A Minha Sanzala

no fim desta página

23 de março de 2022

Tia Eugénia

Foi no dia 13 de março deste agora que estamos que eu fui comprar caranguejos para a tia Eugénia. Fui lá na Torre do Tombo e parece eu estava a adivinhar que o tempo passa na vida das pessoas até ao fim.Hoje foi o fim da estória da tia Eugénia. 
Assim, como não posso lhe ligar ao telefone eu vou-lhe escrever uma carta e esperar que os anjos lhe leiam lá no sítio para onde ela está.

Tia Eugénia

Começo por lhe pedir desculpa porque acho esta é a primeira carta que lhe escrevo. Mas eu lembro que a tia, desde lá do Lubango, escrevia para a minha mãe quase todos os meses. Eu sei que nesse tempo era outro tempo e até me lembro que a tia escrevia Mossamedes e não Moçâmedes como eu tinha aprendido na escola. Mas era assim que se escrevia antigamente e a tia continuou a escrever assim. A carta chegava e isso era importante. 
Quero também pedir desculpa porque cresci e deixei de a ver tantas quantas a via no nosso antigamente de criança, em que eu passava larga temporada na sua casa. Foi na sua casa que vi pela primeira vez uma máquina de lavar roupa e que não era a lavadeira que ia buscar. Foi lá que eu vi o velho empregado da tia a fazer formas para pudins com as latas de azeite usadas. Era uma maravilha a verdadeira obra de arte nas mãos dele, tia. 
Quero lhe pedir desculpa por não ser do Sporting como a tia nem Benfica como o seu irmão, meu pai.
Quero pedir ainda desculpa, tia, por não ter a acompanhado quando faleceu o tio Artur. Sou um sobrinho e afilhado deslavado e indesculpável.
Minha tia, foi de certo um dos melhores tempos os que passei na sua casa, que passeei na caixa aberta da Chevrolet, que fui na Senhora do Monte, que comi pudim de claras, que cortei o bacalhau na faca fixa ao balcão da mercearia da tia, em que eu fazia de ajudante do tio e que imagino a paciência que ele devia ter perdido. 
Minha tia, foram nove décadas que serviram para ensinar muita gente o que é ter amor à vida, ser feliz e fazer a gente, nós os outros, a ser feliz.
Acho eu, tia, que tinha muitas mais palavras para lhe dizer nesta primeira carta que lhe escrevo e que os anjos lhe vão ler, mas as lágrimas escorrem da cara para o papel e me turvam a vista. 
A tia tinha uma sensibilidade que fazia com que a gente só tinha uma maneira de olhar para si: com amor!
Conheci muita gente boa e a tia foi uma das melhores. Até já, qualquer dia, Tia Eugénia Carranca Alves

Sanzalando

1 comentário:

  1. Acabei de ler a carta que escreveste hoje à tia Eugénia, dia em que nos deixou. Concordo com o que dizes sobre a sua personalidade. Eu tambem passei na sua casa bons e alegres momentos, tambem, com o "sportinguista" Artur Alves e os filhos, todos meus amigos. Gostei de ler a tua carta. Tambem fiz um comentário ao teus escrito de 13 de Março. Abraço. W

    ResponderEliminar

Podcasts

recomeça o futuro sem esquecer o passado