A urgência decorria calma e serena no campo cirúrgico. Umas dores abdominais, uns vómitos, uma ou outra ferida pequena. Nada de cansaço. A paciência sobrepunha-se à impaciência da espera de qualquer coisa grave. E se eu não souber como resolver.? Gente nova, o colega google ainda devia andar na escola primária, os séniores não serviam de bengala porque não estavam ali ao lado para nos segurar. Mas hoje a paciência estava serena como a urgência.
Eram cinco para a meia noite duma noite invernosa, nada parecia acontecer no mundo até que uma chamada telefónica alvoraçou toda a urgência. Acidente de comboio em Estombar. Só foi dito isto e os bombeiros desligaram porque iam partir para o local. Bem, eu jovem, cirurgião único em presença, começo a arranjar espaço para meter gente. O espaço era pequeno e não esticável. As pessoas eram poucas mas nestas circunstâncias logo começaram a aparecer voluntários para ajudar.
De Lisboa chega telefonema a MANDAR acender as luzes do campo da bola para aterrarem vários helicópteros da força aérea. E eu perguntava para quê? Ainda não tinha chegado ninguém ao Hospital... Mas acidentes ferroviários são coisas graves. Não é melhor esperar para se fazer um balanço e activar os meios? Perguntava eu a medo. Não senhor! O Sr. Ministro é quem manda. Ok... Assim seja, senhora. Diga ao Sr. Ministro que ligarei ao presidente do Clube para acender as luzes do campo.
À 1:30 chega o único paciente, o maquinista do comboio que embatera no que estava à frente. Mais alguém, senhores bombeiros? Não encontramos ninguém no comboio da frente que estava vazio.
Visto, revisto e o paciente não tinha nada para além dum tremor de medo e nervoso miúdo.
Novo telefonema de Lisboa a dizer-me que o senhor ministro dos Transportes vinha a caminho. Mas só existe um paciente e não é grave. Mas o senhor Ministro já arrancou e por favor o maquinista não pode falar com ninguém... Sim, mas posso eu falar com ele?
Às 5:30 chega o Sr. Ministro, samarra castanha de bom corte. Contado o sucedido naquela unidade hospitalar ele atira-se-me:
- Eu vim cá fazer o quê?
- Sr. Ministro, o que veio cá fazer eu não sei, mas alguém vai ter de dizer para apagar as luzes do Estádio que V. Exa mandou acender.
Em abono da verdade o Sr. Ministro vinha aí com umas sete pessoas e eu estava cansado de tanta azafama preventiva. Eu que mandara ligar agora tinha de fazer o contrário. Na verdade eu não tinha ligado a ninguém e elas estavam apagadinhas desde o último jogo nocturno.
- Tem de arranjar um quarto isolado para pôr o Homem e ele não pode falar com ninguém até ser transferido para Lisboa.
- Mas ele não precisa de ir para Lisboa, ele até já se acalmou. disse eu tentando poupar umas massas à nação.
- Nem sombras. Até ao final do inquérito ele tem de estar isolado.
Ah... Eu ia internar uma patologia nova. Inquerite.
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