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4 de agosto de 2023

viagem ao planalto 13

Anda um gajo a pensar nestas férias grandes de 3 meses, vir no planalto de comboio e chegar aqui e ter a liberdade de vagabundar assim num dia quase inteiro porque os tios ou os avós não estão ali a controlar cercado, é mesmo só de ar de cima como se fosse um satélite embora a gente não saiba disso ainda.
Agora com as festas da Senhora do Monte eu te vou dizer que cansa, a cabeça fica assim num turbilhão de pensamentos e de coisas para fazer que até apetece deixar de pensar ou fazer. Os Adolescentes estão-se nas tintas para os pré-adolescentes. Eu e a minha amiga Ana estamos os dois assim num desamparo que nos amaramos. Eu ainda não tenho olhos para as linhas do seu corpo, como mais tarde irei olhar. E ela ainda não pensa nessas coisas pois somos ainda quase crianças a deixar de ser.
O avô já disse que eu vou a Pereira d'Eça. Encantei-me mais ainda mas só vamos lá para meio de Agosto, ter com o tio Néné pois a tia Maria de Deus vai ser mãe e ele quer lá estar. Coisas de avô. Até lá tenho o Benur e o Betocas que são meus primos mas ainda são crianças e não saiem assim à noite, nem ao fim de tarde, sem a Tia Teresa ou o tio Babá. 
Hoje confesso secretamente que à noite pensei na Ana de outra forma mas foi coisa de segundos. Eu não quero ser adolescente e fazer as coisas parvas de adolescente. Eu vou saltar e vou ser adulto. 
Depois da Tonicha, que encantou o pavilhão desportivo que estava completamente cheio fomos para a feira. Comi fartura e andei de carro de coque. Não me apeteceu fazer mais nada a não ser estar sentado a olhar. Se fosse hoje eu faria a mesma coisa. É tão bom às vezes a gente parar e olhar só. 
Olha o tio Nando e o Rui bem acompanhados. Hoje não é o Ruinando pois cada um vela uma bela companhia e faz de conta nem nos conhecem. Têm ar de adulto. Se elas soubessem metade da missa... de certeza não iam a rir assim parece estão felizes. Os manos Gouveia vêm atrás. O Zeca parece mais extrovertido e o Vasco mais taciturno, compenetrado no seu papel de galã dos filmes do Odeon. Desapareceram dos nossos olhares tal como tinham aparecido. 
- Como vamos embora, Ana?
- Tu não sei, o meu pai vem-me buscar na motoreta dele.
Já fui... comecei a pensar nos meus medos. Não vou pela estrada porque tenho de passar ao pé da Estátua do Paiva Couceiro e à frente tem casa dizem está assombrada. Pelo carreiro está escuro e eu me perco. Vou ter de encontrar boleia nem que seja desconhecido que vai na cidade porque lhe chegou a hora.
Afinal de contas, aqui onde não tenho quem me controle num apertadamente fico prisioneiro dos meus medos? Sinto vulnerabilidade na minha existência de deixar de ser criança. Eu, Tarzan do deserto que nunca sai da cidade estou aqui com medo de ir para casa.
- Tio Artur - gritei eu - quando for para casa leve-me.
- Deixa a tua tia Eugénia jogar o kino e depois vamos.
Respirei como acho nunca tinha respirado no planalto. Nem do cieiro me lembrei mais.


Sanzalando

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