recomeça o futuro sem esquecer o passado

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28 de agosto de 2023

indo a pé por Alvor

Quando eu gosto eu volto. Quando gosto muito, eu fico. É mais ou menos assim a minha vida. Poucas variáveis num pensamento rápido. É por essas e por outras que eu por aí a caminhar. Há coisas que vou aprendendo, compreendendo e até ao espanto por vezes vou e tem outras que por mais que eu olhe e pense não chego nem perto da razoável compreensão. 
Hoje me apeteceu ir à vila a pé. Esqueci que é verão, esqueci que tem muita gente nos carros que rolam à velocidade inversamente proporcional à inteligência e civilidade do seu condutor, esqueci que faltam parques de estacionamento pelo que qualquer lugar serve para parar o carro, se calhar até por uns diasitos, independentemente de ser passeio raro na vila. Esqueci todas as questões que me diziam que o melhor era mesmo ficar em casa a ver a 109 repetição de um filme de verão na televisão. Fui andar a pé. 
Desde a Escola dos Montes ao início da Vila de Alvor para além de não haver passeio em nenhum dos lados não há uma passadeira para peões. Se por acaso tiver que atravessar a estrada dum lado para outro, pois bem, é melhor rezar quem for de rezas ou de fechar os olhos e arriscar, porque não as há. Depois há passeios e há passadeiras. Mas contornar a rotunda central de Alvor lã está outra obra do bom atletismo. para atravessar uma rua de duas faixas temos de fazer 229 metros, mais coisa menos coisa e mesmo assim não sei se conseguimos atravessar ou como no jogo da Glória, voltamos à casa de partida.
Mas, após transgredir porque já não me apetecia dar outra volta ao quarteirão, segui rumo à praia. Há uma passadeira deslocada 7 metros do local ideal e por onde toda a gente atravessa. Mas sei que há passadeira porque lá estão os postes amarelos e pretos, porque a zebra deve ter fugido do alcatrão. Continuando sem passeio, pela terra que embranquece a sola dos sapatos e empoeira as minhas calças de linho, vou dar com outros dois postes amarelos e pretos e cuja a zebra deve ter ido com a outra para lugares distantes deste Algarve. esta passadeira dá de lugar nenhum para lugar nenhum o que não deixa de ser estranho. Depois decido ir até à ria e não ao mar e lá está o dilema. Onde é que está a passadeira? Acho é que as zebras deitadas no alcatrão não gostam de Alvor. 
Pelo sim pelo não, vou apenas andar de carro porque sempre tenho mais protecção.


Sanzalando

27 de agosto de 2023

todo o lugar é a minha casa

Vivida a vida em cada olhar, em cada sorriso e em cada choro, que às vezes dou comigo vergado num apelo à terra que me viu nascer. Mas não. Cristaloide remorso não me verga, não deixar de ter os meus sonhos, de querer ter os meus futuros, porém a geografia não me é importante. Atrofiei ou alegrei horizontes na vastidão dos meus pensamentos, desejos e sonhos? É claro que tenho lugares favoritos mas nem todos são usufruídos de igual modo ou tamanho. Tem lugares predominantes que nem nunca mais lá voltei e estão ali, à mão de semear. Tem outros que de tão distantes passaram a ser lugares estados, idos, passados e nem sei se algum dia voltados. Mas tem tantos lugares lindos, às vezes basta só olhar no coração e recordar aquele instante. Não, não sou daqueles que já tirou tudo ao lugar e o esvaziou que agora moram na solidão. Essa solidão deve ser tão dolorosa que até mete medo só de pensar. Não, o lugar é importante a cada instante, sozinho, acompanhado, vivido ou apenas lembrado. Todo o lugar é a minha casa.


Sanzalando

26 de agosto de 2023

esquecer o passado

Me levo passeando por caminhos fora, às vezes meditando e outras apenas vagabundando. Maneira livre de estar na vida, sem amarras desamarráveis, sem ancoras inamovíveis, sem pensamentos escurecidos pela inércia do repouso ou o medo de os ter. Me dizem para esquecer o passado mas essa é a parte antiga de mim que me faz ter presente e chegar ao futuro. Vou esquecer a vida vivida? Deixa para outro, porque eu nem me consigo imaginar sem o meu querido e vivido passado. 
Podia apagar um ou outro pensamento auto-destrutivo, mas ia ficar ali a faltar qualquer coisa e teria de dar um espaço ao branco tempo de um silêncio. Os silêncios são importantes, menos os silêncios de apagados, os buracos brancos safados ou sobrepostos.
Me levo com tudo o que tive, até os silêncios esquecidos pela memória.


