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1 de novembro de 2013

57 - Estórias no Sofá - João, um adiado

Conheci João Justino num botequim daqueles escuros das esquinas mal frequentas. Meninas boas das famílias más com meninos maus das famílias boas trocando cacussos entre sorrisos, cervejas entre beijos e outras coisas que a hora da escrita não deixa nem pensar, quanto mais escrever. Mas ali estava João Justino a um canto. Solitário. Sempre aparentemente triste e mais ou menos com um olhar adiado. Me disseram que todos os dias ali era o lugar dele. Lhe perguntei quem era, já que eu era o aparente novato naquele lugar. Digo isto porque o meu à vontade nada tinha a haver com as deambulações que eu via à volta. O João passava também por novato, não fosse a deferência com que todos o tratavam ou cumprimentavam. Ele me respondeu secamente de João Justino com ponto de exclamação a vincar que eu não devia mais lhe falar. Mas insisti com a minha ideia que sou novo nestas andanças de coisas da anoitecer e lhe rematei: quem são todos estes barulhentos e sem vergonha.
Me olhou como que a tirar medidas. Cara fechada como que a meter medo e me disse num sopro, que mal tive tempo de escrever ou decorar:
- São pessoas tristes porque cavam buracos dentro de si e se esmagam em qualquer possibilidade de fuga. São tristes porque ficam enrolados na vida e deixam de lado a poesia, o abstracto, as inverdades soletradas nos silêncios cúmplices do amor.
Com isto a minha mudez esbarrou no silêncio da lua cheia e todas as membranas que me seguram à vida vacilaram e quase desmantelava a minha sortida nocturna num suicídio de tristeza malparada.
Mas João me reanimou num outro repentemente vomitado sem respirar:
- São tristes porque as palavras morreram de falar e só existem buracos de conversar virtualmente. Por isso estou aqui neste canto a segurar buracos de um dia poder voltar.


Sanzalando

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