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28 de abril de 2006

Fome de abraçar


Não tinha coragem de abrir os olhos porque sabia que o risco de desilusão era grande. Levantei-me de olhos fechados, prudentemente, e sentei-me à beira-mar, de costas para o mundo. Agora o sol batia nas minhas costas. Calor insuportável e o ventilador natural que costuma soprar a esta hora hoje teve falta de comparência e se noutras alturas não daria conta, hoje dou e não sei porquê. Abri os olhos apreensivo. Onde é que eu estou? A visão do zulmarinho, uma enormidade de espaço de portas abertas à minha frente, ondas ondulando sem ordem nenhuma, tranquilizou-me. Abri totalmente os olhos e serenamente levantei-me e caminhei até poder tocar nele com a ponta dos meus pés.No caminho, tropecei numa coisa mole, pesada, e desmoronei-me. Tinha batido com a cabeça numa resma de pensamentos desarrumados que anarquicamente tombaram dentro de mim. Soltei umas palavras obscenas. Está bem, apenas dois palavrões. Com uma diferença fundamental entre eles. O primeiro tinha uma entoação furiosa. O segundo soou-me débil e assustado. Eu estava com a disposição de despensar.
Curiosamente, apesar do susto, não perdi a fome de devorar este mar que me separa desse amor que às vezes está distante, outras vezes à mão de semear, frase mil vezes repetida por minha avó. Pareceu-me que estava há dias sem comer. Tal a fome de poder abraçar-te.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

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