravidade me curva como que apelando para que eu desça à terra e me horizontalize num eterno descanso. Contrariando a força do tempo, resisto e insisto que a vida é mais longa que a que tenho pelo que sobre a coluna vertical me seguro. O tempo parece que desaparece num exótico tempo de rapidez mal gasto, numa estrutura construída pelo próprio tempo, brilhando na juventude e empalidecendo em cada tempo usado que até parece descorado em pastel exoticamente mal definido.
O tempo, eterno enquanto dura e volátil quando deixado por sua conta e risco.


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29 de outubro de 2024

divago-me

São assim tantas de uma manhã de outono. Desde que me mudei para este aqui eu sinto as quatro estações do ano e alguns apeadeiros. Tem dias que estão as quatro ali nessas horas. 
Se achas que eu vou chorar o tempo das duas estações te enganas, porque a minha mãe mãe trabalhava na dos Caminhos de Ferro e passava a pé, todos os dias, na dos Correios e eu agora não vou mudar o mundo só por causa dessas estações. Tinha calor e tinha cacimbo e de vez em quando chovia. Frio era bué. Vendo bem as coisas os frio de lá é o calor daqui ao fim de tarde. 
Eu seu que me vulnerabilizei. Coisas que o tempo faz. No outono caem as folhas e eu caio de sorriso fechado no cinzento dia que tenho pela frente. Vou fazer mais como para não mostrar a minha dor? É, não lhe desvio o olhar e sigo em frente faz de conta é sempre verão, e verão que as coisas alegres acontecerão. Se assim não for hoje vai ser amanhã, ou depois.
Deixa só seguir as estações. Do ano ou do comboio, tanto faz desde que eu ganhe tempo para ter tempo sem fazer nenhum.


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28 de outubro de 2024

escrevo-me em dia de aniversário

Hoje é o meu aniversário e parece-me esquisito estar aqui a falar para mim mesmo, desenhar palavras para mim. Há quanto tempo eu não me escrevo ou eu não leio o que escrevi faz tempo? Na verdade, eu nem sei se gosto de me escrever e muito menos de me ler.
É estranho. Uma forma de ser feliz mas ao mesmo tempo uma forma crítica de me ver. Distorço-me, desfaço-me, desprego-me e nem parece fui eu quem me escreveu.
Será que quando eu me escrevo eu estou a pensar em mim ou sou simplesmente eu a pensar e eu não me conheço como leitor? Será que escolho as palavras que gosto de escrever e não as que eu gosto de ler? Ou simplesmente escrevo sem ter em conta que sou eu quem vai me ler? Será que me dou folga quando me escrevo e faço-me outro?
Tive muito tempo para me pensar nesse passado que vai longo e não tive tempo para me concluir. Acho mesmo que embora o tempo passe eu desconsigo saber quem me escreve, quem sou e quem serei. Sei apenas quem fui.
Desejo só que eu esteja bem, feliz e que segure as minhas recordações como forma de ser, como forma de estar e como serei.
Feliz aniversário para mim.


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26 de outubro de 2024

abraço congelado

Fica fechado na minha cabeça, no armário da memória, na prateleira dos arrependidos aquele último abraço que não te dei. Não sabia que me estavas a dizer adeus. Não imaginava que estavas a mandar-me embora de coração destroçado mas ar altivo para um sempre que vai quase na metade de um século. Pensei era mais uma das tuas caras de até amanhã que hoje estou zangada. Estranhei-me que um dia, outro e outro se passaram marcados por silêncio.
Tentei falar-te mas o silêncio e a ausência eram sólidas evidências.
Fiquei comum aperto do peito, uma dor nos braços e umas lágrimas nos olhos.
O tempo foi passando. O silêncio manteve-se. A dor no peito foi-se aliviando até ao ponto de eu já não lembrar mais, os braços fizeram outros movimentos e deram outros abraços. O tempo lento ia andando como que novos caminhos fossem desenhados na minha cabeça. Uma ou outra madrugada, um ou outro momento de solidão, vinha-me à memória a vontade daquele abraço que não dei.
Congelado no tempo ainda encontro esse tal abraço, conservado e pronto para ser usado. Como é possível que o tempo de conservação seja tão longo quando o abraço foi desperdiçado no esquecimento de há quase um século?


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24 de outubro de 2024

Programa 40 K'arranca âs Quartas

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 23 de Outubro de 2024. 

  tal e qual como se fosse em directo
Hoje falamos de outonos, ouvimos música, a crónica ou coluna ou lá o que é que aquilo é, os tesourinhos Musicais que foram, Madalena Iglésias, do livro falámos de Veríssimas e Luís Fernando Veríssimo. 

