Adoro-me ver assim, caminhar por memórias e olhar o futuro. Gosto de imaginar as estórias que vivi com os olhos de hoje. Gosto de me ver assim. Riu-me com prazer da vida que vivi e da que tenho para viver. Ouço a máquina de lavar louça e imagino o meu passado lá dentro ensaboado, remexido, aquecido e enxaguado, limpo porém não esquecido. Sento-me no sofá e deixo-me levar por tantos anos atrás que já nem sei a que ano consegui ir.
Não me doíam os músculos das pernas, nem a região lombar. Eu saltava, pulava e dançava num brincar de rua. Não havia tempo a perder nem percas de tempo a pensar. Era a vida. Facilmente me deixo embarcar no sonho, patino rua abaixo, desliso no carro de rolamentos, bato às portas e fujo. Facilmente me transporto para o hoje e me vejo quase igual, porém mais selectivo, esquecidos os patins, sapatos kedes de boa qualidade e uma caminhada de alguns quilómetros, desconsctruidos o carro de rolamentos e construída uma bicicleta que me leva por quilómetros de puro prazer, trocadas as partidas nas portas vizinhas por animadas conversas de rua numa sã camaradagem com a vizinhança.
Regresso rapidamente até ao ano XPTO em que consegui a proeza de ir a pé até à foz do Rio Bero, sempre pela beira mar, e ver que aquele rio que às vezes inundava não parecia passar dum ribeiro que mal chegava ao mar. Foi uma ousadia e tanto um garoto franzino, aparentemente desnutrido porque esquelético, caminhar aqueles seis quilómetros, não os medi a não ser de memória, pela praia, passar o parque de campismo, o estaleiro e continuar por caminhos nunca antes andado, solidão plena, um aperto no coração e uma vontade cerebral imensa de lá chegar.
Mantendo-me nessa altura, já tinha cometido várias proezas após a ida ao Bero. Fui aos Morros Azuis e fui na Praia das Barreiras. Só com as pernas que tinha e os músculos que esboçava.
Salto para os dia de hoje em que facilmente vou por caminhos que nunca imaginei-me andar e limpo a cabeça de tralha acumulada, numa caminhada de sorrisos e uma resitência animica e física que nunca pensei um dia poderia ter. Eu era mais fraco que os mais velhos da minha rua, da minha escola, da minha existência.
Volto atrás na minha máquina de tempo, às secretárias do liceu, às respostas acertadas aos professores, às secas dadas ao Sr. Portela, chefe máximo do pessoal menor. Tudo passa no filme do meu tempo.
Hoje converso, sento-me e recordo e penso que amanhã contarei estórias de outro tempo sem ter a preocupação se inventei, imaginei ou as vivi. São as minhas estórias.
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