Me sentei no topo da falésia a olhar o zulmarinho e me deixei navegar pela minha estória de vida. Na agitação deste dia a dia actual, onde a tecnologia domina o tempo de nada fazer, eu me lembro da alegria de brincar na rua, de desvendar o segredo da felicidade, das risadas infantis e dos jogos que brincávamos, alguns criativos e outros mais físicos. Essa recordação torna-se agora o palco da minha memória e o tempo da diversão genuína.
Foi na minha rua que os vizinhos se tornaram meus amigos, o estrada o meu campo de jogos, o passeio a minha pista de corrida. As gargalhadas e os gritos infantis eram a banda musical que abafavam o ruído dos patins, as caneladas dadas sem querer ou de propósito, o palavrão era arma de defesa ou grito de dor. O futebol improvisado com balizas marcadas com chinelos ou outro qualquer adereço, transcendia qualquer jogo dos actuais serões de televisão. Jogar à macaca mostrava a destreza, a flexibilidade e o equilíbrio, para além da mão certeira para acertar no quadrado querido. Tudo servia para celebrar a genuína amizade e camaradagem. Brincar às escondidas ganhava contornos de mistério conforme íamos ganhando idade, autonomia e coragem.
O simples facto de correr livre, sentindo o vento na farta cabeleira que então usava, era uma fuga revigorante comparado com a fuga digital de agora.
Ao entardecer, na hora cor de laranja, com o sol a se despedir, os tons quentes a se transformarem em escura noite, a rua tornava-se misteriosa e descompromissada, dando lugar ao sereno diálogo de fim de brincadeira, ao resgatar de estórias e anedotas criadas, ou ouvidas e contadas, que terminavam com o grito de jantar.
Brincar na rua não era apenas uma actividade física, era uma celebração à amizade, comunidade e simplicidade.
Aqui sentado, longe de écrans iluminados me proponho redescobrir as minhas raízes, os meus tempos de crescimento, as minhas amizades conquistadas, na rua que era minha.
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