recomeça o futuro sem esquecer o passado

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30 de abril de 2006

Domingo ao litro


Hoje , olhos fixos no zulmarinho, corpo descontraido, mente livre, vazia de sonhos, ilusões, fantasias, pesadelos, engarrafamentos de ideias. Hoje quase que não escrevia. Só bebia uma ou outra mais birra super geladinha e estupidamente loira. Ou seria ao contrário?
Querem saber o que estava a sentir? Nem senti um pingo de saudade.
Mas quem é que disse que a saudade se mede em litros.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

29 de abril de 2006

ENTRE A DÚVIDA E A CERTEZA




Que título mais entres aspas resolvi dar ao texto que hoje não me apetece escrever. Mas é assim que eu sou e que mais posso eu fazer?
Se por um lado tenho algo que se parece com o seguro e certo,por outra tenho a dúvida e a chance de viver um turbilhão de emoções alimentado pela energia que me transmitem as ondas do zulmarinho.E isso está a incomodar-me muito,pois não sei ao certo que caminho seguir para me sentir seguro.Quando estou quase a tomar uma decisão, acontece-me algo que me faz repensar a minha decisão e ver se é realmente isso o que eu quero.
Por um lado sei que a certeza é algo mais tranquilo, mais próprio para um acordar de meia idade a meio da manhã de um dia de sol. Afinal mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Porém, sinceramente não sei até que ponto vale a pena ficar a segurar na mão esse pássaro que se deveria quer livre. Talvez eu esteja a fazer com que ele perca uma oportunidade de seguir seu caminho em direcção à sua liberdade. Por outro lado, tenho a intermitente dúvida, algo totalmente subjetivo,mas que a minha intuição diz que dará certo. É uma questão de tempo.
Bolas, e se a minha intuição estiver errada? Em quem devo confiar-me? À certeza ou à dúvida?
Só conversei com uma pessoa sobre esta eterna e intermitente dúvida e, claro está, que ela me disse pra não trocar o certo pelo duvidoso. Mas e quem é que me garante que esse certo é realmente o certo da certeza absoluta? Quem me garante que amanhã o pássaro não encontra alguém disposto a abrir-lhe a gaiola e a deixá-lo voar no caminho da liberdade? E aí eu fico sem o certo e sem o duvidoso. Afinal de contas as certezas que temos na vida são tão poucas.
Oh dúvida cruel!
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

28 de abril de 2006

Fome de abraçar


Não tinha coragem de abrir os olhos porque sabia que o risco de desilusão era grande. Levantei-me de olhos fechados, prudentemente, e sentei-me à beira-mar, de costas para o mundo. Agora o sol batia nas minhas costas. Calor insuportável e o ventilador natural que costuma soprar a esta hora hoje teve falta de comparência e se noutras alturas não daria conta, hoje dou e não sei porquê. Abri os olhos apreensivo. Onde é que eu estou? A visão do zulmarinho, uma enormidade de espaço de portas abertas à minha frente, ondas ondulando sem ordem nenhuma, tranquilizou-me. Abri totalmente os olhos e serenamente levantei-me e caminhei até poder tocar nele com a ponta dos meus pés.No caminho, tropecei numa coisa mole, pesada, e desmoronei-me. Tinha batido com a cabeça numa resma de pensamentos desarrumados que anarquicamente tombaram dentro de mim. Soltei umas palavras obscenas. Está bem, apenas dois palavrões. Com uma diferença fundamental entre eles. O primeiro tinha uma entoação furiosa. O segundo soou-me débil e assustado. Eu estava com a disposição de despensar.
Curiosamente, apesar do susto, não perdi a fome de devorar este mar que me separa desse amor que às vezes está distante, outras vezes à mão de semear, frase mil vezes repetida por minha avó. Pareceu-me que estava há dias sem comer. Tal a fome de poder abraçar-te.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

27 de abril de 2006

Como é bom caminhar à beira-mar


Como é bom caminhar à beira-mar.
A caminhar temos duas soluções, ou se pensa ou se despensa. Não se ouve a cidade, não se ouve a praça cheia de crianças correndo e fazendo o barulho característico da sua felicidade.
Tarde ensolarada queimando as costas, água gelada desconvidadando o mergulho, pés de areia imitando botas.
Eu adoro esta beira-mar, mesmo sabendo que esse zulmarinho que rebeldemente me vem acariciar os pés com a sua espuma branca, me separa do sonho, da minha infância, que cada vez mais me engravida de ilusão e que me transmite, no som das suas ondas, as mukandas do lado de lá, como qualquer poesia dita por quem a sabe dizer.
Convenço-me de minha estupidez sonhadora, utopia de humano em busca de rumo. Faço contas, analiso métodos, procuro fundamentações pré-históricas do que não sou, do que não sou, do que nunca serei. Estirpo os meus olhos, os meus ouvidos e as minhas mãos e grito que tudo não passa de coisas infantis. Atiro-me ao chão de areia semi-molhada e mostro-me o vazio em que sempre estive: sem razão, alheio, infundado.
Como é bom caminhar à beira-mar.
Acordo sem abrir os olhos. Como um cego acorda, penso, tentando adivinhar o que realmente me tinha acordado. O sol a bater forte na minha cara, ou a fome ruminando no meu estômago?

