Vou só atirar palavras para o papel de modo a formar memória das minhas paixões. Tantas foram as vezes que eu imaginei gostarem de mim, assim de borla, sem nada em troca, só por mim assim mesmo como é que eu sou. Gostar nas múltiplas formas de gostar, desde gostar para casar até ao gostar para dizer olá. Outros gostares foram a minha imaginação, as palavras que imaginei ouvir, os olhares que imaginei trocar, os sorrisos que imaginei ver, e eu de olhos brilhantes de contentamento.
Se na minha juventude houvesse essa coisa do Google, eu tinha procurados soluções na nuvem, confirmado promessas, procurado lugares e localizado momentos em vez de ter perdido noites a olhar o tecto, a contorcer-me de ciúme, a sentir ódio visceral de vazios solitários, ensurdecer nas insónias de silêncios, no sabor salgado das lágrimas que chorei.
Hoje não sinto vergonha mas teria feito tanta coisa diferente que de certeza ia dar no mesmo. Hoje o meu olhar se perde nesse tempo com um misto de sorriso saudável e ar compreensivelmente de expert no assunto. Hoje consigo olhar sem preencher lacunas divagantes desses tempos tão distantes, esperando que a minha entrega de corpo e alma nesses amores perfeitos, tenham contribuído para o meu estado de felicidade.
Naqueles gostares não havia lugares para sexo. Eram estrelas cintilantes num equinócio de Jupiter e Saturno, de luzes e brilhantes bebedeiras de paixão.
Naqueles tempos eu fui amado pela imaginação, pela paixão platónica, pelo sol e pelo tempo decorrido até aos hojes de agora.
Toda a minha vida foi real, desde o quadriculado à confusão, desde o chinelo ao sapato de verniz, desde o calção rasgado ao fato e bata verde.
Hoje tenho consciência que as minhas palavras são o espelho do meu fui, sou e serei, dos meus conflitos e baralhos. Estou e sou um apaixonado. Pelo menos nas palavras.