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28 de dezembro de 2005

Uma estória verdadeira(27)



"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (27) Hoje, 20:05
Forum: Conversas de Café
Depois de devolver o cartão da lapela e receber o documento novamente é hora de voltar na Maianga. Arrumar as coisas, as toneladas de coisas que amarfanhadas em mala vieram desde lá do fim do zulmarinho e que aqui se juntaram a outras coisas. Tem de caber tudo que eu não gosto de sacos, saquinhos e saquetas. Arruma-se tudo. Uma lágrima teimosamente desliza na cara. Já é saudade? Tristeza de deixar este refugio que foi de mais estrelas que qualquer hotel do Dubai, de qualquer outro sítio do mundo?... Não posso mostrar esta minha face. Secamente é mesmo como eu sou. Frio neste calor de muitos graus. Mas eu sei que depois no outro kimbo vai que ser mais igual outra vez. Quando for hora de mudança vai ser mais igual que nem outra vez. Que é que me está a dar? Tem juízo pá! Se arruma coisa a coisa numa vagarozidade que nem parece de quem detesta fazer malas. Camba que me veio buscar já veio. Sorriso nos lábios contrastando com caras que ficam. Abraços interligados com silêncios. Agradecimentos misturados com segredos de gostar muito. Hora de partir num fim de tarde que ainda não começou. Vintena de quilómetros vai ser a viagem. Um saltinho eu estou aqui. No caminho nova passagem no Jacaré para levar o definitivo boné que já estava à espera.
Lá vou eu nesta fila interminável de carros que vão na minha frente. Olho para todos os lados. Decoro rostos. Filmo com os olhos paisagens, recantos, árvores seculares, passeios, buracos. Num misto de tristeza e alegria. Mudanças são sempre dolorosas mesmo que elas não tenham significados no dia a dia. Maldito vício da habituação. Tudo hoje me parece mais cinzento. Os rostos não me mostram os sorrisos. Sabem eles que eu vou de mudança?
Assim, viajando no corpo e pensamento fiz a viagem de pouca distância métrica e muita distância temporal.
Já passei por aqui muitas vezes, vi muitas vezes as casas, as lojas, as muitas pessoas que usam a estrada que nem passeio porque passeio foi coisa que o vento levou, e muita coisa parece que estou a ver como se fosse a primeira. É porque vou meditando ou é porque a atenção hoje está mais afiada devido à humidade que teima estar nos meus olhos castanhos?
Forço um sorriso. Sai a coisa mais desoriginal que possas ver. Hoje parece que tou mesmo com prisão de ventre. Não vale a pena esforçar caras ou rostos. Uso o meu mesmo. Amanhã ou mais logo sei que vou estar igual a ontem. Sentimentos mistos que resolvem existir só mesmo para baralhar a cabeça das pessoas que sentem.
Eu lhes gosto e eles sabem. Para quê mais ficar assim. Aos novos cambas eu lhes adoro e eles também sabem. É mesmo melhor esquecer que este fim de tarde existe. Esta mistura de saudades, gostos, alegrias e tristezas afinal acompanham sempre cada partida. É mesmo melhor desapagar este fim, de tarde do calendário da tua visita.
Desfeitas as malas, parece mesmo que eu sempre estive aqui. Doces de gente me recebem. Doces de gente me ficaram lá atrás. Me sento debaixo da Mangueira na espera que caia uma. Eu me prometi comer a primeira que vier de lá desde cima dessa grande mangueira que está aqui à espera que eu lhe chegue com a mão e eu desconsigo por completo. Melhor mesmo é ficar sentado à espera. Primeira comida foi logo comida que nem teve tempo de se habituar a estar na terra relvada. Cumprida a promessa foi hora de ir no bar comprar uma coisitas para o jantar. Se aproveita para dar uma vista de olhos na piscina e se verter logo ali uma bem geladinha e estupidamente loira. Ou vice conversa. Parece aqui vou ter engarrafamento no telemóvel. Ele toca e toca outra vez mal eu desligo.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

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