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eu e o outono de agora

Sinto o outono entrar em casa. O jardim avermelhou-se e as flores desapareceram. O perfume a terra húmida sobressai. As pessoas circulam caladas num parece introspectivam. As plantas preparam-se para o inverno. As pessoas se aquecem de carinhos como que adivinhando a solidão dos meses frios. 
O outono renova-se a cada ano. Não sei, pois não tenho estudos para isso, mas parece está fraco, empalidecido em relação a outros outonos. Ou será só os meus olhos cansados que já não enxergam como Outrora?

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23 de outubro de 2024

És musa

Atraente não são as curvas bonitas do corpo,
mas sim as curvas bonitas da alma.
Lindo mesmo é o olhar.
A transparência do sentir,
a lucidez do ver,
a suavidade do paladar,
a volta do vir
sem ter que olhar

És a musa que inspira.

Quem me dera ser o colo que te recebe.
Quem me dera ser a carícia que te dou.
Quem me dera ser o amor que te tenho.

És a musa que inspira

Cabelos ao vento
cabelos apanhados
livre pensamento
os que tenho pensado.



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22 de outubro de 2024

tormentos de quietude

Se a alma está cansada vamos fazer mais como? Dormir descansa o físico mas os pesadelos continuam a exasperar a alma. Ver o mar só num assim de estar faz virar o mar chão em calema. Olhar o céu azul faz virar o céu branco de construções de nuvens que parece é um aglomerado de confusas formas. 
Ficar calado o cérebro pensa pensamentos em forma de palavras e sobressalta a alma.
Fica só assim num canto, numa sombra da noite e deixa a alma repousar. Ela vai repousar nem que seja depois do cansaço. 
Se a alma está assim pensa no que lhe fizeste. Nada?! Se calhar foi isso. Não fizeste nada e ela se atormentou de quietude.


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21 de outubro de 2024

intimidade

Nada é mais íntimo que estar o meu silêncio a olhar para lado nenhum e desenhar sonhos numa mente que rapidamente se esquece.


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18 de outubro de 2024

E eis-nos novamente em queda livre ou voo planado

Circulando aos Quadrados numa Recta que é curva
o fim de uma trilogia

Já te disse não sei quantas vezes, talvez nunca directamente, mas deixei nas entrelinhas, o quanto eu te queria e desejava. Acho que o fiz de todas as formas possíveis e imaginadas, realistas e até abstratas formas usei.

Quem diria que iam passar séculos de silêncio e com a forte possibilidade de, não havendo trovoadas ou outras calamidades, serem outros tantos de silêncio desértico? Sabes aquele silêncio que pica nas pernas e que arrasta o cabelo de forma irritante para cima dos olhos.

Não imaginas as vezes que te imaginei encostada no meu peito a receber um afago ou um abraço. Quanto tempo demora um abraço? Os meus, imaginários duram a eternidade do silêncio e são tão calorosos como a profundidade do desconhecido fundo marinho. Te posso dizer que me deves uma vida, porque eu apenas sou corpo de um sonho sonhado na imaginação fértil de um adolescente que se perdeu na lonjura do tempo que passou depois do adeus.

O teu lugar favorito nunca o conheceste, porque nunca estiveste entre os meus braços naquele abraço.

Faço agora mais uma tentativa de encerrar um ciclo. Acho chegou uma hora de fechar uma porta e abrir outra, para seguir um caminho ainda não desenhado, porém desejado, por mim querido e ainda não encontrado. Não é tarefa fácil sair dum estado acomodado, dum pousio confortável, duns momentos felizes e importantes e começar do zero um outro incógnito e escuro, porque não tem esquisso, porque não tem com o quê de comparado nem testado. É totalmente novo ou então seria mais do mesmo.

Não vou precisar mudar de casa, de amigos, de lugar, de ares. É só mesmo mudar de palavras, de sentimentos escritos, de temas, de cores garridas tropicais para cinzentos outonais ou outras cores menos usadas. Há que mudar porque o mundo é feito de mudança.

Queria fazer as pazes dos meus pensamentos bagunçados, mesclados, mestiçados e pensar sem ansiedades nem despedidas, sem lágrimas nem saudades. Queria ter as palavras despidas de mim, ditas por um alguém que usasse as minhas letras.

Está na hora de fechar essa porta e voltar a um presente que embora passado tenha futuro.