Sanzalando

25 de agosto de 2023

vou andar de bicicleta mas já não vou outra vez

Me apeteceu andar de bicicleta ainda a manhã era quase madrugada. O sol estava já a mostrar ia ser de queimar e derreter torresmos que estivessem mal acondicionados. Mas mantendo-me teimoso e agarrado a um hábito de décadas, peguei na dita bicicleta e mandei-me à estrada. Não fui na estrada do deserto, não fui na Quipola nem nas Praias Amélia ou Azul. Fui mesmo aqui na tugália, num Agosto de verão.
Entre o lugarejo e a vila comecei logo a testar a capacidade férrea do meu coração, a sua capacidade de aguentar emoções. O trânsito era muito e de matrículas que não são daqui e os insultos eram com pronuncia doutros lugares. 
Entre o lugar e a vila não há passeios. Estrada é boa, larga e bom piso, sempre acompanhada por uma vala de cada lado. Se chovesse a estrada não fica com poços. Por questões de segurança eu pedalava por sobre a linha que dista uns 50 cm da vala. Os automóveis por questões deles passavam por mim num quase me arranhar. O tracejado do meio da via era lá distante e do outro lado também tem trânsito intenso. O elo mais fraco era eu e os peões que têm de usar a estrada porque outro caminho não há. Passeio não há e todos os elos fracos vamos por aqui na berma. Uma tangente quase me atirou na vala. Pensativamente vociferei e lá fui no meu pedalar cauteloso e já a começar a ser também medroso. Na subida, para além do esforço de subir ainda tive que me desviar de um TVDE que parava para pegar alguém que foi andando enquanto não esperou por ele no lugar que devia. Coisa sem importância para o elo mais fraco que levou com a bizinadela por ter que ir para o meio da estrada. O desporto é salutar pelo que estas contrariedades não me demoveram e lá fui em pedalada esforçada subida acima. Rotunda contornada como mandam as regras e novo xingamento que acho o meu avô lá no céu ouviu. Sorri e desligado do insulto fui. Esse mesmo me ultrapassa e mal acaba de fazer vira à direita e eu: pá! na porta do pendura. Risco com a manete do travão. 
- Bocê não bê por onde anda?
- Eu?! 
- Bocê tem de andar no passeio. As estradas são para os veículos...
como a paciência me estava a faltar interrompi 
- Desculpe. Tem os impostos em dia?
- Uquêi? numa pronuncia que não sei escrever. Qué que os impostos têm a haver com isto?
- Só para saber se o da estupidez está pago.
entrou no carro e nem disse nada mais. Eu fui na minha voltinha com o coração mais acelerado mas não era do cansaço ou do esforço, era mesmo só nervoso.
Na vila se encontrava engarrafado o trânsito e toda a gente a mostrar que tinha pressa. É, as férias se acabam e o pessoal não tem tempo para fazer tudo o que tinha pensado fazer. Acho esse pessoal precisa de tirar férias para descansar das férias corridas. Eles correm e ainda não sabem nem porquê.
Da vila à praia o trânsito estava intragável de carros e peões, de adultos e crianças, de idosos e outros que nem tanto. Mas passeios não há e aqui a estrada é mais estreita. Desliguei dos carros e agora vou a meio da minha faixa de rodagem. Os peões devem ser respeitados e salvaguardados.  Olha agora até os carros estão estacionados na estrada e onde antes havia duas faixas de rodagem, sem passeios, agora só passa um de cada vez e eu que me aguenta nos esses da gincana para continuar a minha voltinha. 
Num parque parei. Bebi um pouco da minha água e decidi voltar para casa e depois do verão voltarei a andar de bicicleta e talvez haja passeios. Na estrada para a Quipola ou para as Praias Amélia ou Azul também não havia passeios, mas também havia menos carros.


Sanzalando

24 de agosto de 2023

boiar feito pedaço de mim

Quando vou ver o zulmarinho não consigo deixar a cabeça num travesseiro e levar só o corpo. Eu queria deixar o corpo navegar nas ondas, sem consciência nem pesos, sem ancoras ou amarras, sem pontos de referencia, sem nada. Apenasmente o corpo. Mas a verdade é que o pensamento é como esse oceano de mares, tem marés, tem ondas que vão e vêm e não param nem um segundo. Vou fazer mais como? Tenho mesmo que ir com esta versão de mim, versão transformada em cor de verão, de pensamento ligeiro e palavras descomplicada na forma rápida de me entender no tempo.
Vou só assim balançar o corpo no sabor da maré e fazer de conta eu sou um navio à deriva e ver se os pensamentos abrandam nos sonhos e desejos, nos quereres e vontades.
Vou boiar feito pedaço de mim.


Sanzalando

23 de agosto de 2023

férias são férias

Tem dias que os dias parecem iguais e outros tão diferentes que a gente até que pensa pirou. Não foi fusível nem areia na engrenagem. É só um dia que é diferente para não cair na rotina duma bobina sempre a rodar para o mesmo lado a mesma música. Do tempo em que havia bobina. Agora tem necessidade duma pen ou coisa do género e toda a música cabe num botão. Imagina que tenho um puzzle de 1000 peças, ao abrir a caixa está tudo baralhado. Mas como sou teimoso, fecho e abano mais um bocado para ficar ainda mais baralhado. É tudo igual dentro da caixa mas a confusão me parece foi maior. Ilusão, está é só diferente. É como olhar para uma fresta do céu e ir buscar ideias à confusão, misturar com palavras obtusas e sai um trapézio feito monumento de letras baralhadas num mar de férias.
Agora me apetece ir de merecidas férias intelectuais


Sanzalando

19 de agosto de 2023

até breve que eu volto

Uma das coisa que me gosto é ver que outros me descobrem coisas que eu nunca disse. Tem gente que me consegue ver numa transparência que eu tantas vezes tento esconder. Não escondo por vergonha ou medo, mas apenas para não mostrar a minha vulnerabilidade, a minha maneira de estar frágil perante certas situações. Afinal de contas todas as pessoas têm algures algum ponto fraco ou pelo menos muito menos forte.
Tem gente que tem umbigo tão grande que pensa que a fortaleza é o seu nome do meio, mas tem situações que o castelo frágil se desmorona. Tem gente que imagina-se duma fragilidade atroz que até parece é doença, mas têm uma força intrínseca do tamanho de muitos fortes mentais, só que ainda não descobriram a sua forma de despoletar.
Na minha transparência, por vezes translúcida e raramente opaca eu tento não mostrar-me, mas humano sou e como tal tremo quando o chão ou a razão se me foge dos pés. É bom ter os pés bem assentes no solo, dizia e bem o meu avô. 
Por isso eu vou de férias mentais para lugares idílicos da minha imaginação. 
Até breve que eu volto


Sanzalando

18 de agosto de 2023

imaginário da vida

Olhei para trás, através dum imaginário, um aparelho capaz de voltar tudo atrás e rever. Faz conta é um filme com cada frame faz conta é um minuto da vida. Tás a me acompanhar? Vais ver há tantas coisas que a gente nunca falou que parece até nem existiu. Vais ver e até há gente que não existiu apesar de aparecerem muito. Me acompanha neste imaginarium e vais aprender coisas novas que até parece é magia ou só coisa de bruxa.
Tem gente que nos fez tremer porque nos viu assim como que apenasmente felizes. Questionou se era normal ou se era fruto dum ou outro copo a mais.
Tem gente que um dia te disse que te gostava e num ápice olhaste e estava um vazio que até transbordava de cheio de nada..
Tem gente que pergunta a pergunta mais inocente de magoar só para te ver chorar. 
Tem gente para todos os gostos e feitios. Recua só nesse imaginário e vais ver cada esquina um amigo que petrificou e te deixou de ver.
Tem momentos da vida que até parece são brilhantes de luz e outros tem escuro que nem o mais escuro quarto consegue lhe segurar tanto escuro assim. 
Se todos os dias fizeres um exercício assim tu vais ver... pouco a pouco cresces pareces és rei de ti.