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

26 de abril de 2006

Grãos de areia


Deito-me na areia fina. Olho cada grão como se fosse uma pessoa. Converso e lhes digo olás. Distribuo o olá a cada grão que a minha vista cansada consegue focar. Ele há grãos de todas as cores. Qual a estória de cada um deles? Todos eles parece querem falar-me. Todos em um só instante o que me deixa uma confusão auditiva, uma baralhação cerebral e desconsigo perceber o que me dizem. Mas eu quero ouvir a estória de cada grão.
Onde nasceu?
Como foi a viagem até ali?
Quantos pés já lhes pisaram em cima e eles nem um ai disseram?
Deito-me sobre eles na vã esperança de lhes compreender. Mas eu sei que cada grão tem a sua estória. Se assim não fosse como é que cada um tinha a sua cor que era diferente do vizinho do lado que se lhe pega parece tem íman?
Me esqueço que meu volumoso corpo se espraia sobre um milhão de outros grãos de areia. Nos dias de sol eles fervem que nem água sobre um fogão, nos dias de Inverno rebolam ao sabor das correntes que formam minis rios que correm para o mar.
Será que algum destes grãos nasceu lá no início do zulmarinho e veio na minha busca aqui no fim dele?
Eu quero ouvir todas as estórias desses grãos de areia que o meu olhar consegue focar. Falem um só de cada vez para eu entender. Assim, todos no mesmo momento me deixam sem alento.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

25 de abril de 2006

Procuro-te


Sento-me na areia semi-molhada ou semi-seca, conforme quem vem do mar ou vem da terra. Olho em volta e procuro-te num reflexo duma núvem, no estado sólido ou volátil. Converso-me, conto-me estórias que mesmo que não tenham acontecido não deixam de ser verdadeiras, embalo-me na bebedeira de sons e canticos que vêm das ondas. Procuro-te em cada grão de areia que se me cola nos pés. Quero-te ter aqui a meu lado. Sentir-te no teu perfume tropical, ficar suado na voragem dum amor irrepreensível porem não possível. Quero-te tanto que me afogo no meu querer, que me atropelo nas palavras que te quero dizer. Continuo a contar-te estórias sabendo que tu me vais ouvir. Mais cedo ou mais tarde porque o destino esta traçado e não há volta a lhe dar.
Tanto te procuro que um dia te vou achar. Estarás gorda e anafada ou divinamente bela? Que importância terá isso se fores tu?

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

25 de Abril Sempre

25 de ABRIL Sempre

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

24 de abril de 2006

Regressado ou Irritado?


Caminho ao longo das marcas deixadas pelo zulmarinho na areia fina e castanha desta beira mar. Olho na linha recta que é curva e penso no interior de mim. Navego-me nos sonhos e ideias, penduro-me num ramo de primavera e sinto o orvalho de uma lágrima que não saiu. Olho sem ver o ontem marcando num GPS o amanhã. Leio jornais ainda não impressos, página de anúncios não editados, procuro-me numa linha, numa foto. Levo-me ao longo da linha curva desta baía que é a vida marulhada pelo zulmarinho na busca do meu ponto de encontro.
A gente não quer só comida
É muito fácil ser-se pessimista. Um minuto de atenção na vida parva que tenho levado e eis que surge como um passe de mágica, o pessimismo e o desânimo.
Fiquei esta semana, que estive fora, com a impressão de que a minha vida tinha desmoronado. Como um castelo de cartas. Pesamos direitinho os ingredientes, bate-se a massa com carinho e paciência, unta-se com minúcia a forma, derrama-se para lá de vagar a massa cremosa e homogénea, aquece-se o forno na temperatura exacta. Quando se corta o bolo, surge a surpresa! Betão armado. Bolo cimentado é quase impossível de ser comer, difícil de engolir. Mas um recheio, cobertura de chocolate, geleia para acompanhar, e o bolo pode até transformar-se em receita holandesa, sempre ouvi dizer que bolo holandês é sempre meio duro.
Quando o desânimo e o pessimismo saem da cartola, fico sem vontade de preparar o recheio e misturar a geleia. Mesmo assim ainda dá para comer.
A dor, enxaqueca, com náuseas, aura colorida, às vezes vómito, gosto amargo na boca, foto fobia e sensação eminente de morte.
A causa, meu fígado, nervoso, ansioso, irrequieto, impaciente, louco por abraçar o mundo e fazer realidade todas as minhas impossíveis vontades.
A cura, dietética, psicológica, longa, permanente e provavelmente impossível, de tão distante.
A sina, acostumar-me a ela, como um faquir que se deita sobre pregos.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