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15 de outubro de 2024

futurologia

Gostava de escrever uma carta como escritor de papel passado e certificado no bolso. Mas antes disso eu tenho de aprender a escrever. Não. Não é o mesmo que ler. Ler a gente ouve as palavras que o outro escreveu. Eu queria mesmo é que estivessem a ler as minhas palavras ditas num papel de livro. Assim como que um livro não é uma catrefada de palavras escritas numa molho de papel. O falar a gente diz e as palavras vão embora e se perdem no ar, No livro estão ali. Podem sempre ser buscadas sublinhadas ou riscadas. Cada palavras é um pedaço de mim ali tatuado de forma eterna. Risos, pensamentos ou tristezas e emoções ali gravadas.
Mas quem sou eu para escrever um livro que fale de mim e da resma de coisas que tenho dentro de mim? Quem sou eu para quebrar o silêncio da minha existência apagada ou deslustrada pelo tempo que passa?
Sim, eu sei que sou o melhor escritor que tenho dentro de mim, mas quem me faz escritor seria quem um dia me leu.
Nesse futuro incerto que teve um passado em que registei nas palavras que um dia gravei numa folha de papel já não com tinta de chumbo nem caracteres postos uma a um como no tempo em que os livros hoje tenham cheiro a pó, nem com os vocabulários da literatura erudita, sublinhados e grafitados por cima numa linguagem mais simples dirão que eu tinha o estilo característico de mim mesmo. As palavras são a cópia dele. Futurologia.


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7 de outubro de 2024

porque escrevo

e eu me pergunto: porque escrevo?
um dia, quando souber escrever, depois de muito treinar e muito deitar fora, eu vou escrever. É claro que vai estar o eu de mim nas palavras que eu escrever, mas eu vou só fazer de conta que nem sou eu que me estou a limpar de forma solitária.
abstraído do ruído do mundo encerro-me em cada palavra e, com sentido, vou me transparentizar numa forma de desenho que em vez de traços e pinceladas, leva letras e frases feitas a desfazerem-se em sentido. deixa só aprender a escrever direito, assim como que nem os clássicos, os modernos e vanguardistas, e vou levar-me livro dentro que nem fantasma encarna no corpo do leitor. Se não tiver leitor fica só encarnado na capa até que apareça um num futuro qualquer se ainda houver mundo. 
o livro que eu escrever é para ser lido lá mais para a tardinha, quando o mundo estiver sossegado, quase depois do pôr do sol e antes do cair da noite escura.
mas porque escrevo agora se é para ser lido só nessa tarde quase noite?
descomplica-me. Tem gente que gosta e tem gente que nem vai ver. Um dia num acaso alguém vai abrir e me vai desnudizar as palavras que eu agora escrevi. Vai dizer ele estava assim e assado e coisa mais que tal. Quem ler vai ter a liberdade de pensar que nem como eu, ou diferentemente. É livre de ler como entender, da mesma maneira que eu escrevi livre e transparente. Igualdade, fraternidade e liberdade, são as letras que formam as minhas palavras, que fazem as frases e depois os parágrafos e por aí fora que nem lembra ao diabo. Mas escrevi. Eu escrevi. Agora só falta tu, você, alguém, ler para dar continuidade ao texto. Sem leitor ele para aqui.


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2 de outubro de 2024

Microfone Livre 02 - K'arranca às Quartas


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Ruy Duarte de Carvalho - K'arranca às Quartas


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Crónica 26


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tesourinhos musicais 14 - Blusões Negros


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Programa 37 - K'arranca às Quartas

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 02 de Outubro de 2024. 

  tal e qual como se fosse em directo. Hoje falando de Ruy Duarte de Carvalho, da felicidade e do poder ser feliz, muita Música da lusofonia e outras tantas palavras mais

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30 de setembro de 2024

Vou de férias, mas volto

Troco-me as voltas nas voltas que faço e reformado vou de férias que isto de ver sempre as mesmas ruas, subir as mesmas colinas e ver sempre as mesmas árvores tem que nem posso

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24 de setembro de 2024

que razão

Talvez tenha sido na hora errada ou eu estava erradamente a pensar num errado futuro. Quando nos conhecemos me desligaste completamente. Não foi indiferente, foi mesmo clara e abertamente que viraste a cara para o lado. Era a minha hora errada. Talvez um dia, numa hora qualquer desta ou outra vida, num café ou num lugar qualquer, desimporta-me, nos cruzemos, nos olhemos e dirás que foi bom não nos termos conhecido naquele dia, naquela hora e naquele lugar.
Passou o tempo e a razão onde andará?

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23 de setembro de 2024

descrito ou não escrito apenamente pensado

A vida de outro alguém me é indiferente se não se cruzar na minha. Não sei mais nada do que os meus olhos me possam dizer. A intensão de saber mais nem me passa pela cabeça. Quantos são os que mostram uma paisagem e escondem uma realidade fria e cinzenta? Não falo dos sem abrigo nem de quem passa por fases menos boas da vida. Falo mesmo daqueles que uma vez eu conheci e que agora desconheço completamente. 
Uns desapareceram na vida como assim por artes de magia, outros por razões conhecidas e alguns por pesadelos e insónias. 
Da mesma forma que não discuto assuntos que tenham a haver com a fé, paixão ou coisa similar, não cientifica nem palpável, tem gente que é mesmo melhor a gente não ter conhecido.