Sanzalando

17 de agosto de 2023

meus retalhos

Há quem pensa eu fico doente quando a cabeça olha para trás enquanto a vida corre para a frente. Sem erro ou engano esse olhar é para ver onde eu andei. Não tem que lhe esconder, não tem que lhe mascarar. Eu conto verdades mesmo que elas só passem na minha cabeça, na minha vida ou na minha imaginação. Tem estórias que são pedaços de um mim que eu às vezes já nem lembro direito como é que foi e tem outras que eu sei são verdades de alguém que se apagou da minha memória. Eu podia dizer que nem a minha memória é original, mas como é minha eu não lhe posso denegrir ou tirar importância. É parte de mim. Pedaço de vida. Fragmento ou retalho do meu caminho.
Quem é que vai esconder o meu rasto? Pelo menos eu lhe quero lembrar até que possa.


Sanzalando

16 de agosto de 2023

viagem ao planalto 18

Fui só assim no fim da tarde comer pastei de nata na Flórida. A tirol estava cheia de jogadoores de bilhar e muitas garrafas de cerveja. Nós as crianças ali nos sentimos desfasados pelo que fico na Flórida ou vou no Combinado, comer doces. Era no tempo que deixavam as criança comer doces e outras gulodices. Amanhã arracamos para Pereira d'Eça e já sei que além dos avós vão a Dina, o RuiNando, o Vasco Gouveia e mais eu. Lá vamos ter com a Carla, que ainda é criança e disse a minha avó que vamos ter com a tia Maria de Deus que está grávida. Vai ser bonito. Primeiro a viagem que disseram demora quase meio dia, passa na Chibia, depois na Cahama, Roçadas, PéuPéu, Humbe Xangondo e sei mais onde porque a avó disse nomes que eu nem sei soletrar.
A Chevrolet conduzida pelo avô é só mais uma peripécia pois o avô se distrai e ainda +e capaz de nos levar para fora da estrada. Ele às vezes esquece que está ao volante e é a avó que grita para lhe pôr no caminho.
E fomos parando. Fomos comendo e bebendo em modos pic-nic assim como fazer a mijinha atrás das árvores. A estrada é boa apesar de ter muitos camiões e algum trânsito em alguns lugares.
Chegamos era início da noite. O tio Néné estava preocupado mas não muito pois ele conhece bem o pai dele. O tio está gordo e grande parece é um armário. Fomos distribuídos e nós os rapazes ficamos nos anexos. Eramos os quatro sendo que eu era o mais novo e estava sempre a levar carolos deles.
Eu vou dizer que na manhã, na primeira manhã, eu tinha percorrido as ruas todas da cidade ou vila ou lá o que é isto. Tem hospital mas só tem um enfermeiro e está sempre aberto. Tem um aéro-clube que é bar e ponto de encontro dos mais velhos e das mais novas do lugar. Ao lado deste estão a transformar um parque de jogos num recinto de feira. Logo à noite temos festa. 
Neste primeiro dia bebi a minha primeira cuca pois o tio Néné disese que não pagava outra coisa que não cerveja. Gostei. O Rui é que ficou a seco porque ele não bebe dessas coisas . Está muito certinho que nem parece o meu tio Rui que eu cruzei no Planalto. Deve estar é com saudades da namorada. Está aqui e está a pedir para lhe mandarem na carreira para o planalto.
Foi no PéuPéu que eu vi um jacaré. Nunca tinha visto um e ontem quando lá passamos eu vi. Fiquei com medo sim embora eu estava dentro do carro e na estrada. Mas eu sou um gajo da cidade e não do mato. 
Ao fim da tarde, no Aéro-Clube bebi outra cerveja com o meu tio e o senhor capitão. Acho ele já tinha bebido uma fábrica inteira pois a voz arrastada e os bigodes mostravam que ele estava ali para verter para dentro todas as que encontrasse.
Fomos jantar um jantar que eu não sei se foi a barriguda da tia ou a calma da avó quem fez. Depois fomos todos para a feira. Aqui eu encontrei o amor. O amor da minha vida. A São que estava ali de férias pois estudava interna no Colégio das Madres no planalto. Me apaixonei ao primeiro olhar e decidi que nunca mais ia sair dali. 
