A Minha Sanzala

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26 de dezembro de 2005

Uma estória verdadeira(25)



"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (25) Hoje, 19:54
Forum: Conversas de Café
Como eu gosto de ti, ó Luanda. Já conheço cada cartaz que tu tens em rua e em cada esquina. Já conheço os teus habitantes habituais nas horas de vender coisas aproveitando as velocidades vertiginosas dos tempos parados contados em centímetros por hora. Na curva apertada lá está o cartaz da cerveja Cintra dizendo que quem a beber se Cintra melhor. Verdade verdadeira não conheci até hoje um sítio que lhe tenha e já percorri vários mundos sem sair de ti, ó Luanda. Já lhes conheço um a um os vendedores dessa curva e já sabem que tabaco lhes compro e já lhes digo olá na hora de os ver e com o seu sorriso mais puro eles respondem com um olá de encher o coração. Vais ver me enganaram e eu sou mesmo é daqui e daqui parece que nunca sai. O sono está a custar de entrar e eu fico aqui deitado a rever todos estes cantos, todas as tuas curvas e rectas, todos os teus encantos e todas as tuas coisas que deixei de gostar ou nunca gostei. Me vem à memória estar sentado na calçada da marginal em verdadeira hora de ponta que é a qualquer hora do dia, e de costas viradas para a baía olhar os mais de muitos carros, desde os do tempo de antes da dipanda até aos que parece que saíram ontem da fábrica. Vidros claros e vidros escuros. Vidros abertos e vidros fechados, mostrando a existência ou não do ar condicionado. Lá vão eles na velocidade estonteante do pára arranca constante para além de irritante. A organização anáquica dos carros que até parece vão chocar frente com frente e me lembro que ainda não vi um acidente. Cheiro o fumo do escapes na mistura das poeiras que não consigo ver porque é que tem tanta se vejo sempre alguém a varrer as tuas ruas. Estou eu a imaginar que ela vem agarrada nas rodas dos carros que vem da volta da cidade, dos miles musseques que circundam a cidade, casas de adobe com parabólicas e carros de vários modelos e anos que depois entram na cidade trazendo a areia das suas ruas para as ruas da cidade do asfalto. Penso sem ter a certeza do que penso. Penso na vontade que tenho que o sono venha e em vez dele vem a recapitulação dos dias anteriores. Agarro o livro como que com vontade de o ler, mas cada linha que tento ler rumo em direcção ao que penso e que não encontro letras. Desisto desta tentativa de chamar o sono. Preocupa-me deixar este canto. Preocupa-me não estar já no outro canto. E ainda há tantas voltas a dar na cidade grande que me engole nos seus engarrafamentos. Será que eu dei trabalheira e agora vou partir para dar trabalheira noutras paragens? Sono vem depressa pois está-me a parecer que daqui a pouco estou a entrar em delírio. Vais ver não durmo na preocupação de sair e ficar. Desconsigo deslindar deste enigma. Voltas e revoltas na cama que tem tamanho de campo de futebol. Grito em silêncio pelo sono. Amanhã logo desvendo o enigma e sigo o curso natural do meu rio, sem barreiras, cheias ou secas. Já não estou a seguir a tabela pré-fabricada no antes do ir. Vem sono e deixa para lá esta preocupação. Acabo por adormecer sem saber no que estava a rever neste filme de encantos e desencantos.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

2 comentários:

  1. Carranca
    Desculpa-me se estou a repetir-me. Em 2006 será meio século. Está na altura do livro. Mesmo quando sais do carro não ficas sem pensar como alguns cefalópedes que conhecemos de alguns kimbos. Informação: Cefalópede é um animal que tem os pés no que lhe resta daquilo a que se podería chamar cabeça. Sim, porque os animais que andam com os pés na cabeça são os piolhos.
    Fifer

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  2. e tu a insistires. Olha se me meto em trabalhos pensativos...ainda sobra para ti

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