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5 de fevereiro de 2024

meus retalhos 19

E no meio de tantas recordações quase me ia esquecer de falar da primeira vez que o chefe disse que era eu quem ia ser o Cirurgião principal daquela apendicectomia. 
Até aquele dia eu era só o ajudante. Estava sempre pronto para agarrar nos afastadores, para cortar os fios, para mostrar sem mexer, sem atrapalhar. Ajudar é um acto de inteligência porque quem está a operar não pode perder o fio ao pensamento nem o olhar do seu foco.
Hoje, naquele dia, eu ia ser o número um. O bisturí que normalmente é uma lamina que corta numa linha perfeita, passou de repente a ser uma faca pesada e tremida, irrequieta e eu quase pensava que ela tinha ganhado vida na minha mão. Afinal era só eu a tremer. Uma coisa é a compressa na mão e outra é a lâmina.
Mas eu já tinha ajudado muitas. Eu sabia os passos todos. Naquele instante eu estava branco. A cabeça perdeu a sua carga e ficou um vácuo. O meu ajudante, pouco mais velho que eu naquele lugar., me foi acalmando e falando tranquilamente que até quase consegui me convencer que aquilo era fácil.
Lá fui eu passo a passo fazer as coisas que mostraram que afinal eu sabia o que é que estava ali a fazer.
Sem eu notar, o meu cérebro estava totalmente dentro daquele buraco que eu tinha feito para retirar o apêndice, entrou gente na sala. Num susto senti um frio a correr desde o pescoço até mesmo chegar lá no anus num ardor que quase me fez sair dali a correr. Ao mesmo tempo ouvi:
- Cirurgião nem que o tecto caia deixa o doente aberto. Era só mesmo o meu chefe a me praxar.


Sanzalando

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