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19 de setembro de 2024

Queria

Queria deixar de me sentir de mãos e pés atados quando não estás.
Queria deixar de ser pó que sujam paredes, grandes e pequenas.
Quem me dera saber tudo o que aconteceu nos últimos cem anos e ver todo o anterior mundo e imaginar saber como é que eles viveram sem o saber destes últimos.


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18 de setembro de 2024

Gulherme de Melo - Autor

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Crónica 24 - K'arranca às Quartas


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Tesourinhos Musicais - Os Álamos


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Programa 35 K'arranca às Quartas

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 11 de Setembro de 2024. 

  como se fosse em directo

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despido de pensamentos

Por instantes perdi-me na rua da imaginação e desencontro-me nu de ideias e pensamentos. Vou assim num pensar mais do mesmo ou vou variar num modo de ser pequenino no meio da velha idade que trago? Sentei-me num lancil a olhar cada carro que passava. Adivinhava o ano em que foi fabricado. Não sei quantos acertei ou errei. Não era importante. Queria era pensar e tentar desempenar a fábrica dos pensamentos e desimpedir a rua da imaginação. 
Continuei despido. Nem uma palavra literária saiu. Bronca mental, pensei. Ups. Pensei um pensamento que foi Bronca Mental. Não está mal de todos. Estou despido porem não parado de pensar. Só simples pensamentos. Foi o que fiz. Pensei soletrando. Pensamento em pensamento assim sem ladrilho ou caixilho, desimpedido de belezas e outros floreados. Calcetei os meus pensamentos simples na forma de arrumado para mais tarde utilizar.

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17 de setembro de 2024

instantâneo

Deixado levar pelo tempo naveguei por saudades, nadei por mares de outrora e mergulhei em memórias de infância. Fui criança e foi bom. Fui adolescente e foi bom. Tornei-me adulto e gostei. Como adulto fiz mil coisas. Umas foram boas, outras nem tanto. Umas vezes errei e outras nem eu sei o que aconteceu. Não porque tivesse apagado da memória, mas apenas porque nunca soube o resultado. Algumas nem me lembro do que é que era e outras não tenho maneira de saber porque o tempo apagou a pegada que me podia levar ao ponto X. 
Agora, grisalhado e com menor número de cabelos por centímetro quadrado gosto-me. Não faço questão de saber se agrado ou não. Gosto-me e isso é-me muito mais importante porque só assim eu posso gostar de alguém.
Voltar atrás não é o meu horizonte. Recuperar tempo não é a minha meta. Vivo cada instante por instante. Sério, sorrindo, consciente.
Tenho saudades. Sinto-me nostálgico. Mas é sinal que eu tive lá, nesse tempo, nesse lugar, nesse instante. Que melhor posso eu querer da vida?


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16 de setembro de 2024

tempo e tempo

E se é loucura eu não falar das minhas dores vou falar mais o quê pois então? Se eu falar do tempo vou ter dificuldade em separar o meteorológico do tempo decorrido no relógio. Pois aí eu ia ficar louco e teria que sair do meu cantinho resguardado onde olho o mar sem me preocupar com nenhum dos tempos. Vou falar em dormir? Se estou a dormir nem sei como é que o tempo passa e nem sei o que passa na minha cabeça. Vou falar mais o quê? Vou falar de sentimentos? Não me apetece mais nada agora senão um abracinho. Falar só por falar também não é minha obra e graça. 
Acho mesmo continuar calado a olhar o tempo. Qualquer dos tempos.



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11 de setembro de 2024

As Três Vidas - João Tordo


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Tesourinho Musical 11


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Crónica 23 K'arranca às Quartas


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Programa 34 K'arranca às Quartas

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 11 de Setembro de 2024. 

  sem cortes, filtros ou correcções!

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uma carta que não mandei

Eu poderia escrever-te uma carta cada dia e para sempre assim seria. Mas um qualquer dia o para sempre acaba e eu não fico à espera que a minha alma te continue a escrever. Afinal de contas nem tu sabes quem eu sou, o que fiz e para onde vou. Podes ter uma vaga ideia, um retrato a preto e branco queimado pelo tempo que teve escondido na gaveta da memória, mas certamente nem te lembras da minha existência que um dia nasci muito antes de ti.
Eu esperei-te anos e com tantas impressões, sugestões e outras questões o tempo passou e nada mudou. Amei-te. Amo-te, seja lá o que é que isso seja. Recordo-te no último olhar que te dei e tudo resto memorizei e nunca apaguei.
Desfalecimento total na nossa ligação, nem arranjado ou replaneado foi reparado ou recuperado.
Eu podia escrever-te uma carta mas não tenho morada nem direcção e a letra trémula jamais conseguiria escrever todas as palavras que eu te podia ter dito nestes anos todos


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