Era uma vez um conto de fadas. Ao contrário, é claro. Um conto de pessoas imperfeitas e em que as acções não têm nem valentia e nem aparecem heróis lendários. Até o próprio lugar é um lugar comum, poluído pelos gases dos muitos carros que engarrafam todas as ruas da cidade. Cidade repleta de prédios, onde num por aqui ou por ali se encontra ainda um que tenha uma história do tamanho da memória. Não muito grande, é claro! Uma cidade cheia de obras, que não são de arte, embora muitos sejam os artistas que nela circulam.
Mas dizia eu que era uma vez um príncipe e uma princesa, sem reino próprio qualquer deles, que viviam felizes nessa cidade, ou pelo menos viviam tranquilos, transparecendo um mar de calma que era interrompido de quando em vez por banquetes faustosos ou viagens luxuriantes por estrangeiros fora de portas. Mas eram felizes estes príncipes amantes. Tudo lhes parecia perfeito e o futuro não lhes incomodava.
Mas na verdade, um dia, sempre há um dia nestas coisas da vida, a princesa desconseguia de ver o horizonte e agarrada à escuridão da vida se deixou levar pela letargia. Todas as noites gritava, sonhava que a morte lhe beijava os lábios e perdida de medo foi-se fechando cada vez mais, putrefacta em ansiedades irreais.
O príncipe, angustiado, lutou contra fantasmas e foi desferindo golpes carregados de irracionalidade e de indiferença. Mas toda a sua luta caia num vão sem fundo e a princesa cada vez falava menos enquanto construía um muro de incompreensões.
O reino inexistente, aos poucos, se foi consumindo e os meses passavam mortos num cinzento calendário enquanto a cidade se engalanava para grandes festas que em breve iam acontecer.
Um dia, ao acordar numa qualquer manhã, a princesa deu conta que nessa noite não tinha sonhado com a morte. Esboçou um sorriso, curto, rápido que ninguém teve tempo para dar conta. Aquela pessoa que havia sido um complemento perfeito da felicidade tinha para sempre desaparecido dando lugar a um ser vivo quase morto, vazio e carente de alma.
O príncipe tentando manter a mente sã rodeou-se de gordura e deixou-se perder na floresta de cimento, todos os santos e diabólicos dias e noites. Cada vez com mais frequência voltava ao seu palácio, madrugada alta, descalço, desorientado no andar e carregado de falsos pôr de sois que lhe queimavam os poucos pensamentos de outrora.
Na cidade passou a reinar o silêncio, o sorriso era pálido para não dizer incolor e já ninguém se lembrava do príncipe e princesa que embelezavam as festas faustosas e badaladas. Dela nem um rumor se ouvia. Dele, contavam-se estórias, quase sempre nocturnas, carregadas de vinhos e fumos de fazer rir, mulheres bonitas e paixões de faca e alguidar.
E a cidade crescia, para os lados e para cima numa similitude ao príncipe que se afundava no pântano da divida, traição, vingança, bruxaria, feitiçaria e onde mais iria parar se esta estória não acabasse aqui?
Sanzalando