No Reino das Águias Carecas,
vulgo lar da Álvares Cabral, quase todos eram oriundos de paragens distantes,
três do norte de Portugal, dois da Madeira e o resto, bem, esses eram o mundo à
parte, tinham vindo de Angola e tinham trazido essa característica na maneira
de ser e estar. Eu estava como peixe na água. Primeiro clandestino e depois com
o Serviço Social definido em bolsa e alojamento, ali estava de maneira legal.
Mas de clandestinidade estava o reino cheio. Era por um ou dois dias, era a
semana ou outros ‘desprotegidos’ como eu, iam ali buscar conforto e amizade.
Ninguém tinha falta de amizade e apoio. Havia sempre um ombro, um amigo, uma
conversa, uma companhia na hora.
Certo certo é que nunca mais voltei
à Areosa, na morada da prima cujo grau desconheço ainda hoje e também deixei de
parar na pastelaria onde me habituara a tomar o matabicho e onde aprendi a
dizer CIMBALINO. Esta não só porque não me apetecia sair do autocarro, mas
porque o lar tinha pequeno almoço. Passei a privilegiado. O curioso é que o dia
com maior frequência de pequeno-almoço era o sábado logo às 8 da manhã… Se
calhar em vez de chamar pequeno almoço eu diria que era a refeição antes de
deitar.
Até o curso começou a parecer
fácil. Mantive os dois grupos e fui-me acrescentado ao do lar, onde
prontificavam quase todos os cursos da Universidade do Porto. Além da lerpada
das sextas havia muito mais mundo para lá da secretária. Havia sempre motivo
para comemorar, desde que isso não implicasse gastar dinheiro, que não havia.
Pois todos tínhamos mais mês que dinheiro.
Aos Domingos, que não havia
cantina, havia alguém pronto para salvar com um cozinhado. Solidariedade não
tem preço e no lar garanto-vos que nunca faltou. Mais um bocado de arroz e o
frango dava para dúzia
No final do semestre, ali para os
lados de Maio, sentei-me à beira do Douro, tendo ao meu lado a minha amiga
Leonor, com um caderno, de capa vermelha, no colo, escrevi:
"Cheguei ao Porto e não conhecia nada nem ninguém. Agora, conheço a
cidade pelo nome dela, pelos cheiros e pela beleza das casas e vilas."
Sem comentários:
Enviar um comentário