recomeça o futuro sem esquecer o passado

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30 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (XVIII)

- Transpirando à torreira do sol?
- te preocupa?
- Deixa. Já vi que não estás para me aturar...
- ... algum dia estive? desde que acordo até me deitar tenho que te aturar e olha que não é fácil...
- Palavras soltas e sem sentido... Pensavas?
- Pensava como sempre penso no que sempre penso. Efeitos secundários dum pensamento fixo. Um golpe baixo no coração, uma mágoa transferida em ferida, chaga de dor silenciosa e carcomendo as entranhas como se fosse uma roleta russa de azar sobre azar.
- Não. Tás negramente vivendo o dia de hoje. Nem o sol te brilha...
- Penso no colapso efémero da minha eternidade. Coisa simples.
- Ou não...
- Olha, queria apenas num instante olhar e vê-la em mim.
- Pôs-se o sol e deu-te a saudade. Sempre igual.

Sanzalando

29 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (XVII)

- Que pensas deitado de baixo deste abrasador sol que do lado de lá está arrefecido e tapado pelo cacimbo?
- Em libertar o meu corpo das cargas pesadas da memória e caminhar para a inconsciência da inocência de quem não sabe mais que um presente instante.
- Filosofia para me enganar?
- Liberta-me de tudo o que me rodeia na confusão inerte de não poder me entregar de corpo e alma ao sonho antigo.
- Mais filosofia barata...
- Procurar as páginas em branco da minha vida e preenche-las com vida útil e livre de erros...
- M'engana...
- Procurar a tinta colorida para colorir o meu futuro que vou escrever nas páginas finais do meu romance...
- Desentendo-te.
- Aniquilar todos os demónios de consciência que me pesam num cansaço fácil de morrer sufocado.
- Me verdadas com palavras difíceis?
- Não. Procuro apenas encontrar aquele velho amor.


Sanzalando

27 de junho de 2010

Diálogo duma só voz (XVI)

- Te atiras na solidão como quem vai mergulhar no mar de águas calmas...
- Te enganas. Como sempre. Apenas me espanto porque não encontro a doçura na minha voz ao mesmo tempo que procuro uma simetria na minha vida entre um passado e o futuro sem ser no estado ausente.
- Filosofas...
- Como queiras... desde que eu não encontre encontros nos desencontros nem ausências em corpos que já encarnei...
- Não existes, não pertences a nenhum lugar. És um fantasma que te criaste...
- Não. Sou um jeito de sorrir enquanto me vivo e enquanto não me perco.



Sanzalando

26 de junho de 2010

Diálogo duma só voz (XV)

- Como é que é? Pagas uma cerveja para gelar este corpo fervente?
- Tás doente... tu é que devias pagar a este corpo sonhador os sonhos que te conto.
- Com gosto...
- ...tás muito simpático hoje. Que é que se passa?
- Tá sol e basta ver o brilho do sol, sentir a maresia e eu sou logo outro.
- me imitas. Já me estás a tomar conta do lugar e daqui a dias vais dizer que esta praia é tua e que eu vá lá para os lados de mais sul onde agora está frio de 27 º...
- ... nunca faria isso... começo a gostar-te...
- Tá aqui e está a sair bosta... desconfio dessa amizade e compreensão assim tão repentina. Ainda me vais perguntar donde vem o silêncio da areia...
- Não sejas parvo.
- ou de que é feito o grito calado do sofredor desconhecido.
- Loucaste mais uma vez se é que alguma vez deixaste de o ser.
- Não, sabes que eu sou a tempestade que te troveja o coração na irrequietude do teu sossego, ao mesmo tempo que serei a brisa que te arrefece no teu delírio febril, sou o teu abraço na solidão a tua voz na dor que finges eu não sinto.