13 de abril de 2006



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Meu Manifesto Temporário

Prezados Leitores, é com grande pesar que anuncio o temporário impedimento do autor deste blog, que se encontra em estado de completa letargia e entorpecimento permanente. Antes de sair, no entanto, deixo-vos uma carta que encontrei debaixo de um copo vazio cheirando a cerveja, ao lado da minha cama:

Para não deixar que as aranhas se apoderassem novamente desta minha velha garrafa CÔR DE AMBAR, deixo um texto que encontrei vasculhando os arquivos do lerdo computador da minha casa... Nem me lembrava que tal existia, sendo uma surpresa muito grande relê-lo. Tenho a certeza de que todos darão bons sorrisos e se alegrarão de terem tido a paciência de o ler até ao final

Manifesto do meu Movimento
Cap. I -
O presente movimento que agora inicío consiste em nada e coisa nenhuma. Apenas tem como principal elemento o mar e a cerveja, que, com outros coadjuvantes terão sua devida importância no momento certo. Devidamente deturpados os sentidos com os efeitos alucinógenos das brirras loiras e estupidamente geladas parte-se para a criação que, pelo ócio criativo e estado de embriagues múltipla, deverá ser cubista, dadaísta, surreal, futurista e de outras tendências de vanguarda quaisquer, a critério dos Leitores e afins. É importante também utilizar, os efeitos impressionistas e expressionistas. Sobre a cerveja é importante frisar que esta será a principal fonte de inspiração para a criação, de modo que as birras loiras estupidamente geladas assumam os sentidos do autor e distorçam a sua visão de mundo e entendimento sobre a vida.
Cap II -
O mundo é uma bola rodonda que roda sem parar. Ninguém sabe de onde veio e para onde irá. Tudo o que se disse a respeito da sua criação até hoje, é apenas especulação já que, ao que sei, não há testumunhas credíveis, vivas, para nos confirmarem. O mundo é uma coisa muito maluca que não tem explicação, bem como todo o universo, pelo que não percebo o trabalho dos Físicos e afins. Sendo assim o que me resta é a birra loira estupidamente gelada. Viva a embriagues e a deturpação dos sentidos!
Cap. III -
O Autor que, como ateu, agnóstico ou simplesmente descrente dos Mistérios e outras secretas ilusões, deverá seguir como religião o princípio do salve-se como puder. O princípio é bastante simples, mas se não houver entendimento de forma completa e aproveitadora, então desenrasca-se. É de suprema importância, já que para se inteirar completamente da forma desordeira e caótica com que se organiza este Movimento precisa estar em sintonia com o mais proveitoso modo de viver: aquele em que não dá dor de cabeça, preocupações, angústias, stress, dentre outras mazelas que atingem o homem neurótico e paranóico moderno.
Parágrafo ùnico -
Duma coisa se aproveitará de Fernando Pessoa
"O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que finge sentir que é dor
A dor que deveras sente."
Os versos supracitados não serão os únicos aproveitados do poeta português e seus respectivos heterônomos. Outras literaturas serão proveitosas para o Movimento, desde que não dêem muito trabalho a serem lidas...
Cap. V -
Local de peregrinação obrigatória: Angola, uma vez na vida, uma vez por ano, uma vez por mês, toda a vida.
Cap. VI -
O fundamento do Movimento é a sua não-forma. Não amorfa, mas sim não-forma. A palavra livre predomina pela praticidade e facilidade da composição, já que a maioria dos autores que aderirem ao movimento não têm capacidade para construir e nem sabem o que é uma obra literária. Dois quartetos e três tercetos também não podem ser de todo desprezados, são, aliás, extremamente aconselhados quando se quer falar mal e denegrir a imagem de prussianos insossos. A construção fica então a critério do autor. Se o poema estiver em prosa, mas cheio de poesia, e se a prosa tiver um sabor poético já está a contar.
Cap. VII -
Da temática abordada e como Assuntos recorrentes do Movimento: a vida ingrata, a vida injusta, a vida louca, a morte morrida, a morte matada, a morte desejada, impulsos suicidas, tortura intelectual, bom-humor, o amor e o sexo, amor adolescente, amor adulto, paixão, amor familiar, amor sem fins sexuais, sexo do bom, tudo o que der na real gana, tudo o que a letra a letra seja legível e entendível.
Cap. VIII -
Das nossas escrituras sagradas Venera-se apenas o Kama-Sutra. E só!
-Ah, que droga!
Já acabou?
-Eu não disse para gente comprar duas garrafas e sentarmo-nos à beira do zulmarinho em vez de estarmos aqui a escrever?
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