Foi a primeira noite feliz destas minhas férias todas. Eu andei ao tiros de pressão de ar nas barracas da feira. Eu ria e fazia rir. Estava apaixonadamente feliz. Às 10 e qualquer coisa tocou o recolher dela e eu entristecido também fui para casa. Custou a adormecer. Eu sonhava e só dizia que eu não queria ser como os meus tios e o Vasco. Mas ela não saia da cabeça. Cansado adormeci num sono profundo que nem deu para ver se eu sonhei ou não.
Manhã cedo fui para a casa da tia e todos desataram a rir a olhar para mim. Despercebi o que se passava. Ninguém conseguia dizer nada. Era só gargalhada. A Dina ainda disse qualquer coisa tipo Tarzan qualquer coisa e eu não sei mais o quê. Quando entrei na casa de banho para lavar os dentes e a cara eu vi e chorei. Chorei de raiva e me apetecia partir todos. Tinha a cara cheia de graxa de sapatos. Eu lavava e me arranhava e aquilo não tinha meio de sair. Nesse dia eu não sai de casa e não falei com ninguém, nem com o meu avô. Zanguei-me e prometi que me havia de vingar no meu monólogo de raiva. Tantas vezes me esfreguei ao longo do dia que aquilo lá acabou por sair. 
À noite, sem companhia fui na feira. Encontrei a Sáo e estivemos a conversar. Fizemos promessa de futuro que até aos dias de hoje nunca ninguém cumpriu. Eu não estudei na terra do planalto e por isso não lhe podia lá visitar. Adiantando, quando acabaram as férias daqui se foi acabando esta paixão e nunca soube como foi o nosso futuro inexistente. Mas o presente foi feliz e isso era o mais importante para mim.
Três dia depois de la estarmos fomos no Sudoeste Africano, a Omwandi e o meu avô fartou-se de comparar chocolates, vinagre de várias cores e outras coisas. Sei que passada a fronteira a gente conduzia como os Carcamanos, na faixa do lado. Fazia confusão e nunca percebi quem é que está certo.
Eu assim já podia dizer que estive num país estrangeiro. Voltamos para casa no mesmo dia e na fronteira eu fiquei admirado porque aquilo era só pergunta fácil de responder e pode passar. 
Com o calor que estava o chocolate derreteu e eles, o Vasco, o RuiNando, e a Dina comeram às colheres. Foi a minha vingança. Eles passaram 24 horas em corrida para a casa de banho numa fila de entra e sai quase à vez. Eu não porque sou comedido e a minha vingança foi servida em forma de mijar pelo cu.
Nessa noite fui o único que fui na feira. Mas quando estava lá a chegar fui chamado para casa porque a tia estava a querer parir e tínhamos que ir para o Hospital da Missão de Chindukulo que era onde havia equipe médica. Foi uma viagem atribulada feita em picada com a família toda parecia era um grupo de excursão para uma festa de parto. Lá chegados fomos todos corridos para fora do espaço da missão e só ficou a tia e o tio. Pouco depois vieram eles a dizer que ainda não era a hora destinada ao nascimento. Cada um se enroscou na Chevrolet como podia. Mais uma vez eu só pedia para voltar para Pereira d'Eça para ir ter com o tal amor da vida. Ninguém me ligou. O dia estava a romper e foi ver um movimento intenso entre o tia e a tia e o carro a correr para a Missão. Finalmente nascia a Sandra. Eu tinha uma prima nova. As madres mandaram mais uma corrida para o meu avô e lá fomos para Pereira d'Eça e ficamos de a vir buscar três dias depois. 
Deixei de beber a Cuca ou a Nocal porque não tinha o tio para as pagar. Mas o capitão se adiantou e lá foi uma. A feira continuava a a minha felicidade estava ao rubro. Eles foram buscar a tia no dia combinado. Nós as crianças e adolescentes ficamos porque ninguém mais queria ouvir sermão das madres.
A cidade, vila ou aldeia de Pereira d'Eça deixou de ter segredos para mim. Eu todos os dias fazia ronda por ali à volta e na companhia da São eu conheci recantos secretos.
No fim de semana custou despedir-me da São e prometi mais mil coisas que ainda estão por cumprir pois nunca fui ao Colégio lhe procurar, depois das férias grandes acabarem. 
A viagem de regresso demorou mais tempo pois fomos parando em tantos sítios que eu nem sabia que havia quando descemos.
Foi assim uma semana das ferias do planalto passada na planície do Cunene.




