recomeça o futuro sem esquecer o passado

Podcasts no Spotify

28 de março de 2006

Uma estória verdadeira (80)


Acho mesmo que só faltou uma. A rua que passa entre os Correios e os Caminhos de Ferro. Todas as outras foram passadas a olho fino. Aqui era isto, ali aquilo, aqui morava cicrano e ali beltrana. Corri a cidade com todos os olhos, ao mesmo tempo que sentia um medo enorme. Mas sinto medo mesmo de que? De não a voltar a ver? Mas se eu sai daqui foi mesmo só o corpo, porque a mente essa não desbou daqui nem um segundo. A cidade estava mais igual à cidade da minha memória. Ruínas quase nenhumas, reconstruções mais que muitas. E me disseram depois que não há mais porque há falta de cimento. Mas também ouvi dizer que é por pouco tempo. Se eu ouvi é porque vai ser. Tudo mexe e isso é importante. O trânsito de Luanda tem muito que aprender com o trânsito daqui. Penso eu, que não sou especialista. Também numa cidade desenhada com régua e esquadro e sem compasso, não é difícil dizer que se esta sobe, aquela desce e assim sucessivamente. Olha, aqui foi o primeiro trabalho sério que tive. Porque o primeiro mesmo era na câmara escura da casa de fotografias que o Bauleth abriu por trás da DTA. Estava a falar do Rádio Club. Hoje mora lá gente que o rádio agora é mais em baixo, quase a chegar ao Impala que ali está igual, a Sanzala dos vBrancos tá na igualmente igual ao que era. Cores e tudo. O Bairro da Mineira, por trás do colégio das madres idem aspas e tudo. No Impala só falta mesmo os cartazes a dizer que filme é que eu vou ver hoje à noite, sentado num daqueles bilhetes que estão sempre marcados nas três primeiras cadeiras da terceira fila, a contar de cá de cima. Como era divinal ir ao cinema com ela. Mas agora é de tarde e não há filme. Nem logo à noite vai haver filme. Se houvesse, te juro, que ia comprar os referidos ditos cujo bilhetes. Hoje parece que só abre para festas. Passámos e rodopiámos no Bairro Heróis do Mucaba, Bairro da Facada, subimos a rua dos Pescadores até à Casa de Saúde, virámos em direcção à casa do Lara e dali seguimos até à escola 56. Com este passeio, este meu mostrar-me a cidade, chegou a hora combinada para o jantar que era na casa do Zeca e da Té. Vamos aviar os que vimos acabadinhos de chegar, que os outros foram embalados para o Huambo. Nos esperavam à porta. Foi sentar e começar as marteladas e saboreamentos. Foi mesmo até que a mente ainda saliva. Um gosto. Muita conversa depois chegou a hora de ir para o Hotel. Amanhã é dia de iniciar o regresso à Capital. Porque é que eu tenho de partir. Vão vocês e me deixem aqui de onde eu nunca saí. Olha, eu monto uma Cubata lá na Lagoa do Arco e fico ali mesmo a pensar nos problemas do mundo. Pode ser? Não digas que não. Eu não quero mesmo sair daqui. Olha que faço birra como quando era criança.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

2 comentários:

  1. Por culpa de Mwanapwo vim aqui. Por culpa porque, primeiro já está nos meus favoritos e depois porque tenho de vir mais vezes aqui... e com o despudor que ultimamente tenho já sei onde virei "roubar" umas belas e magníficas fotos da nossa terra.
    Um kandando do tamanho da nossa terra.
    Eugénio Almeida

    ResponderEliminar
  2. Lobitino:
    é sempre com grande satisfação que vejo alguém a 'descobrir-me', mesmo que com cunha da minha amiga Ana Clara.
    As fotos são públicas por isso não é 'roubar' mas dar-lhes utilidade.
    Um grande abraço e obrigado

    ResponderEliminar