12 de abril de 2006

Uma estória verdadeira (90)

A gente acorda e vê que é o último fim de semana desta etapa que a gente passa aqui na capital. Vamos fazer mesmo o quê? Se arranja programa, aparecem amigos que se juntam aqui no Cacuaco e logo se faz um programa. Almoço no Lemos e lá fomos atravessando a Luanda inteira até a meio da Ilha. Mesa grande e vai que pedir comida do mar. Zulmarinho aqui tem sabor diferente e gostoso. Todos foram no peixe. Uns assim e outros assados. No fim, a gente sai do restaurante de gente boa e simpática com defeito de ser lagarto, mas não se pode ser perfeito, a gente encontra kandengues brincando com pneu empurrado com pau, que são dois e com óleo lá dentro. Se pede para ensinar e se aprende depressa. Gargalhada que a nossa perícia não é nem igual à deles, nas raviangas e bassulas que fazem nos buracos e pedras. Como tas a ver eu tinha de experimentar e consegui fazer uma volta no circuito imaginário e com duas de atraso em relação com os outros. Horas de empurrar pneu e eu só tinha aqueles minutos pelo que fiquei satisfeito comigo mesmo por ter conseguido dar a volta sem paragens. Não registei para a posterioridade porque tinha as mãos ocupadas e a concentração era muita. Tó do Puto tirou fotos mas se esqueceu de enviar pelo que não há registo visível. Regressados no Cacuáco foi para devorar umas dúzias dos infelizes que vieram desde lá de baixo até aqui fechados na caixa de esferovite e rodeados de gelo e agia gelada a toda a volta. Foi petiscada até às tantas. Coisa que vem sendo hábito.
Domingo foi mais calmo. A gente também merecia um dia de serenidade e se calhar de reflexão. Foi assim que se passou um fim de semana numa bulina que até um relógio fica tonto das voltas que os ponteiros dão.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

11 de abril de 2006



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Hoje não há estória


Por não estar em perfeitas condições físicas e psíquicas hoje me recusei a mim mesmo. Verdade que eu hoje não estou virado para escrever. Assim, humildemente, peço desculpa aos que por aqui passaram para dar uma olhada. Estou mais ou menos como as garrafas da foto.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

10 de abril de 2006



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Uma estória verdadeira(89)



Mesmo em frente do Hotel, na marginal uma esplanada que tinha ar de quem abriu faz pouco tempo. Aviámos ali um bife que até nem estava mau, partindo do princípio que seria mais uma gelataria e pizzaria. Comemos e até nem foi caro. Não é preço de turista nem de caixeiro viajante. É mesmo para o pessoal da cidade que no fim de dia vem aqui ver o mar e, aproveitando a inspiração que o zulmarinho transmite, namorar. Depois deste repasto e de abastecido o Tico são horas de embalar a trouxa e zarpar até na capital. As obras da estrada agora de noite foram melhor notadas. Talvez porque tenha chovido e os desvios estavam assim como que lagoas e lamaçais. Mas o Tico mostrou a sua potência que até ultrapassou. Verdade foi que mudou de cinzento prateado para castanho lamado. A segurança demonstrada pelo Ti fez que eu passasse pelas brasas e só mesmo já a chegar à cidade nova eu tenha aberto os olhos e visto que estávamos a chegar na capital. Agora era hora de atravessar a cidade toda e ir apanhar a estrada do Cacuaco. Mas numa sexta de noite cerrada a parte alta da cidade estava assim como vazia de carros e a passagem para o lado norte foi assim num instante. Di nos esperava. Ansiosa pelo que deu para ver na cara dela. Mas como madrinha coruja até nos tinha preparado outra refeição. Vais ver ela pensou que nestes dias todos a gente ia morrer de fome. Vínhamos, só para a chatear, mais gordos até. O Tico que lhe diga. Descarregamos toda a mercadoria do Tico e depois de exame sanito-gostativo, feito pela degustação, concluímos que os caranguejos tinham feito uma boa viagem e foram directos para o congelador. Uso futuro lhes estava reservado mas neste momento não lhes sei qual. Ali os quatro matámos saudades e contamos as estórias de uma aventura feita sem telefone satélite de apoio aos viajantes que se aventuraram por estradas que até nem no mapa vêm. Depois foi a vez de ir na cama que o corpo não podia se aguentar mais depois de cavalgar por serras e vales de muitos quilómetros em auto-pista metralhada de buracos. Mas quem não fizer esta viagem até 2007 está feito porque tal como a gente fez não vai poder fazer e seremos dos poucos que a fizeram. Heróis de nós mesmo.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