Sanzalando

15 de agosto de 2023

tem gente

Tem gente a quem dói o passado não ser presente. Tem gente que esqueceu que podia ter futuro e ainda não chegou ao presente. Tem gente que não sabe que amar é compreender, lutar cada momento para manter o lume aceso. Tem gente que dói a sua dor porque nunca se viram por dentro, nunca beijaram com sabor de gostar. Tem tanta gente que ainda não deu conta que é gente. 
Sim eu sei que tem gente que envelhecida ainda não sai da adolescência, cerrados os olhos para o presente e chorando lágrimas de memória. Que posso eu lhes fazer para tirar as amarguras no agora? Não posso virar miragem do deserto e lhes dizer que o presente é cada vez aqui mais perto. Não me posso converter em pia baptismal e lhes baptizar num esquecimento passado e lhes dar nome de presente. 
Tem gente a quem me faz pena ver a dor da cristalização, a fossilização do pensamento.
Tem gente que virou cinza antes da cremação, que anda e ainda não sabe que o faz. 
Tem gente que sente dor apenasmente porque tem dor.



Sanzalando

13 de agosto de 2023

viagem ao planalto 17

É feriado e é o dia do jogo de futebol na Senhora do Monte, a meio da Festas da Senhora do Monte. O famoso Benfica Sporting da tugália. Ouvi dizer ontem, na feira, que o tal de Eusébio tem de jogar, mesmo que seja de muletas porque faz parte do contracto. Seja como for eu vou ver. Ainda não sei se vou com o tio Artur e tia Eugénia se vou com o avô. Se for com este eu sei que antes do meio dia já lá estamos à porta mesmo que o jogo seja às 4 da tarde. Quem espera sempre alcança dizia o meu avô.
Os dois clubes estão no mesmo hotel, no Grande Hotel da Huila e eu vi, não foi de ouvir dizer, que ontem o Benfica foi correr pelas ruas da cidade com o treinador, pequenino ia na frente e o tal do Torres e Eusébio iam na retaguarda faz de conta era sacrifício. Para mim seria, nesta altitude e este calor e estar assim a correr. Mas eles é que sabem e parece é o trabalho deles. Parece que eles também fizeram a viagem juntos nos mesmo avião. Afinal não é como me estavam a dizer que eles eram rivais e coisa e tal de confusão. Humberto Coelho parece é um miúdo. Artur, pequeno loiro acho ainda é criança. Estes são os nomes que eu ouvi de estarem a gritar parecia eram estrelas de cinema pelas pessoas que paravam os carros par os ver bem.
Eu vi e apertei a mão ao senhor Yazalde. Muito simpático mas fala parece está a cantar e me disseram que era espanhol da Argentina. Ele estava à porta do Hotel quando eu vi o Benfica sair e eu estava a ir para casa da tia, vindo da do avô.
Mas isso são pormenores menores que eu não sei nem como se chama quem. Estava ali um miúdo que me disseram era o Damas e era parecia de elástico como guarda-redes. Do outro lado era o José Henrique que tinha penado por causa do tal de Costa Pereira que parece era bom a valer. A este já não sei porquê chamavam de Zé Gato.
Como eu disse parece já não há bilhetes e vai haver bué confusão à porta porque toda a gente quer ir ver os jogos com os jogadores que conhecem da rádio.
Como eu tinha medo acabei por ir com o avô ver o jogo. Almoço foi na hora do matabicho para chegarmos ao pé da porta ainda só estava uma centena de pessoas à espera. 
Não vou fazer o relato do jogo porque isso é para os gajos da rádio que até parece estão a ver um jogo diferente do meu. Eles para mim estavam em câmara lenta. o Eusébio jogou cerca de 5 minutos e saiu a coxear parecia o joelho não tinha dobradiça. O Sporting ganhou por uns 5 a 2, um golaço do Peres para abrir e um frango do Damas para fechar. Os outros não sei se foi um tal de Nelson, um Hilário e o tal do argentino. Eu passei a maior parte do tempo a olhar para tanta gente que estava a ver que o campo não ia aguentar. A toda a hora estava a entrar gente.
Se eu tivesse trazido rádio tinha dificuldade de saber qual o relato que ia ouvir, pois junto à linha lateral está lá o Simons, o Zé Manuel Frota, o David Borges, Perestelo e mais uns dois ou três. Deve ser confuso trabalhar com os ao lado a gritar parece estão a contar o que os olhos veem para ou ouvintes perceberem.
Quem se lembra de me levar a ver futebol de gente grande?!



ps: eu não me lembro do resultado e isto são só estórias

Sanzalando

ao meu pai

Se era madrugada, dia alto ou noite, não me lembro. Apenas sei que a minha boca ficou calada, desconseguia pronunciar palavras ou até emitir sons que poderiam ser gritos ou apenas sons impróprios para consumo diário. A cidade parou, o mundo da minha mãe parou, a minha família chorou. Era o peso da perda, ponto alto de uma vida que estava a começar. Se eu fosse mais velho muito teria para dizer, mas eu era criança e pouco sabia o que se estava a passar. Me devem ter contado contos de fadas e outros sonhos. Minhas mãos não deviam tremer. Era só o meu silêncio e o choro dos que me rodeavam. 
Se fosse hoje eu compreenderia, diria palavras de circunstância, de apelo à compreensão e era mais um adulto nos adultos que choravam. A cidade, me disseram mais tarde, faz pouco tempo, parou. O silêncio da cidade era assim como que o meu. Descompreendiam o que tinha acontecido. Meu pai partira no auge da sua vida a começar. 
Ele devia ter defeitos, porque da perfeição estou tão próximo que a distância daqui à lua nem parece centímetro, mas ainda não ouvi um. Virtudes todos dizem era era um poço.
Mas eu não sabia nada e nada me disseram e o que disseram foi distração. Cresci a lhe honrar, penso eu. 
Não tem dia especial, foi só porque acordei e pensei no meu pai. Lhe gosto muito mesmo não tendo tido tempo de lhe conhecer de cor e salteado.



Sanzalando

12 de agosto de 2023

Viagem ao Planalto 16

Ontem foi dia de treinos e hoje é de corrida. Neste domingo são as 3 Horas da Huíla. Um circuito em que só há curvas para a esquerda mas é bué comprido. Ontem estive na curva do Garrafa, que é o cruzamento de quem vem da Humpata e vai para a cidade. Hoje ando por aqui a passear e se calhar fico na curva antes do Casino.
O Arens de Novais ontem fez o melhor tempo seguido do Emílio Marta. Porsche versus Ford Gt40. Depois está o Herculano Areias e o Mabílio de Albuquerque. Também tem o Zé Caputo com o seu Cooper S, Tino Pereira, Helder Sousa, Santos Peras e tantos que até ainda não decorei todos. Mas se não houver avarias eu sei já quem vai ganhar. Dizem que para o ano vem para cá uns gajos da tuga para ganhar isto. Por agora é só gajos de cá, desde Luanda até Porto Alexandre. Estava a me esquecer do António Velhinho com o seu Volvo Marreco.
Como ainda sou criança e não sei bem onde ficar vou andando. Agora passam por mim e eu estou junto da Estátua do João de Almeida. Vou subindo em direcção à meta. Espero chegar lá quando eles baixarem a bandeira de xadres para eu ao menos saber quem ganhou. Deve ser o Porsche, digo eu que puxo a brasa à minha sardinha.
Mas estes carros fazem tanto barulho e eu já me perdi no quem vai à frente. Sei que dizem que o Ford é bom mas as mãos do Novais são melhores. 
Três horas a andar aqui às voltas e eu a fazer como eles o circuito todo e espero fazer todo dentro das três horas deles. Eu devia ter ficado na curva para o casino. Estão a me dizer que houve um grande acidente com um gajo de Benguela. Esqueci trazer rádio para ouvir o relato e saber como vão as coisas dentro do circuito. 
O Glass do Tino Pereira não anda nada mas o Cooper do Caputo além de fazer um barulho fixe aguenta o Lotus do Herculano. O Subaru do Santos Peras de volante ao contrário também se aguenta neste mini grupo que é fechado pelo Helder de Sousa no seu Vauxhaal. 
O ar tem um cheiro que nem sei explicar. 
E foi assim que eu passei mais um domingo na cidade do planalto sem saber bem ao que andava.

