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3 de março de 2010

Silêncio das sombras

A luz trémula dum candeeiro de petróleo faz projectar na parede a minha sombra disforme. Silenciosamente o tempo foi modificando a silhueta, o perfil, a face, a contraface parecendo eu já um contrafeito produto de mim. Mas me olho na parede, onde sobressaem curvas, onde a largura não é mais muito diferente que a altura, e sigo a linha de prumo que pensei um dia havia de seguir. Na verdade sigo-a em câmara lenta ou em parada tantas vezes. Mas na verdade acho que os ímpetos são os mesmos, os gestos afagados apertados, os sorrisos, se calhar já não gargalhados, continuam a ser sorridos. Os perfumes continuam a ser os mesmos, assim como os odores recriados de memória. Se calhar o que mudou foi mesmo o silêncio, a silhueta, o entusiasmo aparentado.

A luz trémula do candeeiro de petróleo apenas vem acentuar alguns dos vectores desta equação interminável, tatuado no corpo nu em formas de rugas, pregas, almofadas e umas ou outras flácidas partes.

O silêncio trás-me de volta às voltas da fala calada, aos desejos desejados e não esquecidos. Pelo menos por mim!


Sanzalando

1 comentário:

  1. Como o que escreveu se encaixa como os dedos das mãos encaixam uns nos outros...os silêncios aos gritos, nos ecos que nos calam fundo, são os momentos de paz que só é possível quando nos sentimos mais mortais, ou imortais quem sabe, e só neste tempo de crepúsculo é que é possível reconhecer. Para trás tanta doce ignorância de nós...e ainda bem que assim é. A surpresa da vida nos dá outros encantamentos iguais ao dos tempos presentes da paz e da ternura. Eu gostei de viver o que vivi e adoro ter passado os 50 e sentir-me assim como o seu post diz.Que eu que não o conheço apenas li como passado e presente...

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