9 de abril de 2006

Simples Domingo

Enrolo-me na areia, fito a linha recta que é curva, pojecto o pensamento para além dela. Passo o tempo do relógio sem senti-lo e o meteorolégico sem adivinhar se há chuva, sol ou vento. É Domingo e eu não posso sentir o perfume da maresia. Ouço o tin-nó-ni que vem não sei donde, mas sei que não vem do lado de lá da linha recta que é curva.
Ouço um gemer que não é de prazer.
Ouço vozes mas não sei o que dizem.
Onomatopeias?
Desconverso-me.
É Domingo simplesmente!

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

8 de abril de 2006



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Outra vez Sábado


Abro a caixa cor-de-rosa, que outrora fora de sapatos.
Sempre que eu tiro aquela tampa, penso se vale realmente a pena. Pensando bem, o que ela contém nada mais são do que registos. Fotos da minha vida e da vida de pessoas que passaram por ela. É perfeitamente possível focar no futuro e amar o passado, simplesmente porque o passado foi bom. Eu consigo refazer as minhas histórias colocando todas as fotos numa sequência temporal e lógica. O antes, o durante e o depois fazem sentido, como nos livrinhos ilustrados para crianças sem idade de irem à escola. Eu olho as fotos e fico pensando na magia do momento congelado. Fragmento de história, memórias coloridas ou a preto-e-branco, conforme o intervalo temporal que medeia o tempo real do tempo parado naquele clik. Ela está em tantos desses fragmentos e num instante é compreensível que eu não consiga ver-me livre da sua lembrança. Eu olho as nossas fotos e choro. Caixa de fotografias deveria ser uma coisa banida da face da terra. Fecho a caixa cor-de-rosa.
Afinal de contas eu tenho sorte de não ter uma caixa cor-de-rosa, que fora antes de sapatos. Afinal de contas eu tenho a sorte de não ter instantes registados com mais de cinco anos.
Mas afinal de contas porque é que eu tenho sempre a lembrança dela quando existe um vazio em mim?
Deve de ser porque hoje é sábado.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

7 de abril de 2006



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Uma estória verdadeira (88)


Depois, bem, depois foi um tomar de estrada que a paragem seria só mesmo em Benguela. Mas o raio de uma cobra não queria sair da estrada e lá tivemos nós que parar e lhe dar uma paulada. Me arrepiei e ela lá saiu da estrada e a gente conseguiu seguir com o GPS marcado em Dombe Grande. Não parar foi a palavra de ordem. Ver devagarinho mas não parar. Ordem é ordem e se tem de cumprir, mesmo que a ordem não tenha sido dada por ninguém em voz alta. Nesta terra nasceu fulano e beltrano. Já na descida tinha ouvido e na subida voltámos a ouvir. Mas se a viagem era a mesma como podia se evitar falar a mesma coisa? E lá seguimos nós só com os olhos postos em Benguela. No desvio para a Baía Farta a gente viu brigada de polícia. Primeira vez que a gente vê assim uma brigada de trânsito. Não nos mandaram parar. Vais ver eles sabiam que a gente tava com pressa de ver a cidade das acácias em flor.
Lá chegados fomos só dar um abraço à Lolita, esposa do Amigo que a gente tinha deixado lá na Equimina, e que na descida foi um amor e a gente não podia passar ali e não dar os beijinhos da educação e consideração.
Nas fiquem aqui um ou dois dias. Nos dizia ele e a gente só dizia que nem almoçar aqui a gente fica porque o caminho é longo e não pode haver mais paragens. Há assuntos importantes ainda para tratar na capital e o tempo está a esgotar. Fiquem lá. Lágrima na cara a gente foi dizendo que não podia mesmo. Nem para almoçar a gente ficou. Fomos à procura de gelo picado para pôr na caixa dos caranguejos que o que a gente trazia lá do Namibe estava a ficar só água e ainda ia estragar a encomenda, que era coisa que a gente não queria. Perto da estufa a gente arranjou o dito cujo picadinho de gelo. Verteu a água que estava e bota até encher a caixa de esferovite. Acabada a operação o rumo foi seguir até ao Lobito. Aqui a gente tem de perder um bocado de tempo porque agora eu quero entrar na cidade e lhe ver as entranhas. Essa cidade que eu nunca tinha conhecido e quando descemos foi só como tangente na circunferência, eu tinha que lhe ver os interiores. Assim a gente fez. Gostei da Restinga, depois de ver a casa de tal e tal. Acabámos por almoçar num restaurante da praia da Restinga. Almoço de 5 estelas para nós os três tendo cada um pedido a sua coisa. Praia arranjada, Praia limpa. Ai se a gente tivesse tempo eu ia dar ali um mergulho. Podes crer. Almoçámos bem, mesmo.
Para entrar no Tico custou um bocado. Mais peso para ele e ele tinha que aguentar sem refilar. Mais uma voltita e rumo que agora a gente só vai parar mesmo no Sumbe para meter combustível e chegar na capital. Foi o que a gente pensou e foi o que tentou fazer. Desta vez se cumpriu. Fomos jantar na praia. Outra vez junto do zulmarinho. Não tem dúvida que o zulmarinho me persegue ou eu a ele.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