Sanzalando

24 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (XIV)

- ... escusas de fingir que não estás a chegar que eu bem te ouvi...
- Estavas parecia tão embrenhado na intimidade da tua existência que eu não quis incomodar.
- Pelo menos hoje não começaste a me chamar de obeso ocioso e sonhador de faz nada...
- Hoje me apeteceu ficar aqui a olhar-te apenas. Como quem não quer nada, nem ouvir nem falar. Talvez imitar-te e conseguir chegar ao teu patamar, onde pareces que és feliz mesmo quando choras, onde te sentes acompanhado mesmo quando estás sozinho.
- Contagiei-te? Não te quero igual a mim... com quem mais eu ia mandar vir?
- A tua nostalgia, o teu querer e a força com que mo mostras...
- Faz-te feliz a minha dor...
- Às vezes o teu silêncio diz-me mais que as tuas palavras, o teu olhar vazio mostra-me um mundo que eu não conseguia ver...
- Me parece que hoje nos contraiamos. Eu sou tu e tu és eu...
- Quero ser feliz sem ter que parecer o mau.
- Está na essência, às vezes temos que ser assim, falsos como crocodilo ou leves e belos como borboleta.
- Como eu gostava que tu conseguisses ultrapassar as distâncias...
- Um dia, mais cedo ou mais de tarde ao cair da noite eu vou consegui. Tu sabes...

Sanzalando

23 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (XIII)

- Sol, sem vento, que mais queres tu...
- ... se vens aqui para chatear é melhor te pores ao caminho que eu estou bem com os meus sonhos e desilusões.
- Estou a ver que hoje não tás para amar...
- Sabes, os amigos são como as estrelas. Nas noites que tu não as vês sabes que elas estão lá na mesma...
- ... e depois. Ficas assim com azia para cima de mim...
- ... tu estás sempre a embirrar com o meu modo de viver a vida e de lha ver...
- Estava... agora se calhar já te começo a compreender...
- ...mas sofro os amigos, pelos e com eles.
- Mas está sol e tu quando o vês costumas ser bem mais simpático e alegre...
- excepto quando tenho razões para não estar.
- Me calo e te ouço.
- Nos primórdios da nossa existência a Água se enamorou pelo Fogo e este lhe correspondeu. O Fogo dizia, para que todos os lados ouvissem, que nada lhe acariciava como a suavidade da Água. Está dizia que estar com o Fogo era como sentir o sangue a ferver. Mas rapidamente os dois deram conta que se anulavam rapidamente se continuassem juntos. Um se apagava lentamente enquanto o outro se evaporava. Então fizeram um acordo e nasceu a noite de S. João. Durante o dia a Água se esconde e à noite há as fogueiras que dão vida ao Fogo.
- Tás muito culto...
- Não me disseste que me querias ouvir? Então te conto coisas verdadeiras que eu sei que lhe são, mesmo que não tenham sido e faz de conta é um sonho que pode ser um pesadelo e que mais logos a gente acorda e ainda se ri faz de conta é criança.
- Vá lá, hoje não me contas um sonho de nostalgia...
- Quem foi que te disse?
- Hum?
- Não sabes que o amor é como o Fogo? Não o alimentas e ele morre devagarinho. Inculto.


Sanzalando

22 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (XII)

- Que é feito, que faz tempo o teu silêncio estava a inundar as pedras da calçada?
- Tavas banhado em saudades? Estava a fugir do calor e a me esconder no âmago de mim.
- Complicado! Se tás te chateio, se não estás te estranho. Vida dura esta de te ver embanhando nesta areia a olhar para o longe como se ele fosse aqui.
- Complicado é chorar lágrimas negras, ver tudo escuro pela frente e não ter palavras para gastar num conforto de amigo.
- Te desentendo.
- Até eu... mas um dia eu vou conseguir ver as minhas palavras escritas na parede de vento e serem levadas até mesmo no lá, ponto de interrogação na exclamação da minha vida.
- Soleaste demais hoje, pelo que vejo...
- Somos humanos e temos às vezes que carregar as baterias, ver para além do agora e ter sempre as palavras certas mesmo quando a boca desconsegue de dizer som algum.
- Hoje falas parece latidos de dor e mágoa num misturador de sentimentos.
- Hoje te falo no silêncio das pedras de palavras que deviam ter sido ditas mas faltaram sair da boca na hora zero. Hoje te silencio as palavras que não soube balbuciar a uma amiga que delas precisava e que sofre mais que todas as minhas mágoas juntas até hoje.


