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21 de março de 2007

Me apeteceu hoje ver o zulmarinho

Quando abri os olhos depois de ter dormido, vi que o sol estava ali a meia haste como a dizer-me para ir ver o zulmarinho. Lhe obedeci num sim nostálgico.
Ele marulha aqui igual que nem lá, mesmo que a cor e o seu calor não sejam mais parecidos. Também é verdade que ele arrefece de tanto andar para chegar aqui.
Me sentei na areia porque a brisa parecia eram canivetes a me cortar a pele a cada passo que eu dava. Me aconcheguei em mim e colei os olhos no vai e vem das ondas, embalado no marulhar.
Como eu gostava de estar agora com as pessoas que fui perdendo o contacto ao longo do tempo.
Lembro-me assim num repente do Rui, o filho da D. Beatriz Miranda, que foi o primeiro grande amigo. Brincávamos muito e não me lembro se no meio da nossa amizade alguma vez existiu uma conversa. Na verdade também ainda nem sabíamos falar as palavras mais sérias. Tudo era simples. Uma qualquer coisa apanhada na rua era o necessário para o início de uma brincadeira nesse mesmo lugar. Ambos tínhamos muito jeito para jogar à bola, só jogando quando a bola era mesmo nossa propriedade ou faltava mais alguém para dar certo e não dizerem que ganharam porque tinha mais ou menos um, como se nós fizéssemos parte dessas contas. A bola nos atrapalhava a ambos e nós atrapalhávamos os outros. Mas nunca falámos sobre a importância que isso teve nesses tempos.
Recordo o Zé, filho da Fernanda Corado, eléctrico, culto, sempre a pensar onde ia aprontar mais uma das dele. Não me recordo se alguma vez falámos das coisas que não as da rua. Lembro-me do Pedro, filho da D. Fernanda, professora na Escola. Lembro-me do criado dele, o Acácio, que num dia de nevoeiro fez ao contrário do D. Sebastião. Desapareceu. O Acácio era mesmo bom de jogar à bola e tinha muita força. Acho mesmo, embora nunca lhe tenha visto, ele fazia musculação nas escondidas da gente. Não me lembro de nenhuma vez termos posto cara séria para falarmos. É verdade que foi com o Pedro que eu fui pela primeira vez à Praia Azul. Era longe ali tão pertinho.
Me veio à memória assim num repente o Douglas, filho do Santana, que sendo mais novo entrava nas nossas brincadeiras com a simplicidade dos seus verdes anos.
Passam-se imagens de festas de aniversários em que as casas pareciam não ter espaço que chegue para acolher tanta alegria que se juntava. As portas ficavam abertas e era um entrar e sair, o buscar da gasosa e doces e sem perder tempo voltar para a brincadeira de rua.
Recordo, recordo, recordo. Os nomes passam na minha memória como o genérico de um filme.
Recordo que a única grande responsabilidade era fazer os trabalhos de casa. Feitos a correr para não perder tempo de rua.
Brincar, brincar, brincar.
Era doloroso, angustiantemente raivoso, ouvir os berros da minha mãe a me chamar para o banho. Nem me apercebia que se passava igual com os outros nesse mesmo tempo.
Como era bom poder bater na porta dos outros e desafiar para as brincadeiras de rua.
Como foi bom ter estado sentado a ver o zulmarinho nos primeiros raios de sol.

Sanzalando

2 comentários:

  1. Gostei. Às vezes é preciso parar para pensar e recordar. Ajudaste-me a lembar. Que será feito do Douglas?
    WF

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  2. "...ele arrefece de tanto andar para chegar aqui."
    Continuas em forma!

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