6 de abril de 2006



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Uma estória verdadeira(87)




Depois de percorrermos paralelos à praia desviamos e fomos ver a plantação dos tomates. Grande que a vista daqui de junto da bomba de água não alcança toda a área verde dos tomateiros. Ali, tás a ver, vai nascer um campo de cebola. Eles já estão a preparar o terreno e eu já encomendei um novo sistema de rega que não tarda está a chegar aí. Dizia-me ele isto com um brilho nos olhos só possivel na gente feliz e contente com o que estava a fazer. Lhe dava prazer e portanto lhe dava gozo. Uma dúzia de trabalhadores estava a fazer os carreiros da água como que a lhe dizer agora vais para aqui, e depois vais para ali. Apetecia já ficar ali a ver, a sentir a terra a produzir. Mas lá no céu o Sol se ia movimentando como que a dizer que está na hora de partir. Um grande abraço e a promessa de voltar a estar alí. De férias, mas ali. Terra e mar, silêncio de um poeta sonhador que escrevia os seus versos na terra e colhia os seus frutos. Quem ia dizer que seria o último abraço que eu daria a este AMIGO. A este senhor que fez o favor de ser meu amigo? Mas nesta altura eu não sei o futuro e despedi-me como que a dizer até já. Arrancámos. A estrada agora era bem pior do que quando a gente veio. Agora a gente via os buracos e via também os precipícios. Dava para ficar com medo só de pensar se o carro resvala ali numa pedra mais polida. Como é mesmo que a camioneta sobe isto? Vais ver é de marcha a ré. Sei lá eu que sou um cajo do asfalto e que se vê pela primeira vez nestes terrenos. Que coisas que eu perdi ao ser assimilado pelo asfalto. Mas a minha vida vai ter que dar uma volta, uma mudança na roda dos destinos e recuperar o tempo perdido, na maneiro do possível. Nunca é tarde. Vai ser sempre uma madrugada até que a noite final chegue.
Lá de cima conseguimos ter uma ideia do que vai naquele vale, obra do Arquitecto com modificação do Homem que eu conheci.
Será que algum dia vão recuperar a fábrica do peixe? Será que algum dia vão fazer ali um empreendimento para valorizar ainda mais este vale e dar a conhecê-lo ao mundo? Mas se o fizerem não vão dar cabo dele. Fosse eu arquitecto ou ambientalista era capaz de ter uma opinião, mas na minha modesta eu fazia ali uma coisa mesmo egoisticamente só para mim e não deixava mais ninguém que pudesse estragar esta natureza que agora se estende sob os meus pés.
Fotos e filmes para mais tarde recordar.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

5 de abril de 2006

Uma estória verdadeira (86)


Deitámos e dormimos assim como que desmaiados do maçado que estávamos das massagens da auto-pista da Lucira. Foi mesmo desmaio que nem dei por terem desligado o gerador que fica na fábrica em frente da casa.
Levantámos ainda não eram 6 horas. Eu estava a perder o gosto do meu desporto preferido que era dormir até altas horas. Mas não estava nem a pensar nisso, só dizia que era bom acordar e ter tempo, mesmo já habituado a não ter o tempo no pulso a regular a minha vida.
Eles não estavam em casa. Ti e Coelho haviam saído ainda mais na madrugada para ver tudo no nascer do sol. Esses Angolanos não dormem mesmo nada. Quero aprender com eles a ser assim. Eu para esse estrondo de rasgar que se ouve no romper da aurora ainda não estava preparado. Era sempre a seguir à aurora que eu me rompia do meu sono. Eu aproveitei e fui ver com olhos de dia aquela baía que na noite eu não conseguia nem imaginar. Registei na câmara as coisas que eu via com os meus olhos. Fui na água salgada que parecia sopa de quente que estava. Aquilo que eu vejo é mesmo uma aproximação do paraíso. Pouco depois eles voltaram. Me falaram das voltas que deram, e das promessas das que ainda íamos dar. Mas tinha que ser rápido porque o caminho na capital é longo e penoso, para não dizer também vagaroso. Matabichámos que era fome que apertava. Como é bom comer assim quando a gente está feliz. Pequeno almoço ali sobe melhor que pequeno almoço num lodge qualquer em outra parte do mundo. Apeteceu, comeu e era fresco tudo o que estava ali na mesa.
Mais uns dedos poucos de conversa e lá abalámos nós depois de verter o gasóleo de reserva para dentro de depósito porque nos tinha que dar até Benguela que era a próxima paragem. O lande Rover na frente e nós na sua retaguarda a dar um passeio por mais esta grande obra do Arquitecto com retoques do meu grande amigo Coelho Cavirosso.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