Sanzalando

20 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (XI)

- Olá. Que se faz por aqui para além de estares aqui deitado a não fazer nada?
- Voltou a lenga-lenga. Nunca mais te vais soltar dessa prisão que tudo tem que ser útil? Eu sou-me útil à minha maneira. Gosto de estar aqui deitado a ver os meus sonhos serem sonhados, ouvir os meus poemas que nunca fiz a serem cantados. E tu chega-te para trás que me estás a tapar o pouco sol que há.
- Mas que sonhos sonhavas agora quando eu cheguei?
- Como sempre sonhava na sua luz, no colorido calor do seu corpo, mesmo em manhã de cacimbo, no perfume da terra que se solta na evaporação do doce calor da manhã. Sonhava com os anos loucos da loucura juvenil, nas fugazes chuvas que pareciam breves choros de amor. Apenas sonhava.
- Lunático!
- Olha, fica só sabendo que me agrada ser apenas o guardião dos meus sonhos. Não me venhas roubar a capacidade de sonhar, não me obrigues a crescer no teu padrão. Me deixa mesmo ser apenas assim.

Sanzalando

18 de junho de 2010

Diálogo duma só voz (X)

- Ouviste o cair da noite?
- deves tar a pensar que eu louquei. A noite caiu de mansinho que nem dei pela chegada dela, quanto mais lhe ouvir. A noite não cai, desliza sobre o dia até lhe cobrir...
- Estava a ver se ainda tens algum tino. Sempre aqui deitado com os olhos no azul sabor a mar...
- ... a ouvir os meus pensamentos e a viver as minhas imaginações, pensaste tu.
- Não só não loucaste como ainda por cima és adivinho...
- ... já te conheço até antes de tu pensares. Eu te vejo nos olhos e te sei todo por dentro. Transparentizaste-te faz muito tempo. Não tens mais segredos.
- Um dia ainda te vou surpreender...
- ... desconsegues... porque nunca vais conseguir chegar à imaginação e viver por lá... tinhas que libertar muitas correntes, fugir de muitas prisões...
- Falas, falas mas até tu tas preso e ainda tens correntes...
- .. mas tento...



Sanzalando

17 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (IX)

- debaixo de sol...
- ... e lá vens tu mais uma outra vez?
- ... que queres. Tu sabes que só me apetece mandar vir contigo.
- ... cada vez tenho menos paciência para te me aturar...
- Ah Ah Ah, gargalho com vontade de te estrangular.
- E eu não sei? Se tivesse havido a selecção natural das palavras tu eras uma já extinta para mim, eras o meu silêncio.
- Tu e as tuas filosofias. Obesas-te aqui sempre deitado a olhar para o nunca há de vir, falar sozinho num pensar de voz alta faz de contas és surdo, ouvir o marulhar parece é música e eu é que estou a mais. Parasita da sociedade...
- ... me insultas assim num de borla? tás lixado mais cedo ou mais tarde que nem vais dar por ela. Lembra-te que imaginar é recordar nem que seja um futuro.


Sanzalando

16 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (VIII)

- Olá. Me sento a teu lado e não contesto estares sempre aqui a fazer nada a toda a hora. Me apetece sentar só e ficar a olhar para esse nada que é tanto para ti.
- Senta-te e digere essa tua agonia na minha companhia.
- Sabes, tu me abriste as cortinas do mundo...
- ... sempre protestaste do meu estar e agora me vens aqui dizer que tudo o que disseste não era assim?
- Não me interrompas, por favor.
- desculpa... me atiro no silêncio de te ouvir com atenção.
- Eu afinal sentia falta de ar, sentia dificuldade de ver mais além do que os meus olhos alcançam. Sabes, eu respirava sem dar conta que era sinal de vida, eu olhava e não via para além do que queria ver, eu não ouvia e só falava.
- a quem o dizes... mas nunca é tarde para entrares no mundo do sonho e aventura imaginativa. Só precisas é de te entregar de corpo e alma à vida. Saberes que estar no meio de nada pode significar estar rodeado de muita vida, que o silêncio pode significar um protesto, um descanso, uma gargalhada sorrida com os olhos.
- Eu vivia com as cortinas fechadas e tu aqui, obesamente deitado, viajaste pelo mundo...
- sejas benvindo... se te mantiveres assim!


