Minha querida infância hoje resolvi escrever-te uma carta, não para dizer-te como é que é o teu futuro, nem ao que chegaste. Quero só mesmo recordar-te os teus olhos castanhos nuns tons verde azeitona escura que brilhavam da cor do teu sorriso, que traduziam a felicidade da tua cara de criança feliz, rodeada de gente que tu gostavas.
Já não sei quando, mas te perguntaste se um dia ias estar longe deles, se os caminhos iam ser sempre paralelos e entrecruzados em figuras geométricas indefinidas e se nunca haveria um ponto vazio, um momento cego e solitário. Hoje ainda não te sei responder a essas questões, muito embora os teus olhos continuem a ser da mesma cor e o brilho continua permanente mesmo que tenha momentos ligeiramente baços. A gente que te gostava hoje pode-se dizer é outra, sem teres perdido os da tua infância. Outros tempo diria eu agora. outras gentes, tirando os que partiram para a tal parte incerta.
Sabes, querida infância, todos os dias foste aprendendo coisas, que te foram moldando, adaptando e até modificando, sem teres deixado de ser tu. De quando em vez tens uma noite de insónia, coisa que nunca sofreras. Se não dormias era porque a farra estava boa e animada.
É verdade que tiveste períodos em que o teu cérebro paralisava no teu corpo e os momentos imperfeitos sobressaíam e até parecia que era naquela altura que tu ias deixar de ser tu. Mas isso não teve efeito no teu futuro. Nem as mortes que morreste por amor. Nem as lágrimas de saudade de afogaram no caminho a este futuro.
Lembraste que tiveste momentos em que não sabias o caminho? Deste sempre com ele, mesmo tendo que andar por caminhos nunca dantes caminhados.
Infância minha, ainda estás no mundo de hoje, muito mais avançado que era no teu tempo, porém os Homens ainda se tratam como se não tivessem aprendido nada ao longo da sua evolução. Tu eras uma infância sofrida, marcada por desventuras, amarguras e outras alturas que se desvendaram ao longo da tua adolescência e idade adulta, e foste aprendendo a ser Homem. Eles, os Outros, continuam a invejar, destratar e guerrear como faziam os heróis que tu pensavas eram apenas figuras da História que te ensinavam na escola para te tornares diferente.
Hoje, de vez em quando, pergunto onde estará a minha infância alegre, bonita e feliz? No meu coração, respondo-me com medo de não ter tempo para mais tarde me escrever uma carta.
Sabes, infância, uma das minhas modificações foi ter construído pequenos muros à minha volta, dificuldades a possíveis invasões, físicas ou mentais, que destruíssem o meu coração, que penso ser igual ao que tu tinhas.
Obrigado infância, porque não fiquei na obscuridade dum medo, de luzes apagadas, de desconhecimento ou de encruzilhadas em que te podias ter metido. Eu sei que tinhas esperança de um dia poderes escrever-te uma carta com os olhos maduros, com o corpo marcado pelas tantas cicatrizes duma vida e sorrindo com a caneta em frases feitas canção de amar.
Obrigado infância, porque não foste uma criança triste, caótica e egoísta.
Te confesso, infância, te trago no meu coração.
Até sempre.
Sanzalando