4 de abril de 2006



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Uma estória verdadeira (85)


Tás a ver aquela luz lá no fundo da rua? É lá mesmo, não tem engano possível.
Lá seguimos em direcção à lua amarelada de um único candeeiro de rua. Parámos e buzinámos e logo aquele grande pedaço de gente veio à porta no seu traje de calções de ganga e muitos bolsos. Lhe conheci assim e estava assim. Imagem de marca dele, pensei. Braços enormes nos abraçaram como nos havia abraçado faz pouco mais de uma semana, na sua Benguela das Acácias, na terra que ele com unhas e dentes, enquanto pode, com mais uns cem miúdos, defendeu dos carcamanos – me contaram isto depois, porque se eu soubesse ali eu tinha vestido fato de gala para abraçar o HEROI que fez o favor de se tornar meu amigo.
Zé, vai comprar cervejas que temos visitas, gritou ele lá para dentro e logo alguém foi na berrida e na berrida voltou e a gente a sebe apagou. Rimou mas é verdade.
Maria, o peixe já está frito? perguntou ele à governanta. Peixe frito, fresquinho, acabado de vir do mar, com arroz de tomate, dos dele. Sim, que ele é o maior produtor de tomate da região e abastece caté na capital. Agora anda zangado por causa um camião está na oficina. Um buraco na estrada, lá para os lados do Sumbe, pregou rasteira e lá se foi a transmissão. Foi assim, ou mais ou menos assim, que ele nos contou, enquanto devorámos o peixe e vertemos umas quantas birras bem geladinhas. Ele na sua água e fazendo companhia na co-piloto que ainda não aprendeu que a birra gelada é boa como o milho e cai sempre bem.
Na escuridão nos foi mostrando e falando da sua Equimina. Se nota na voz o tom apaixonado. A sua Equimina era os seus olhos e o seu coração. Amanhã de manhã a gente vai ver e vais ver o espectáculo que é este paraíso. Assim, voltámos na mesa para mais uns dedos de conversa e um café acabado de fazer. Teu quarto é este e o teu aquele, aqui a despensa, ali uma das casas de banho. Era roteiro à casa grande do grande amigo que eu tinha arranjado atrás de um teclado fazia uns dois anos, mais ou menos.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

3 de abril de 2006



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Uma estória verdadeira (84)




No rio seco que separa as Províncias de Benguela e do Namibe nos aconteceu uma coisa estranha para mim. Um matulão nos dizia que na noite lhe tinham roubado o gado e queria boleia. Ele queria boleia mas não sabia bem para onde. Culpa minha a resposta foi um não. Medo? Assustado das estórias europeias? A decisão foi minha e ainda hoje me remói na consciência. Estava ele a falar verdade e eu a ver fantasmas? Não voltámos atrás para saber. Ti se chateou que eu lhe vi nos olhos, mas não me contrariou. Eu era visita, pensei eu. Mas o meu assimilado europeu veio ao de cima e depois foi mais um luto de mim na consciência. Mais uma prisão que tem de se libertar de mim Afinal eu também tenho direito a errar e a ter preconceitos estúpidos. Desde que esse erro não seja repetido, porque aí eu seria o primeiro a deitar-me duma falésia ou coisa paraecida. Mas me desculpei que não tinha lugar no Tico que já fazia esforço em levar estes três pesos pesados duma engorda nas terras do Sul.
A viagem se seguiu muda.
No fim da tarde o GPS disse que era ali que a gente tinha de virar para a Equimina, que a gente tinha decorado no aparelhozinho que dá uma ajuda que não tem conta, a gente virou e pensou ia andar só mais meia hora, pelo ar de desconfiança com que a gente olhou na pista que nos leva mesmo lá. Mas afinal foi só mais duas horas no mesmo estilo de estrada, pedra e areia e umas vezes nem esta estava lá. É moda estas estradas aqui assim cheias de curvas e revestidas por muita pedra. Chegámos à Equimina propriamente dita já é noite. Descemos a bom descer em estrada de pedra solta que a gente quase nem deu por ela devido à escuridão que ladeava a respectiva estrada. Logo à entrada encontrámos muita gente que vive ali, Sanzala grande que ladea o posto de polícia. Parámos e perguntámos onde morava o F. Coelho, o Cavirosso. Não lhe avisámos que estávamos a chegar porque mais uma vez a gente viu a falta que estava a fazer o não termos levado uma dessas coisas que se fala assim por satélite e que dava para estarmos ligados ao mundo. Mas se calhar a gente queria mesmo estar desligado. Mas para a próxima a gente vai na SISTEC e compra uma coisa dessas. Está decidido e não se fala mais nisso. A gente lhe tinha dito na cidade das Acácias, uns dias antes, que se calhar a gente lhe ia mesmo visitar no paraíso que ele nos tinha descrito, quando viesse para cima. Mas como eu já tinha falhado muitos compromissos antes, eu não tinha prometido nada porque não queria que este fosse mais um a entrar nos catálogos dos encontros não havidos nem tidos
esta ESTÓRIA está a ser escrita quando faz sete dias que o meu AMIGO Cavirosso partiu deste mundo. Eu sei que lá, onde é que ele estiver, se tiver net, ele me vai ler e dar força para continuar.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