Sanzalando

11 de agosto de 2023

ser poeta

Nem que morra o último poeta, o mais silencioso dos poetas, a canção de amor não para. Não poderia haver bailes sem canções de amor, não poderia haver romantismo sem poemas de amor, não podia haver magia sem poesia. Os pares de namorados não teriam com que falar, os zangados não teriam como exultar. Mesmo que digam que a poesia não literatura nem arte o que seria da vida sem rima, o que seria a saudade sem a paixão poética duma recordação?
Pena minha não ser poeta e escrever versos de encantar, trovas de enganar ou canções de apaixonar.
Ser poeta era um sonho, um fingir que me moldou, um vazio que enchi porque ser poeta não é um querer, é um dom. Não o tenho, pelo que rabisco crónicas de louvar à saudade positiva, ao amor como lição ou só ao tempo que o tempo me dá.


Sanzalando

10 de agosto de 2023

me levo corpo fora

Me levo do corpo para fora e me olho com olhos de juiz. Vejo e revejo de modo a encontrar defeito. Falta a lupa e quem sabe um contador de raios gama. Olho-me e cada vez me vejo melhor.
Faz conta estou a me melhorar em cada dia que passa, assim como quem vai avivando um amor, como se aviva um fogo. Há que fazer bater o coração numa ardência de sabor a primavera, coloridos de verão ou castanhos de outono. Não me posso entristecer com as cores cinza de inverno, sabendo que ele chegará e por mais cobertores que tenha terei frio. Mas até lá chegar há muito caminho a percorrer, muito salta para dar e muita gargalhada para gargalhar.
Quantas vezes refiz o gesto de tirar o cabelo dos olhos, quando ele mal me sai da área destinada? Gestos não me fazem voltar atrás, muitos fazem-me rir de felicidade de os ter feito na altura certa. 
Me levo do corpo para me ver e vejo que tenho os olhos a sorrir, que lhes tenho em brilhante olhar.


Sanzalando

9 de agosto de 2023

viagem ao planalto 15

Hoje acho vamos todos jogar à bola no campo da Pousada de Turismo, mais ou menos a meio do caminho da Senhora do Monte indo pela estrada. Vos estou a contar que eu disse acho. É que essa minha família sabe que eu não tenho jeito para jogar à bola e por isso só jogo se não aparecerem todos. Também nestes anos todos já me habituei a estar sentado num meio, encostado ao muro e sentado numa pedra que até nem estranho. O Doquinha não vem porque esse é dee outros futebóis. O Ruinando esses não faltam e até que jogam bem mas treinar e disciplina de treino é coisa passageira neles. Os manos Gouveia têm dias. O Garito e o Calares até se safam. O leitão é bom na sarrafada. O padre é mais ou menos como eu, mas fala que não se cala que até parece um Eusébio. Na garganta é sim.
Vamos jogar contra outro bairro. Espero não saia porrada a meio, pois eu ainda não me habituei à altitude e por isso não consigo correr seguido mais que cem metros.
Este campo da Pousada é inclinado e o jogo é metade a subir e outra metade a descer. Bem que podiam jogar no campo da Académica que vejo sempre vazio e é um pelado bem tratado. Aqui na pousada tem peladas e capins pelo que a bola ressalta que até parece é finta de adversário. 
Como era de esperar fico sentado na pedra. Daqui a pouco eu sei eles vão dizer entra e logo depois eu saio, é só tempo de alguém descansar um coche. Não sei se me apetece ficar aqui sentado a olhar para eles a correr atrás da redondinha. Lá na cidade do deserto eu sempre podia ir ver o mar, aqui vou fazer mais o quê? Sozinho para a piscina não tem jeito e me aborrece e sair daqui é dar uma volta do tamanho do raio que me parta. Vou ficar a jogar ao galo mesmo sozinho. Se eu fosse adulto até que me sentava na esplanada da Pousada e bebia um Gin, mas criança sem chetas no bolso era logo corrido. Ser criança neste mundo tem dias que nem dá vontade. Mas também não quero ser adolescente feito parvo que nem eles que já antes de chegar estão a combinar com elas a ida à noite no cinema e eu nada.
Vou dizer à tia Eugénia que quero que ela volte a ter mercearia para eu ajudar a cortar o bacalhau na guilhotina ou encher as garrafas do azeite. O tio Artur sempre deixava. Agora loja de modas e fardos. Onde é que já se viu?!
Ainda falta tanto para ir para Pereira d'Eça. É que eles para aí não levam as namoradinhas e assim eu tenho companhia e coisas para irmos fazer.



Sanzalando

8 de agosto de 2023

do que fui ao que sou

Parei um pouco a ver o zulmarinho. O vento era mais forte que a suave brisa do meu agrado. Sentei-me na falésia, protegido numa gruta deste vento norte e deixei correr o tempo e ele foi com o vento.  Olhei para o meu passado, o trilho que fui deixando ao longo dos tempos. Uns ,quase já não são visíveis, não por causa do vento e pó, mas porque o tempo passou tanto sobre eles, que quase se tornaram imperceptíveis que até parece foi sonho sonhado numa noite qualquer de verão. Dou comigo a dize-me como se fosse em segredo, eu já fiz tanto que me parece tão pouco. Eu dei o meu mundo e em troca recebi uns cabelos ralos e esbranquiçados e um terror de não ter tempo. Será que eu me olhei tarde de mais? Eu vivi-me de forma gradual, ao sabor do tempo que o tempo passou.
O cheiro a maresia, o sabor salgado da beira-mar, o recanto desta gruta e todo esse passado trilhado na mente, faz-me querer viver sem medos, com alegria e sem segredos, livre na pertença e no pensamento, não tão veloz como este vento, nem tendo tanta certeza que me faça juiz de qualquer sentença.  Só viver como sempre fui neste sou.


Sanzalando

7 de agosto de 2023

tudo em quase nada

Me deixo ir atrás desse calor me esquecendo dos cacimbos de outras eras. Tudo o que fiz ontem me serve hoje e me moldará manhã. 
Tudo o que escrevi ontem teve o significado de ontem e não sei se terá o mesmo hoje nem se significará amanhã alguma coisa, porém foi por mim dito e é minha estória, meu ser e minha essência. 
A vida é mudança, seja em que sentido for e se sonhaste e não fizeste nada para alcançar continuará a ser sonho. Nada é passivo a não ser a gramática por vezes pouco prática e muita tática.
Me deixo ir atrás desse calor sabendo que qualquer um merece o meu sorriso sincero embora eu não o dê. Egoísmo? Não, memória que me faz esquecer que tenho sorriso. É raro, mas nas mudanças da vida, tem momentos que a gente aprende que tem tragédias que a gente nem no cinema quer ver. 
Me deixo ir nesse calor para esquecer que cacimbos cacimbaram muitos cérebros só porque tentaram ser usados. 
Me deixo ir nesse calor ouvindo música, porque ela é a linguagem universal de tradução de emoções.


Sanzalando

6 de agosto de 2023

viagem ao planalto 14

Amanhã, que é domingo, vai haver jogo de futebol no Estádio da Senhora do Monte. Esse é um campo de futebol, feito assim parece é ferradura com o lado sem bancada a deixar ver a cidade se esticar até a vista não vê mais. Mas estava eu a dizer que amanhã vai haver um jogo entre as Selecções do deserto e do planalto. No dia 4, porque era o dia da cidade do deserto foi o jogo lá. Como estou cá e não ouvi o relato nem comprei jornais porque ainda não tenho idade para isso, não faço a mínima ideia de quem ganhou. Agora domingo é cá. Não faço a mínima ideia quem é que o Baulet vai trazer de lá. Deve ser o Matela, porque o Travassos, Leopoldo e Bitacaia ainda são miúdos para defender a baliza e o Rui Moutinho ainda também gatinha nas camadas mais jovens e não têm idade para de jogo de adultos entre estas duas selecções. Daqui do Lubango sei que deve estar o Marcelino, o Honorato e o Flávio. Será que os tios Néné e Tony vão ser convocados. Nunca os vi jogar mas me dizem que são um mimo, independentemente do que é que isso quer dizer na cabeça deles. Esses três que eu disse estão de certeza, porque me lembro sempre de os ver nos anos que vejo, até no pelado do Benfica do Lubango. Baliza, defesa e avançado. Da minha cidade não faço ideia porque ainda não estou ligado a essas coisas. Só agora estou a deixar de ser criança. Mas eu vou ver o jogo. Os meus tios todos, e mais houvesse, vão ver de certeza. O Honorato é meu tio e esse não vê o jogo dentro do campo, esse joga. É como o Doquinha, o Armamdinho mas esse ainda não tem idade para estes futebois. Mais tarde ele irá jogar com os miúdos que referi da cidade do deserto e que ainda também não têm idade. Depois no dia 15 de Agosto é que vão ser elas. Esse campo vai ser pequenino para ver o Sportingo com Yasalde e o Benfica com Eusébio. Esses estão maduros mas vêm aqui mostrar como é que se joga futebol. Se o meu pai fosse vivo ia ser contra os manos e sobrinhos todos. Ela ia dizer que o Benfica ia ganhar e até apostava mesmo que no dia seguinte não saísse à rua para não lhe gozarem. Esse jogo é outro nível. Eu vou ver também. Acho que na cidade não vai ficar ninguém, nem os ladrões. Todo o mundo vai ver a bola e os da cidade do deserto devem vir em excursão. Podem não vir amanhã, mas no dia 15 estão cá batidos. Doidos da bola é o que eles são.


Sanzalando

5 de agosto de 2023

começo e recomeço

Vou assim olhando o zulmarinho, deixar a cabeça arrefecer do calor de ideias que lhe fervilham, parece até estão numa panela de pressão num fogão primus. Os meus erros e as minhas perdas não me definem, não são o meu retrato nem a minha impressão digital. Não estou nessa estagnação mental, eu flutuo pelo mundo, sigo etapas, faço caminhos, tropeço palavras e passo barreiras porque a vida é uma continuar de coisas atiradas ao léu do tempo numa anarquia cronológica carregada de inícios. Não importa como, mas toda a hora eu começo e recomeço.


Sanzalando

4 de agosto de 2023

viagem ao planalto 13

Anda um gajo a pensar nestas férias grandes de 3 meses, vir no planalto de comboio e chegar aqui e ter a liberdade de vagabundar assim num dia quase inteiro porque os tios ou os avós não estão ali a controlar cercado, é mesmo só de ar de cima como se fosse um satélite embora a gente não saiba disso ainda.
Agora com as festas da Senhora do Monte eu te vou dizer que cansa, a cabeça fica assim num turbilhão de pensamentos e de coisas para fazer que até apetece deixar de pensar ou fazer. Os Adolescentes estão-se nas tintas para os pré-adolescentes. Eu e a minha amiga Ana estamos os dois assim num desamparo que nos amaramos. Eu ainda não tenho olhos para as linhas do seu corpo, como mais tarde irei olhar. E ela ainda não pensa nessas coisas pois somos ainda quase crianças a deixar de ser.
O avô já disse que eu vou a Pereira d'Eça. Encantei-me mais ainda mas só vamos lá para meio de Agosto, ter com o tio Néné pois a tia Maria de Deus vai ser mãe e ele quer lá estar. Coisas de avô. Até lá tenho o Benur e o Betocas que são meus primos mas ainda são crianças e não saiem assim à noite, nem ao fim de tarde, sem a Tia Teresa ou o tio Babá. 
Hoje confesso secretamente que à noite pensei na Ana de outra forma mas foi coisa de segundos. Eu não quero ser adolescente e fazer as coisas parvas de adolescente. Eu vou saltar e vou ser adulto. 
Depois da Tonicha, que encantou o pavilhão desportivo que estava completamente cheio fomos para a feira. Comi fartura e andei de carro de coque. Não me apeteceu fazer mais nada a não ser estar sentado a olhar. Se fosse hoje eu faria a mesma coisa. É tão bom às vezes a gente parar e olhar só. 
Olha o tio Nando e o Rui bem acompanhados. Hoje não é o Ruinando pois cada um vela uma bela companhia e faz de conta nem nos conhecem. Têm ar de adulto. Se elas soubessem metade da missa... de certeza não iam a rir assim parece estão felizes. Os manos Gouveia vêm atrás. O Zeca parece mais extrovertido e o Vasco mais taciturno, compenetrado no seu papel de galã dos filmes do Odeon. Desapareceram dos nossos olhares tal como tinham aparecido. 
- Como vamos embora, Ana?
- Tu não sei, o meu pai vem-me buscar na motoreta dele.
Já fui... comecei a pensar nos meus medos. Não vou pela estrada porque tenho de passar ao pé da Estátua do Paiva Couceiro e à frente tem casa dizem está assombrada. Pelo carreiro está escuro e eu me perco. Vou ter de encontrar boleia nem que seja desconhecido que vai na cidade porque lhe chegou a hora.
Afinal de contas, aqui onde não tenho quem me controle num apertadamente fico prisioneiro dos meus medos? Sinto vulnerabilidade na minha existência de deixar de ser criança. Eu, Tarzan do deserto que nunca sai da cidade estou aqui com medo de ir para casa.
- Tio Artur - gritei eu - quando for para casa leve-me.
- Deixa a tua tia Eugénia jogar o kino e depois vamos.
Respirei como acho nunca tinha respirado no planalto. Nem do cieiro me lembrei mais.


