Na curva tranquila da minha praia, no desenho perfeito da minha baía, onde o vento sussurra segredos antigos e o mar se espraia a areia como se fosse uma língua de espuma. As gaivotas chegaram cedo. Antes mesmo do sol nascer por completo, elas pousaram na areia ainda fria, como se fossem guardiãs do silêncio e do espaço.
Elas não têm pressa. Caminham com passos firmes e desconcertantemente humanos, bicando conchas, farejando restos de mariscos deixados pela maré cheia. Há uma solenidade no modo como se movem, como se cada pegada fosse um verso escrito num poema que a água apagará em breve ou as toalhas esconderão as suas marcas.
Uma criança aparece, trás um balde e não sei quanto de esperança. Ao vê-la, algumas gaivotas levantam voo, mas outras permanecem, como se entendessem que nem toda aproximação é ameaça. Elas a observam com os olhos de quem já viu muitas infâncias virem e irem como as ondas. Ou simplesmente elas não têm pressa de deixar o seu espaço para os invasores que começam a chegar.
Ao meio-dia, o calor faz a areia cantar sob os pés, nuns uis e ais de quem caminha aos saltinhos. As gaivotas voam em sombras improvisadas ou ficam paradas com um olho aberto e o outro no mar, sempre. Elas sabem dos peixes, dos ventos e das mudanças que só os que vivem entre céu e mar percebem. Elas, as mais velhas sabem quem chega e quem vai, quem mergulha e quem volta. Elas são as vigilantes silenciosas desta areia onde as toalhas lhes cortam espaço.
Quando o sol se despede, tingindo tudo com ouro velho, as gaivotas levantam voo mais uma vez. Em bando, cortam o céu como setas brancas, indo dormir onde só elas sabem. Na areia, ficam os vestígios de sua breve estadia: pegadas, penas, e um silêncio novo.
E eu fico, de olhos no horizonte, grato por dividir a praia com elas, mesmo que por instantes. As gaivotas levam consigo um pouco do mistério do mar — e deixam em troca uma paz que só quem observa em silêncio consegue sentir.
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