Sanzalando

15 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (VII)

- Gostava de saber o que fazes neste momento aqui deitado ao sabor do vento...
- ...tás a querer saber tanto como eu. Mas te digo, acompanho a lua que ainda não chegou ao mesmo tempo que ouço o meu coração cantar.
- Mais uma vez te acho louco...
- ... só se for de amor. Contemplar os olhos que tenho de memória, o perfume que resta na saudade e o aveludado sabor dum beijo que ficou por dar. É assim que canta o meu coração.
- Já não sei o que posso fazer por ti. Não consigo demover-te dessa cruzada que te afundas, dessa luta que travas, sem armas e sem defesas.
- Despreocupa-te. Deixa-me usufruir desta peculiar amizade, deste amor sangrante, deste sofrersorrindo.
- Tentarei.



Sanzalando

14 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (VI)

- Como eu gostava de entrar no teu mundo e perceber-te.
- mundo estranho, pensas tu. Mas enganas-te. Se lhe entrasses, rapidamente querias sair, porque não são livres os sonhos e é complicado estar aqui a lhes procurar na meado do fio invisivel da imaginação.
- Mas pareces livre de rir e chorar conforme te apetece...
- tangas! tantas são as vezes que choro lágrimas secas de saudade que pensas que eu estou a contar uma mentira que até parece é verdade só para te entreter.
- Mas aqueces-me a alma...
- e por isso não páro, mesmo quando as minhas lágrimas sabem a mar.


Sanzalando

13 de junho de 2010

Hoje apenas fui ver o mar


Hoje o sol não se fez assim negro e aproveitei para ir ver o mar.

Azul. Lindo de azul saudade, brilhante como os meus olhos brilham quando te penso, calmo como o rosto enquanto te sonho.
Hoje caminhei para ir ver o mar.
Hoje entrei de olhar no mar e dilui as minhas lágrimas porque hoje não me apetece chorar.
Hoje fui ver o mar. Não o cheguei a sentir com medo de me arrepiar.
Apenas fui ver o mar e sonhar.

Sanzalando

12 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (V)

- Como sempre te encontro aqui deitado, absorvendo sol e não mexendo nem um dedo.
- Sabes há dias que não me agrada o que vejo, o que sinto ou que prevejo.
- e...
- ...olho e só consigo ver sombras, sombras que se unem num corpo esborratado, sem a mínima nitidez ou definição, sem sentido e sem orientação.
- tás...
- ... à procura de justificação para te dizer porque me encontro aqui? a tentar dizer-te porque não faço nada para além de me intraver?
- ...se calhar...
- procuro o meu centro, o meu caminho, o meu passado que me leve a um futuro?
- Pões-me doido!
- ...que mais somos que não doidos convencidos?
- Somo tanta coisa. Podemos ser tanta coisa...
- átomos girando à volta dum quase nada, numa fracção de tempo quase passado, numa dimensão virada para os 3/4?
- Tás impossível. Encontra-te e diz-me onde estás. Abandono-te hoje. Para mim chega.
- tal como os ratos abandonam os barcos que naufragam?
- Desisto-me de ti. Incorrigivelmente só ficarás.

Sanzalando

11 de junho de 2010

Diálogo duma voz (IV)

- Popilas. Só fazes ar de pensar e vagabundas sem sair daqui. Mas estava a te topar desde longe e bem te vi de olhar vazio cheio de nadas.
- Te parece. Mesmo quando os meus olhos olham para lado nenhum eu estou a ver para dentro da minha memória.
- Um dia, qualquer dia, vais acordar e vais ver o que perdeste ao não te recordar agora as coisas que te passam na memória.
- Descansa que eu não me esqueço. Já não sei é se todas as verdades que eu sei aconteceram ou se são apenas frutos imaginados que se realizaram na minha cabeça.
- Tens de fazer alguma coisa...
- e tu a lhe dares... qualquer dia ainda vais parar e dizer: levanta-te e caminha.
- De cama apenas sabes dessa areia de mil cores onde te deitas toda a hora.
- E depois? Cada grão tem a sua estória como cada segundo meu tem a sua.
- Vagueias. És um vagabundo da memória. Loucaste-te.


