I
É do mar que vêm estas vozes
silabando a linguagem das marés,
gravando na areia estranhas grafias
onde, quem sabe ver, desvenda o rumo
no sobressalto das ondas.
Este permanente arfar marinho
desperta a ressonância de oculto escuro
de obscuros templos submersos onde o coração,
descompassadamente, se perturba
na iminência do segredo revelado.
Cheiros de primeira pátria,
nesta urgência de sal em nossos membros,
atrai as pegadas para a líquida planura
pela saudade de verde glauco
que estira o corpo na fronteira do mar.
Reminiscência da primeira voz,
neste marulhar à concha dos ouvidos,
desperta nossa cólera e angústia
de malograda fuga e de nos vermos,
na babugem das águas, de olhos vítreos,
adormecidos peixes sobre a areia.
II
Coberto de firmamento, nesta praia
onde as ondas emergem das ondas,
as gaivotas lançam nos ares seu grito,
sinto os pulmões marinhos respirarem.
Regresso à origem das eras (conforme as lendas),
liberto de bandeiras, desnudado
para esta energia cósmica,
fóssil proclamando a luz
a saudade do berço da vida - o grande Mar.
Coberto de firmamento, transcendido,
aniquilado para um só mundo,
penetro-me do cheiro de ignoto lugares
onde já estive primeiro, antes de ser fogo,
terra e água, antes de procurar os céus,
abrindo a janela do corpo ao sopro das distâncias,
às profundidades marinhas onde o ser se espraia.
Tenso, nesta energia, perturbo-me
na incidência da fornalha solar,
só pensamento, raiz dos tempos,
primeira chuva e crosta sob as estrelas.
E eis que surge infinita ternura
por esta forma humana deitada na areia,
esmagada de infinito, a estremecer
ao vento oceânico, ao sentido oculto da névoa,
como se a linha do horizonte e esta praia,
eternizadas, se encontrassem no olhar
de Deus a lamentar seu peixe morto.
Enviado por Tereza Campos
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca
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