2 de abril de 2006

É Domingo e pronto!

24 horas já não chegam para tanto amor. Por isso inventaram o Domingo. Mas chega o Domingo e não me apetece escrever.
Vou escrever sobre mesmo o quê? É Domingo e pronto!
Fui ver o Zulmarinho.
E quem é que se importa com isso?
Fui apanhar Sol!
E levaste protector solar, pensa logo alguém.
E o que tens tu a haver com isso, repensei eu.
É Domingo e pronto!

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca


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1 de abril de 2006



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Hoje é Sábado e 1 de Abril

Já não sei escrever. Será que soube alguma vez? Talvez fosse só o desejo de ser também bom com as palavras e imitar o progenitor. Talvez fosse só a vontade. Talvez. Não sei. Preciso confessar-me isto. Será que alguém me lê? Já não tenho o olhar fixo do leitor imaginário na minha mente, quando começo a preencher o ecran vazio com palavras. Já não sei quem é o leitor e escrever sem saber para quem é, é como navegar sem saber para onde. Não há vento que ajude a Magia a fazer-se ao mar.

Receio as ideias comuns, mal aparadas, a ausência de um sentimento que perpasse o texto ou lhe confira sentido. Se calhar é o não querer dividir os meus sentimentos com um leitor que não distingo, que não imagino. Onde é que ponho o raio da virgula? Não sei português e nem como mexer nesta engenhoca de computadores de modo que ele escreva frases bonitas, floreadas, poéticas partindo das minhas ideias incomuns, bem aparadas num penteado intelectualmente brilhante. E engenhoca é uma palavra velha, de velhos e eu devia mandá-la para a reforma. Alguém lê o que escrevo? Sejam bem vindos a esta crise. Sincera e imbecil. Talvez seja importante saber o porquê de eu escrever?

Antes, quando era movido pela ilusão de que produzia algo importante para mim ou alguém, tinha a sensação de brincar com as palavras. E os significados iam surgindo, surpreendentes, reveladores. Driblando a língua, inventando, assassinando palavras. Qualquer instante era uma história para contar. Não precisava ter uma argumentação, muito menos fazer sentido, que desse um pouco de sabor à leitura e pronto. Um efeito, um sentimento, uma frase que fosse.

Há uma parte em mim que ainda continua a acreditar. Que percebe as ausências, os hiatos, a dureza e a pouca profundidade. Naufrago da minha ausência, sou eu que não estou lá. Queria que os textos fossem um espelho, ou uma janela. Que brotassem deles um pouco de sangue ou que fossem cheios de gritos e gargalhadas. O silêncio é o grito que mais me dói nos ouvidos. Talvez o que doa seja eu não ver alma no que escrevo. As ideias não sustentam nada. Não há argumentação interessante que possa sobreviver sem um vislumbre de alma, de sentimento, de vida, de sonho.

Agradeço aos leitores, muitos deles tornaram-se meus amigos sem saberem quem sou, sem saberem quem é que lhes escrevia, que me acompanharam até aqui. Textos actuais pedem brevidade. Pedem muitas coisas. Não sei se as tenho para oferecer.

Sinto o impulso de escrever, mesmo sem saber o quê. Sigo indignado um rumo sem norte. Bolas, também não sei viver. Tenho, ao menos, uma finalidade que é encontrar a minha própria alma na próxima linha, no próximo paragrafo, no próximo capitulo, no próximo livro que nunca escrevi.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca