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1 de agosto de 2006

Preciso de voar

Me sento na poltrona de rocha esculpida. Olho fixamente para a linha recta que é curva. Não quero ver mais nada do que aquilo que a vista vê. Falo em voz calada, que eu não sou surdo e como falo para mim não preciso nem mexer os lábios. É manhã cedo. Já tem mundo que se rebola na areia, tá a fazer que nem croquete de banquete ao sol. Mas aqui sentado estou rodeado de mim. Minha companhia hoje é uma gaivota que está num poleiro mais acima da minha poltrona na rocha esculpida. Ela também olha na mesma direcção que nem eu. Será que ela também está a falar com ela mesma? Como vou eu saber se ela também não mexe o bico.
Continuo a olhar para lá. Não é que eu queira ver mais do que vejo. Eu quero é sentir. Os olhos é uma forma de sentir. Sinto-lhe ali, sempre a direito, depois de virar a linha recta que é curva e vai ser sempre a descer. É já ali.
Fosse eu a gaivota e estava a voar nessa direcção definida nos meus azimutes possivelmente imperfeitos.
Faço uma tentativa de falar com a gaivota. Ela me desliga por completo. Se calhar mereço esse silêncio, se calhar lhe roubei o poiso de gerações inteiras. Vou ter que arranjar maneira de descobrir uma maneira de estabelecer-lhe um diálogo. Me interessa saber o que ela sabe de voar para sul, sempre a direito, rumo aquilo que daqui não vejo, mas sinto. Preciso de voar.
E tu, que me vens aqui ouvir as minhas estórias verdadeiras, mesmo as que nunca aconteceram, que é feito de ti? Hoje ficaste na cama a sonhar de olhos abertos com todas as palavras que já ouviste? Ou será que estás cansada de sonhar e por isso te fechaste em casa de modo que nem os sonhos sejam capazes de entrar em ti?
Olha, como me deixaste encerrado na minha solidão, aproveito para, enquanto olho a linha recta que é curva num sentir que só eu sei sentir, ouvir as estórias trazidas pelo ondular do zulmarinho, purificando-me com a maresia, perfume que lhe vem desde o início dele.
Hoje sinto que preciso de voar.

Sanzalando

2 comentários:

  1. Viva Carlos:

    Dá para perceber nos teus textos que és um "castiço".
    ...e "tenho a certeza" de que fizes-te uma aposta contigo próprio do género:
    - em todos os meus artigos, (não gosto de dizer post), utilizarei sempre uma palavra que me é especial - zulmarinho

    E fazes bem...se fôr assim.
    Devemos homenagear aquilo que nos faz sentir bem.
    Eu por mim homenageio a minha Ria de Aveiro, os seus canais e as suas salinas...e porque não dizer as suas praias.

    Falas de gaivotas...haverias de as ver esvoaçar sobre o "espelho" da ria.

    Um abraço,

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  2. JAMostardinha

    Não fiz aposta comigo, não senhor. São fases, senhor, são fases.
    Eu 'vivo' em ciclos, como pode ser comprovado no amontoado de 'post' (artigos seria uma lisonja aos meus rabiscos)que tenho lá para o caixote.
    Quem sabe qual o ciclo que se seguirá? É que nem eu...
    Obrigado e um grande abraço

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