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12 de novembro de 2013

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Fui á caça 01-11-2003 01:20 Forum: Liceu Américo Tomás

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Hoje fui á caça. 
Quer dizer, me levaram no JEEP para o meio do mato. Também não era assim muito mato. 
Sabes, mermão, a minha mãe tem um Mini Morris 850, por isso não costuma me levar para além do aeroporto. Por motivos que não vos digo, nunca foi a Porto Alexandre no carro dela, nunca passou do estádio do Benfica. No outro lado só foi até à Kipola, em dia de peregrinação. Também não sei se algum dia foi além da Torre do Tombo. Acho a minha mãe não sabe que a Amélia tem uma praia mais lá para a frente, donde acaba o mundo dela. Resumindo, sou mesmo menino da cidade e hoje fui ao mato. 
Se vocês pudessem me ver, iam ver a minha chapala toda cheia de alegria. Fui à caça! Há uns dias vi o Beto Reis com um leão no seu Land Rover. Tava todo morto mas era lindo, imponente, magestoso. Eu só lhe tinha visto de fotografia e de ouvido. Eu ouvia as estórias na Oásis do Tó Kuribeca, do Sr. Miranda, do Turra e sei mais quem e ficava de boca aberta como que a pedir mosca. 
Mas eu hoje fui à caça. Fui com o Tó Kuribeca, o sr. Júlio Santos, a filha dele e o Ferrão. Fomos à caça. Me levantei ainda era noite e parecia eu ainda não tinha dormido tudo mas que não importava. Tava cacimbo mas eu também não me importei. Eu estava quente, eu não se via mas ardia que até pensei ia explodir de alegria, assim num rebentar parece sai fitas do carnaval. Passei na Kipola, passei o Giraul, eu já tava a andar bué, mas queria lá saber. Eu ia para a caça! Chegamos ao mato, não era a floresta do Maiombe, mas era mato cerrado para mim. Se me deixassem lá ainda hoje podiam andar à minha procura. Eu estava no mato. Comecei a ver Gazelas. Tão bonitas aos saltos. Não era Bolshoi, era melhor. Tantas e tão lindas. Eu adoro isto. Me deixem ficar aqui. Eu sento ai na pedra só a olhar nelas. Tem Zebras ali. Não, eu gosto mais das Gazelas. Uma Impala. Tito puxa duma arma e pum. Impala ao fundo, assim parece estou a jogar nas batalha campal, num campo parece não tem fim. 
Que arma tão pesada. Isto deve dar cabo dum tanque de guerra, disse eu atrás duns olhos de arregalado. 
Todos se riram. Que importa. Eu estava na caça. Eu estava feliz. Fomos seguindo umas pegadas. Era disto, não era daquilo. Quero lá saber, a mim parece é mesmo marca dum boi que passou ali e não tem palácio à frente. Me levem só. Cada vez tinha mais mato. Ué! ali tem deserto. Ficamos aqui a dormir. Saca da Impala. O Tó começou a descascar a Impala, a cortar a carne. Os putos foram apanhar lenha. Que grande assada. Me deixaram beber uma cerveja. Ué, tou grande! Tava a começar a ficar escuro e se fez um jogo. Só vale matar coelhos com 'supositório' - ele tem que estar a correr e dar tiro por trás. Me deram uma 22 qualquer coisa. Eu tremia com o peso, da responsabilidade, se entenda. O primeiro pum e coelho já tá, outro pum e coelho vira. Minha vez. cadê coelho? 
- Tá ali um, pá! toda a gente grita parece eu sou cego.
- Onde, Onde Onde? Já vi. Tá parado e parado não vale. Foge sacana. 
- Não digas isso e dispara. 
- Não senhor eu jogo limpo. Mal sabia eu que ia ser sempre assim.
Atiro pedra e ele fugiu. Parece que ainda tou a ouvir o riso dele na gozação comigo. Nunca vi coelho rir mas imagino desde esse dia cada vez que alguém fala em coelho.
- Ali tá outro. todo o mundo gritou a me orientar no mundo real-
Fechei um olho e pum. Quando abri os dois olhos eu vi uma coisa aos saltos. Me disseram para ir buscar. Eu fui! E ele saltava. Puxei o pé atrás e záz. Ainda hoje tenho a cicatriz no dedo grande do pé. Nunca mais vi o coelho, mas não esqueço as estrelas e os passarinhos que vi. Acertei com o dedão numa pedra. 
Mas, meu irmão, eu fui à caça. Fui com o Tó Kuribeca, o sr. Júlio Santos, a filha dele e o Ferrão.
Não era Março e também não chovia. Mas eu fui à caça, uma vez na minha vida.


Sanzalando

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