A Minha Sanzala

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16 de março de 2006

Uma estória verdadeira (73)


Em frente estava o Forte de Santa Rita. Nunca soube e não é agora que vou ficar a saber porque é que se chama assim. Nunca lhe vi lá nenhuma fortificação, nem ruínas que lhe tivessem baptizado disso. Pode ser só ignorância minha, mas também nunca pensei em ser assim como uma enciclopédia, nem de bolso quanto mais assim tão grande. À minha direita lá estava uma grande área murada de branco, de modos que toda a gente sabe o que é aquilo. O Cemitério mantinha o mesmo ar. Hoje muito florido porque é Feriado Nacional, dia de louvar os mortos. Eu estava ali. Ramo de Flores na mão. Sabia onde tinha de ir. Parecia mesmo não tinha nunca deixado de ir ao encontro. Fui lá direitinho. Ia assustado porque faz tempo tinha ouvido que tinham feito isto e aquilo, que tinha acontecido o pior que nem descanso davam nos mortos. Foi mesmo só asneira o que tinha ouvido. Táva lá tudo, e mais ainda. Ele tinha crescido. Parei no ponto do encontro marcado. De diferente tinha só que tinha passado ali quase trinta anos e a chuva era pouca pelo que estava só com tom de castanho em vez de estar branco da cor do mármore. Me olho e vejo nos meus olhos que as lágrimas estavam a correr que nem rio bravo depois de uma chuva de muitas horas. Faz tempo não me vejo assim. Queria parar mas a força lá dentro era bem maior que a força que eu fazia. Lágrimas só mesmo umas atrás das outras.
Quase trinta anos depois estava ali em frente ao sítio onde o meu pai se deitou naquele dia de Junho de 1961. Eu queria dizer palavras mas nem um som ou ruído saia da minha boca. Era só mesmo lágrimas, umas atrás das outras. Fui abaixo. Uma voz desconhecida é que foi quem travou aquele rio, é que foi quem fez parar e me pôr a pensar. Ela disse toma balde e pano e água e lava tudo que fica como novo. Saiu-me um obrigado que nem sei em que tom. Co-pilota e Ti fizeram isso que eu fiquei ali, em sentido a conversar com o meu kota. Conversa só mesmo de filho para pai, silêncios trocados em transmissões de pensamento que ninguém tem ou teve acesso.
Devargarzinho recuperei sem ter em conta que de quando em vez ia haver recaída. Mas o diálogo teve os seus frutos. A última morada dele ficou que nem nos tempos de antigamente.
Sai dali e fui procurar mais uns quantos que eu tinha prometido ir visitar. Uns encontrei, outros não. Eu não tinha o mapa da cidade dos mortos na cabeça e não podia lembrar tudo passados quase 30 anos. Conversei com família, cumprimentei amigos. Foi um encontro que não pode mais ser intervalado de tanto tempo. Ficou essa promessa.
Voltei no meu kota. Lhe disse mais uma ou outra palavra. Saí dali parecia tinha morrido.
Ao caminhar para a porta fui recuperando. Muito lentamente.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

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recomeça o futuro sem esquecer o passado