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22 de fevereiro de 2006

Uma estória verdadeira(64)



Noite alta e hora de voltar para a caminha. A noite estava serena. A trovoada parece tinha desaparecido. Bom dia vai estar amanhã para o Pic-Nic.
Mais uma noite que foi curta, mesmo não sendo curta como as outras. Mas há muito que ver e ver com olhos de estar acordado. Não ver só porque ver faz bem e coisas dessas. É ver com o sentimento todo. Mas o raio da manhã continua cinzenta. Esse gajo que controla a chuva está a gozar comigo ou quê? Perguntei eu dentro de mim sem esperar resposta mas a se notar pelo tom eu estava mesmo zangado. Estava assim como a cair as gotas de um vaporizador e se a gente pensa que não molha é tolo porque ela acaba por molhar mesmo. Alguém toma a rápida decisão de almoçamos aqui, o pic-nic, sim porque lá com esse molhar não vai haver formigas e pic-nic sem formigas não vale, e depois agente se manda em busca de frescura para os olhos. Ver e ver o que se conseguir ver. Porque eu queria ver era mesmo tudo. Os três carros se põem em fila indiana, que raio de nome para se estar aqui, mas pronto foi assim que seguimos viagem. Destino inicial a divina Humpata. Terra de recordações, mesmo que rocambolescas, com casamentos sem convites, metades de bodas saídas pela janela para mais tarde enfardar. Coisas de putos que noutras eras eram assim como frequentes e davam, o que agora dizem, que era adrenalina mas que naquele tempo era mesmo só malandrice. Passeio na vila. Igual ao que a memória tinha registado. Seguidamente o destino passou por uma estrada alcatroada e ladeada a espaços mais ou menos certos por eucaliptos que se não são seculares pouco devem faltar. Seguimos por meio deles sentido toda a humidade do lugar. Divinamente belo este caminho. Onde é que vai dar mesmo? Tem calma. Vive o agora e deixa o depois para depois. Conselho seguido e lá fui apreciando a paisagem e dizendo se houve paraíso esse lugar é aqui. Parámos num portão fechado com um guarda à porta. Para entrar tem de pagar. Sim senhora. E quanto é? 200 e toma o recibo. Pensas que é esquema? Não é não. É organização para não virem aqui estragar este paraíso. Gostei pois claro que gostei. Estávamos a entrar assim na estação zootécnica, Entrámos com recibo em papel timbrado e tudo. Turista mas não vandalista. Novas recordações de outras eras. A azáfama agora é que era diferente. Vais ver que é por ser domingo. Umas cabeças de boi vistas daqui não deram para contar mas eram assim como que poucas depois em comparação com as que íamos encontrar mais lá na frente. Passamos o casario onde perduram as tabuletas a dizer o que é cada casa. Currais e canteiros com aspecto de qua há quem anda aqui a dar o litro. E nós seguindo viagem. Andámos já sem alcatrão. Poças de água indicavam que a noite também tinha sido boa aqui. Caminhávamos nos trilhos ou fora deles conforme dava mais jeito por causa não só das possas mas também das pedras. Aqui é mesmo o paraíso. Já me estás a ver ali, numa casinha no cimo daquele monte, um VSat, um telefone, um computador e eu estaria a ser um candidato ao Nobel da literatura. Aqui era mesmo onde eu queria ficar e para sempre. Já sei que vais dizer que eu assim parecia um fóbico social e coisas dessas. Mas não. Há alguma coisa melhor que a paz de espírito? Acho mesmo que é que eu estou a precisar e aqui eu sei, sinto, que encontraria isso. Olha só aquela represa pequenina. Olha só como ela se enquadra na paisagem e parece que sempre fez parte dela. Continuámos por mais uns saltos e desvios até que se parou. Outra grande obra do Arquitecto está aqui a meus pés. Grito para todos ouvirem que é muito mais bonito que a Tundavala. Talvez seja fruto de que eu aquela já conhecia e esta desconhecia por completo. Bimbe se chama esta fenda. Grandiosa.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

8 comentários:

  1. Sem dúvida nenhuma. É aqui que as estrelas tocam nos nossos dedos.
    Boa fotografia, pena estar o céu um pouco nublado. Linda a cascata do Bimbe. Que contente estou de rever tudo.. E já não vou mais à sanzala ler, aqui lê-se melhor.
    Um abraço

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  2. Pois é....mas se eu mandasse tirava as nuvens, deixava os raios de sol banharem-me e então é que era o bonito para me tirarem de lá.

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  3. Fascinante Bimbe:

    Mistério e Sortilégio,
    Pureza e Quietude;
    abrupto abismo fendendo
    plácido platô.

    Monumental Paradigma da Vida.

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  4. ÁGUAS DO BIMBE

    divina, vinda
    dos céus
    para o platô;

    descendo os degraus,
    brincando,
    cantando a alegria
    da sua pura natureza, inquieta
    o tchicocólo que espreita;

    a caminho de todas as chitacas,
    de todos os rios e bocas
    da terra sagrada.

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  5. A AVENTURA

    Por entre mahanandimbas
    quis descer a fenda.

    Descer pelas róseas rochas
    do nosso planalto,
    em Chela alçado
    (que para os homens
    mais próprio sempre é descer...).

    Desço agora desta casa de gigantes,
    destes degraus trepados
    por valentes ilhéus
    como se a aventura se refizesse
    em movimento inverso...

    Desço em procura
    de raízes, profundas,
    das mães dos povos, dos avós.

    Junto ao fundo da fenda
    estarei mais perto;
    dos segredos,
    da Eternidade.

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  6. Mi desculpa JC!
    Mas hje tenho que aqui deixar um bjinho repinado ao Zé Frade , que é extensivo á Paula e ao Tiago...
    É só e apenas a nossa magia!
    Di

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  7. No platô, para lá do paredão,
    margem direita do precipício,
    tiveram avós e pais vida difícil.
    Muitas sementeiras de cereais,
    muitas canseiras, muitos ais,
    para ver crescer seu pão.

    Dia após dia, cedo escurecia;
    pela névoa cerrada anoitecia:
    o tesouro da água de rega,
    vinha lá de baixo da serra
    (prodígio anti-gravitacional),
    - seu pão, sua luz, o seu sal!

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  8. Também aproveito a boleia do teu blog para retribuirmos os beijinhos da Di...

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