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24 de abril de 2005

Hoje é vespera de amanhã

"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Hoje é véspera de amanhã Hoje, 17:03
Forum: Conversas de Café
Senta aqui, mermão, enquanto te conto uma estória de amanhã que pode não ter existido, porque hoje é só a véspera de amanhã.A um dia, outro se segue. Um corredor de dias assim em fila, parece a formiga no carreiro. Acaba um dia e se encosta a cabeça na almofada e fica mesmo só a brezzzzzzzz da cigarra, ensurdecendo os ouvidos que mais não fizeram que se ouvir a si mesmo. E assim como num repente chega outro dia. Vai sendo assim numa corrente sucessiva de presentes, de hojes ocos.Beberricando aqui e ali, preenchendo vazios solitários, monólogos monocórdicos e sonolentos.Manda vir mais outras para lubrificar a goela.Um livro que ficou mais um dia por abrir, um disco que não saiu da capa, um sorriso que ficou por dar, um abraço adiado. Um carreiro de presentes inertes com cheiro a bafio, esverdeados de bolor e sabor acre de azias digeridas.É assim um dia de Njau. Sabe que nasceu, foi criança mas não sabe onde e nem o que fez. Vadiou, disso se lembra. Escola? Aquela coisa que tem um patrício a botar falação sobre coisas que não viu? Vagamente parece ter uma ideia assim como penumbra nos pensamentos vagos. Sabe que sabe alguma coisa que não viu. Mas sabe de muito a que chamam vida vivida, aquela coisa mesmo sentida na carne, na pele. Já andou a ver um dia na vida de carpinteiro, quis fazer crescer a obra partindo do nada. Um dia a seguir ao outro, ripas, barrotes. Formas geométricas, perfeitas. Mas as suas mãos não foram feitas para isso. De tosco em tosco até ser convidado a dar à sola. Foi viver o dia na oficina dos carros, usando fato azul que preto mais preto já era. Mãos encardidas deixando marcas em todos os cantos e curvas como que a dizer que ali passou Njau. De marca em marca até sentir o céu como tecto e companheiro de todo o dia ou noite. Vagabundeou de bairro em bairro, de cidade em cidade, fez de tudo que o seu corpo podia. Viu seu corpo mudar, ganhar contornos de gente, pêlos crescendo, voz masculinizando. Aprendeu com mais velhos estórias da guerra, estórias da sobrevivência, lutou com o corpo em fugas, da polícia, da tropa de uns e de outros. Tirou mesmo o curso da sobrevivência na faculdade das milhentas ruas que calcorreou. Viveu cada dia como se fosse o último, medo de amanhã não ser dia de sorrir para a vida.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

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