Sanzalando

3 de agosto de 2023

viagem ao planalto 12

Começaram as Festas da Nossa Senhora do Monte. Agora já sei onde vou todas as tardes até de noite. Já combinei que a Ana vai lá ter. O mano dela lhe leva e depois vamos andar nos carrosséis, nos carrinhos de choque, comer algodão doce e ver. Andar de barraca em barraca e ouvir os sons todos que tem para se ouvir numa feira. Não tenham ideias que ela não namora comigo e eu não namoro com ela. Somos seres pré-adolescentes que são sozinhados pelos familiares adolescentes. Assim se unem dois e vamos para a festa. Claro que às vezes os tios ou avós nos levam, mas a maior parte das vezes a gente vai mesmo no nosso pé, pelo carreiro. Acompanhado não tenho medo. 
Mas tenho medo de quê? Sei lá. O escuro me mete medo e vou fazer mais quê? As folhas dos eucaliptos fazem barulho parece está a chover e não chove e isso assusta. A mim sim e sou eu que estou a falar e prontos.
Um dia destes a gente vai no pavilhão desportivo ver a Tonicha e noutro dia o Nelson Ned. É fixe ver ao vivo os cantores que a gente ouve na rádio. Não sei se me levam à tourada ou se fico só cá fora a ouvir os olés. O grupo de forcados deve ser o do Tchivinguiro com Cabedo Machado 'El carapau', que tinha sido forcado do Salvação Barreto nas terras da Europa, ou António Castanheira e outros tantos Charruas atrás, que eu disso não sei nada e nomes que não tenho aqui na ponta da língua. 
Uma vez na minha terra quiseram fazer um campo de touros em madeira e a boizada com touros e vacas se libertou que a cidade até ficou virada do avesso, até lhes apanharem todos e guardarem outra vez. Mas aqui a praça é de pedra e tem, me disseram, grandes nomes que aqui passaram desde o Diamantino Viseu até ao não sei quantos Trincheira.
Mas eu e a Ana queremos é festa e algodão doce. 
Quando o mano delas e os meus tios disserem a gente vai embora. Isto é, se eles não esquecerem da gente.

Sanzalando

2 de agosto de 2023

olhando para trás e seguindo em fente

Quando paro para olhar para trás, quando vejo que já vivi tantas coisas, quando reparo nos meus altos e baixos estados de espírito, eu falo comigo mesmo que nunca fui rocha, que nunca fui cravo encravado na engrenagem, que nunca fui pedra nem deserto de emoções. 
Quando paro para olhar para trás, não vejo lugar, ponto ou momento que eu possa dizer que o tempo deveria ter parado naquele lugar, ponto ou momento. Tudo teve o mesmo significado para mim, para o meu agora de hoje, mesmo que eu não tivesse gostado do ponto, do momento ou do lugar. 
Qualquer interrupção ou interferência forçada teria impacto no agora ou num amanhã que me é incógnita. 
Sofrimentos? Claro!
Alegrias? Claríssimo!
Seguir vivo e feliz é uma constante, uma oportunidade única de viver a vida, encontrando as positividades nos cacimbos, nas tempestades e nas madrugadas claras e límpidas do horizonte, por mais longe que ele esteja. 
Não descobri a verdade do mundo, somente a minha, o conhecimento meu, a razão de ser, a capacidade de sentir e a vontade de estar.


Sanzalando

1 de agosto de 2023

hoje estou cheio de dúvidas

Como é que eu posso saber o que já perdi na vida? Ela não me pertence, eu vivo-a e dum momento para outro ela se foi e com isso eu também. Aviso desde já que o farei contrariado e será sob protesto. 
De verdade se ela fosse minha eu tinha um plano e o segui à risca. Nem o passado me pertence porque não o posso nem alterar ou dar uma cor nos pontos cinzentos apagados. O momento é meu mas daqui a pouco eu vou arrepender de ter feito ou não? Nem no presente eu controlo-a. Complicada a vida sem dono. Faz o que lhe apetece e depois eu faço a estória. Única coisa possível e bem que não seja verdade porque a minha impressão pode não coincidir com a do vizinho dela.
Ah! coisa e tal escolhes os amigos e inimigos. Nada. Aceito-os, eles caiem no acaso da vida. Família? Não escolhi, fui colhido. 
Mas a palavra é tua. Sim, mas depois dela sair da boca ou da caneta ela não é mais de ninguém, paira no ar, livre, podendo ser ouvida ou apenas silenciada pelo tempo.
Sem dúvida que hoje estou cheio de dúvidas.



Sanzalando