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3 de abril de 2006

Uma estória verdadeira (84)




No rio seco que separa as Províncias de Benguela e do Namibe nos aconteceu uma coisa estranha para mim. Um matulão nos dizia que na noite lhe tinham roubado o gado e queria boleia. Ele queria boleia mas não sabia bem para onde. Culpa minha a resposta foi um não. Medo? Assustado das estórias europeias? A decisão foi minha e ainda hoje me remói na consciência. Estava ele a falar verdade e eu a ver fantasmas? Não voltámos atrás para saber. Ti se chateou que eu lhe vi nos olhos, mas não me contrariou. Eu era visita, pensei eu. Mas o meu assimilado europeu veio ao de cima e depois foi mais um luto de mim na consciência. Mais uma prisão que tem de se libertar de mim Afinal eu também tenho direito a errar e a ter preconceitos estúpidos. Desde que esse erro não seja repetido, porque aí eu seria o primeiro a deitar-me duma falésia ou coisa paraecida. Mas me desculpei que não tinha lugar no Tico que já fazia esforço em levar estes três pesos pesados duma engorda nas terras do Sul.
A viagem se seguiu muda.
No fim da tarde o GPS disse que era ali que a gente tinha de virar para a Equimina, que a gente tinha decorado no aparelhozinho que dá uma ajuda que não tem conta, a gente virou e pensou ia andar só mais meia hora, pelo ar de desconfiança com que a gente olhou na pista que nos leva mesmo lá. Mas afinal foi só mais duas horas no mesmo estilo de estrada, pedra e areia e umas vezes nem esta estava lá. É moda estas estradas aqui assim cheias de curvas e revestidas por muita pedra. Chegámos à Equimina propriamente dita já é noite. Descemos a bom descer em estrada de pedra solta que a gente quase nem deu por ela devido à escuridão que ladeava a respectiva estrada. Logo à entrada encontrámos muita gente que vive ali, Sanzala grande que ladea o posto de polícia. Parámos e perguntámos onde morava o F. Coelho, o Cavirosso. Não lhe avisámos que estávamos a chegar porque mais uma vez a gente viu a falta que estava a fazer o não termos levado uma dessas coisas que se fala assim por satélite e que dava para estarmos ligados ao mundo. Mas se calhar a gente queria mesmo estar desligado. Mas para a próxima a gente vai na SISTEC e compra uma coisa dessas. Está decidido e não se fala mais nisso. A gente lhe tinha dito na cidade das Acácias, uns dias antes, que se calhar a gente lhe ia mesmo visitar no paraíso que ele nos tinha descrito, quando viesse para cima. Mas como eu já tinha falhado muitos compromissos antes, eu não tinha prometido nada porque não queria que este fosse mais um a entrar nos catálogos dos encontros não havidos nem tidos
esta ESTÓRIA está a ser escrita quando faz sete dias que o meu AMIGO Cavirosso partiu deste mundo. Eu sei que lá, onde é que ele estiver, se tiver net, ele me vai ler e dar força para continuar.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

2 comentários:

  1. Se me conheço, eu (também) ficaria com um nó na garganta e com vontade de voltar para trás para dar boleia...

    Nelsinho

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