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15 de maio de 2022

69 - Estórias no sofá - ganancia e beleza

A ganância crescia cada dia mais um bom bocado e a sua essência passou a ser um lugar escuro e frio, uma cave imunda dum sub-mundo de trevas, sustos e outras cinzentas e obscuras sensações. O seu único objetivo era acumular riqueza sem olhar a como nem porquês.
Ela porém, cada dia mais linda e por outro lado irradiava luz que até iluminava o mais limpo dos dias. As suas palavras eram sucesso e o seu nome foi reconhecido, não só pela técnica com que pintava os lugares e as personagens, mas também por seu grande espírito altruísta e voluntarioso.
A Terra fez seu trabalho e acabou afastando as duas almas que até a certa altura eram gémeas, apesar de suas diferenças. Antagonicamente ao esperado continuaram a se amar como no primeiro dia, sem se falarem, sem se tocarem, nem mesmo com o olhar.
A vida de casal era um solitário caminhar para cada um. Um desencontro de almas agarrado pelo profundo sentimento do amor.
Mas a vida na terra tem destas coisas e ele faleceu com um coração emaranhado e uma aura sombria. Destinado ao inferno fatal, aqueles fogos intermináveis de sombras e gritos dos contos infantis de outrora. Nunca se lhe viu arrependimento de suas ações. 
A única coisa boa que restava nele era aquele imenso amor que sentia por aquela doce menina das letras e parágrafos de doçura intelectual.
Muitas das suas promessas ficaram por se cumprir e muitas transcenderam além da morte, na memória dos prejudicados, dos infelizes cruzamentos na vida com tal personagem
Ela continuou a sua pontualidade e com desejo ardente esperou pela vez dela rumar ao infinito tempo. Recordava-o todas as manhãs mesmo sabendo que ele não iria tocá-la, não iria beijá-la e poucas vezes lhe dirigia a palavra. E ela não podia tocar-lhe a farta cabeleira, afagar o seu rosto numa carícia que fazia anos estava presa no seu gesto contido.
Como ela sentia falta dele, perdoou-lhe todos os seus erros; ela imaginou-o a beijá-la na testa, a olhar-lhe nos olhos, a sorrir-lhe. Ela só sentiu o gesto, sem sentir o calor daquele beijo que não ultrapassava a sua capacidade imaginativa.
Uma verdadeira história de amor de dois mortais incompatíveis, que sem dúvida haviam superado a barreira do tempo e do espaço.
Para ela todos os dias eram um 14 de Fevereiro, mesmo que o céu amanhecesse tingido de cinza, raios e trovões. Mesmo com a morte dele, sobrevivente loucura, continuava a ser o seu dia 14.
Ela, com todos os anos à frente, levantava-se da cama para ir ao lugar onde selou o pacto com o amor de sua vida.
Sentada sob uma mangueira e protegendo-se da chuva torrencial com seu guarda-chuva vermelho ou dos intensos calores de verão com a sua sombrinha rendilhada, ela honrou aquele pacto de amor sabendo que ele não chegaria, que não sentiria os seus beijos e suas palavras nunca lhe seriam dirigidas.
Um dia, seguindo a habitual ritual, sentou-se e esperou, porém tirou do bolso uma folha de papel milimetricamente dobrada onde na noite anterior, havia escrito um poema.
Ela começou a lê-lo e de repente o céu parou de chorar e um sol tímido se deu a conhecer. Não havia tempestade tropical nem calor infernal perante tanto amor.
O vento começou a soprar dando vida à natureza novamente, os ramos dançavam suavemente e olhando-se de longe parecia a mangueira estava a dar pulos de contente. 
Ela deixou a página com o poema no banco e fechou os olhos como que a deixa-se embalar pela musicalidade das folhas. Quando ela os abriu, a mangueira reluzia mais que a luz dela e ele estava lá, sentado ao lado dela, olhando para ela com a alma nas mãos.
Um beijo caloroso selou o encontro e eles se levantaram e numa verticalidade surpreendente subiram para lá dos céus e até hoje ninguém mais os viu ou os ouviu.



Sanzalando

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