Sanzalando

10 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (III)

- Como sempre te encontro deitado. És rei da preguiça, imperador do faz nada...
- e tu pelos vistos com inveja. Não te disseram que inveja é pecado?
- Desabrocha o teu corpo, reinventa pecados e segue o passado. Faz-te à vida...
- quê! eu cerro os meus dentes, calo as minhas dores e venço as batalhas porque não penso nelas.
- Já não tens força nem nos braços para abraçar o que quer que seja. Perdeste pedaços de vida em vida de sonhos e ilusões.
- Não. Te enganas. Não tenho passado comprometedor nem futuro comprometido. Só vês o meu corpo decomposto e esqueces a minha mente fervilhante de saudades. Detesto o suor de cada movimento. Apenasmente isso.


Sanzalando

8 de junho de 2010

Diálogos duma só voz (II)

- Vá lá, tens de libertar a alma dessas pesadas memórias que te inconscientalizam da realidade e te levam a sacrifícios que o tempo do hoje até parece já passou.
- Nem sabes as vezes que eu já tentei libertar-me e me encontrei na página em branco duma vida que afinal nem era a minha.
- Agarras essa folha em branco, escreves com a tua letra em muitas cores, os teus sonhos, as tuas estórias e até as tuas ilusões e desilusões e regressas à vida.
- Não sabes o que é viver com estes demónios e ainda ter que lhes dar forma. Tantas vezes pensei em escrevê-los com tinta branca para não os poder ler...
- Não. Tu só sabes viver assim, só queres viver assim, nesse amor doentio, nessa inércia flácida da dor não dorida, sofrimento sem sofrer, fingir, mentir, sonhar vida e viver a morte....
- Cala-te! deixa-me nas minhas demências humanas, nos meus pesadelos de realidade absoluta...
- Tu e a tua realidade absoluta. Dor, lágrima, inércia. És o gião dum filme demasiado mau.
- E tu? verdade de vida? cicatriz mal curada duma ferida que nunca tiveste!
- Partes para o insulto barato, como sempre! Vem mas é viver a vida.
- Que sabes tu dela? A minha, se calhar, está no meio destes grãos coloridos de areia, nestas páginas que fiquei de escrever com lágrimas que não chorei.


Sanzalando

7 de junho de 2010

Diálogo duma voz (I)

Despreguiça. Tira esse corpo flácido do sofá e vem caminhar pelas ruas, avenidas, becos e carreiros da memória. Sai dessa cama de rede onde bebes umas e outras e te escondes das raízes, te afundas num querer passar despercebido na inglória do tempo que faz o favor de não parar.
Vem dar largas à imaginação, hulular de alegria mesmo que seja a dos outros e não passes ao lado da vida.
- Ok. espera mais uns segundos dias que eu estou a ganhar força para pensar nisso. Eu preciso ganhar musculos para poder mover algo mais que o olhar. Tu sabes bem que eu me deixei cair na intenção da enércia do repouso faz mais que muito tempo.
- Tens razão. o mal foi eu ter-te deixado cair no labirintico mundo do sonho.
- Olha, eu já consigo ouvir os pássaros a cantar.
- Não. Não são os pássaros que cantam. Isso é mesmo o uivo das almas penadas do tempo perdido.
- Fazes-me lembrar o Tempo onde eu me sentia adorado.
- Agora te esqueceram. Deixaste o tempo devorar-te e enterrar-te ainda vivo nas campas do esquecimento.
- És sempre tão radical. Deixa-me ter força para poder pensar um pouco.
- Por mim, tens o tempo todo que já quase é nenhum. Esqueço-te como os outros te fizeram. Essa rede à sombra da bananeira te matou vivo.
- Não, não me deixes. Prometo-te pensar.
- Sempre o mesmo... adeus, até depois.

Sanzalando

6 de junho de 2010

um peixe a navegar

Ei, tu. Sim peixinho, é contigo é.
Tás aí no zulmarinho num corre para aqui corre para ali, não fazes mais nada, porque é que não vais lá só para dizer que eu estou aqui. Apenasmente isso. Te custa? Vai-te catar, pá. Qualquer dia viro peixe e vou eu e se te apanhar na frente te como que nem espinha vai te sobrar. Amigo ingrato.
Foi assim num domingo.


