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4 de março de 2007

A noite mais longa de Fevereiro

Enquanto aguardo que nasça o meu sol, vou divagando no vagar das letras, das frases e parágrafos.
Hoje, no ir buscar de coragem ao fundo do sótão da alma, fui ver o final do zulmarinho e lhe falei as coisas soltas que tinha necessidade de lhe dizer.
Nada lhe mudou, as mesmas ondas, o mesmo marulhar, a impontualidade das suas forças no galgar espreguiçado sobre a areia das mil cores.
Lhe falei da minha noite maldita. Uma noite inteira em que me debrucei sobre mim e me falei as coisas que não estava preparado para me ouvir. Passava uma semana certa da quarta-feira das cinzas. Devia ser a quarta-feira dos infernos.
Nessa noite fui folha de cálculo, base de dados e processador de texto. Essa noite fui um escritório sobre a minha cama. Tinha ligação à Internet, intranet e outras ligações mais poderosas à capacidade fria de análise.
Nessa noite tomei o pulso ao impulso e friamente falei-me, escrevi-me e ditei-me.
Somei encontros e desencontros, valorizei palavras, exponenciei conselhos.
As horas passavam lentamente como que a dar-me tempo de ter tempo para fazer todo o trabalho de casa.
Não tinham passado três semanas mas pouco faltava e eu já estava a ver, já estava a par da realidade. Adio ou decido já? Para quê adiar o inadiável?
A minha actividade é cara. Tão cara que quem tem o poder de a comprar tem tempo de ir fora, ali ao virar da esquina quase. Só mesmo o inadiável pode acontecer. E se não acontecer? É um risco.
Todas as palavras ouvidas foram somadas. Desde o homem de rua de quem me tornei amigo por tantas vezes nos termos cumprimentado, até ao topo de uma das hierarquias.
Mas eu ali, onde estava desde as 8 e picos da manhã até às tantas da tarde ou noite, sou útil, necessário e se calhar fundamental. Mas vou viver mesmo mais de quê? Estou a adiar porquê? Se não for agora vai ser numa das próximas semanas.
A minha actividade é exageradamente cara.
Me avisaram que não podia baixar o preço que a folha estava escrita, que era assim e mais não podia fazer. Me intimidei, me amedrontei e nada podia fazer. Eu estava a dar os primeiros passos, como um bebé que aprende a andar.
Vou fazer mais o que e mais como?
Nasceu o sol na caótica cidade. Comecei a ouvir os primeiros pregões. A decisão não estava definida. Havia ainda mil papéis por arquivar na Torre do Tombo do meu cérebro.
Na hora de que se tornou hábito ali estava a caminhar para o meu destino. Fui logo falar com o Director. Lhe expliquei-me, lhe falei da minha noite, lhe contei as minhas dúvidas.
- Estás a ver claro, cristalinamente. me disse do alto dos seus muitos anos de experiência. Não acrescentou mais nada e se pôs a olhar-me, como a dizer que a decisão não era de mais ninguém se não minha.
Fui fazer o que tinha combinado fazer. Olhos inchados de uma noite não dormida. Correu bem pois eu não estava nem cansado nem tinha a mente turva. Sentia-me como que perfeitamente bem.
Acabado o programa é que foram elas. O peso da noite tinha acabado de cair sobre mim, a dúvida era pesada demasiado para o meu fragilizado corpo, a mente explodia em premissas.
Num impulso, telefone em riste, desato a telefonar aos amigos. Comuniquei-lhes a minha decisão. Não adio.
Sinceramente não ouvi as respostas do outro lado da linha. Talvez porque as não quisesse ouvir, talvez porque o impulso era mais forte que o pulso. Não gravei os sins e os não porque eu não estava a referendar nada.
Depois à noite, como que aliviado, dormi um sono recuperador e não voltei a pensar no assunto porque decidido estava.


Sanzalando

7 comentários:

  1. Carlos,

    Bemvindo de volta a Portugal ...!

    Um abraço da Matilde e Cª!

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  2. As tuas palavras se libertaram finalmente e estão mais bonitas que nunca. Não sei se foi do sabor do cajú, se foi o regresso à alfarroba, se foi o ocre tropical,... mas que estão, TÃO!
    Só pode haver uma explicação, enriqueceram nestas idas e voltas!!!
    SJB Uliude

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  3. O sonho comanda a vida, meu amigo.
    Abraço
    LenaJV

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  4. Viva Carlos:

    Analisa bem os prós e contras e toma a decisão que achares mais razoável para o futuro.
    Um abraço,

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  5. É pena!... Perdemos(-te).

    Mas eu tanto avisei!...
    Do meu jeito, mas era para entenderes que a experiência de quem conhece é mais sensata que um sonho romântico e desvairado.
    E tu gozaste e criticaste-me de eu não ter esperança.
    Respondi-te que nunca tinha deixado o terreno e que tinha visto TODAS as mudanças. Tinha lutado e tinha percebido que podia ser engolida pela própria esperança. O meu cérebro (também)pensa.

    Adaptando Agostinho Neto (na Angola que ele não queria ver assim, entregue ao capitalismo selvagem da ignorância), digo: Eu já não espero ser aquele(a) por quem se espera...

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  6. Meu amigo JC...Consigo imaginar essa noite...
    Às vezes, muitas vezes, o sonho é maior que o mundo.
    O que importa é que continues a sonhar...afinal que importa o lugar, onde , quando, se se tem um coração assim... enorme, uma alma sensível, "o sol na algibeira" e um sonho lindo?

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  7. gomOlha que tu , outros tantos como tu, e outros como nós, pouco a pouco ( intransigentemente),
    no nosso tempo ou depois dele , hão-de conseguir mudar o rumo do (ainda próspero) desperdício mental.

    Um abraço

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