Sanzalando
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5 de junho de 2010

um dia, até lá

Um dia, qualquer dia, ultrapassarei as minhas fronteiras, saltarei as minhas barreiras, nadarei os meus fossos e encontrarei a minha vida.
Um dia, soltarei as minhas correntes, fugirei das minhas prisões, esquecerei passados, anestesiarei sentidos e chegarei à minha vida.
Um dia a serenidade dar-me-á a mão, os meus olhos deixarão de chorar e eu terei a minha vida.
Um dia, de mãos limpas e corpo lavado, banhado de calma e ensaboado de tranquilidade chegarei à minha vida.
Até lá, viverei cada dia como ele quiser ser vivido, olharei para sentir a força do seu olhar, aquele olhar que não vejo e apenas sinto e que desconsigo encontrar palavras para lhe descrever com a clareza pura das lágrimas em que me reflicto.
Até lá, até esse um dia, associarei o tempo à distância e dividirei por saudade.

Sanzalando

4 de junho de 2010

memória, horizonte

Areia escaldante. O suficiente para me manter quieto de baixo desta sombra. Não tenho medo do sol, tenho pena é dos pés.
Como ontem tive pena dos olhos e deixei-os ver tudo cinzento. Ao menos não tiveram que fazer contas ao espectro de cores. Foi-lhes dia santo.
Mas na sombra olho para além mar, para além daquela curva que daqui parece uma recta e que me disseram era o horizonte. Mas não é o meu. O meu fica muito para além deste que eu vejo. O meu não tem rosto mas o seu reflexo nunca me é esquecido. O meu, entra pelos meus sonhos, deseducadamente, em silêncio ou estapafurdicamente barulhento. O meu, grita-me constantemente como quem chora por mim. Penso eu que não o ouço e não lhe vejo.
Na sombra, deixo-me bailar nas recordações como se ouvisse um semba soprado pelo vento lá para os lados das furnas. Aí mesmo, no meu horizonte.
Afinal de contas, na sombra, deixo a minha alma passear por ancestrais recantos da memória.
É, na sombra, o meu horizonte é a memória.

Sanzalando

3 de junho de 2010

cinzento

Está sol, mas para mim é cinzento a côr que predomina. Não adoeci, não me zanguei com o mundo, apenasmente acordei a ver o ar cinzento, o céu cinzento, as ruas cinzentas, os rostos cinzentos travestidos em risos cínicos.
Afinal de contas até o futuro é cinzento e me custa acreditar. Já limpei os óculos, já fechei os olhos, já gargalhei como que a exorcizar fantasmas e tudo continua cinzento.
Já sei, eu não consigo suportar a ideia que não te posso contar as minhas coisas num pé de orelha, num ouvir-te viver fervilhando vida, não poder consolar-me em ter-te tambem para mim. Eu quero-te e só quando conseguir ter-te eu deixarei de ver este cinzento, embrulhar-me nestas lágrimas cinzentas, neste meu sangue cinzento.
Sem ti vou continuar a ser cinzento, umas vezes mais claro, outras quase negro, umas vezes passando ao lado da vida, outras pontapeando-a.
Sem ti não há cor nem quando mordisco os meus dedos fingindo que estou a roer unhas que faz tempo deixaram de ser, nem quando olho para tuas imagens de ontem, de hoje ou de amanhã. Só voltarei a ter cor quando eu te tiver, sempre.
Pelo menos é assim que eu penso hoje!

Sanzalando

1 de junho de 2010

apenas me deito

Deito-me na areia da praia, banho-me de sol esquecendo recomendações e outras oratórias, penso nas infinitas frases que já sonhei, disse ou apenas imaginei sobre ti, de ti ou contigo e tendo dizê-la, uma apenas, em voz alta. Todas me parecem ter sido tão poucas que não consigo escolher uma.
Acho que fico no meio de dois mundos, o quase adormecido e o real. Deleito-me em busca de uma cor corporal que contradiga o vazio impuro do meu estado de alma.
Deixo-me torrando ao sol. Frase a frase. Uma, duas três. Meia dúzia. Afinal de contas eu sou o caminho do meio. Entre dois mundos eu prefiro o terceiro. Digo frases repetidas que deixam de ser minhas. Não sou dono duma deixa, dum verso ou dum parágrafo.
Deito-me na areia e suavizado pelo gélido zulmarinho me afogo na tua imagem sem legendas, sem palavras, silencio misterioso que me rodeia.
Deito-me contigo, apenas.

Sanzalando