Era um dia normal de Outubro. Não chovia, não fazia sol. Cinzento mas sem frio. A urgência funcionava devagarinho. Não havia pressa nem gente à espera. Era Outubro perfeitamente normal. Uma apendicite operada numa criança e pouco mais a cirurgia tinha feito. É verdade que quando a cirurgia trabalha na Urgência é um mau sinal. Mas faz anos tinha fechado a Horta 2 e as emergências rodoviárias das madrugadas quase faziam parte da história de alguns. Mas ainda era de tarde duma tarde cinzenta e sem chuva.
Pouco antes das 16 entrava uma ambulância e um espalhafato à sua chegada. Todos gritavam por mim e eu ali e admirado porque não me viam. Percebi, o cenário era forte para alguém ver com olhos de ver e cabeça de pensar.
- Estou aqui, meninos. Só fica aqui quem é mesmo necessário. Autoritei a voz. - mas não o suficiente ao que deu para ver. SÓ FICA AQUI QUEM EU DEIXAR!! assim alto que todos ouviram e fiquei eu e mais três, dois enfermeiros e um auxiliar.
Olhei, falei com o paciente acalmando-o. Mediquei e começámos a prepará-lo para levar ao Bloco Operatório. Fomos falando, foi-me contando o que tinha acontecido. Fiquei a saber que o telemóvel era uma bem necessário.
- Peçam um serra ou serrote às oficinas. Autoritei com voz assertiva.
- Vai fazer aqui? perguntou-me um enfermeiro espantado.
- Não. Claro que não. Mas este ramo tem de ser encurtado para melhor transportar e melhor eu manobrar.
Na verdade ei estava perante um empalado. Estava a apanhar medronhos na serra de Monchique, um galho partiu-se e ele espetou-se noutro de cerca de 7 cm de diâmetro que lhe entrou na virilha e parou no toráx. Ele trazia ainda de fora o resto do arbusto que eu não imaginava podiam atingir dimensões de árvores.
Ele foi-me contando que conseguia tocar com o bico dos pés no chão. Calma e serenamente telefonou ao pai e aos bombeiros. A estes ainda conseguiu ir dizendo onde estava para eles o localizarem. O sangue frio e o telemóvel eram-lhe a salvação.
Cortado o resto da árvore trazida, retirada a roupa, feita a medicação lá fomos para o bloco.
O medronheiro, pelo menos aquele, sabia de anatomia. Entrara na virilha ao lado dos vasos femorais sem os danificar, passou por baixo do cordão espermático numa dissecação perfeita, foi subcutaneamente até parar no apendice xifoide. Perfeito. Na ponta, junto ao apendice xifoide estava um pouco da ganga das jeans como que a fazer de calço para não o lesar.
Eu espantado com a aula de anatomia dum ramo de medronheiro, acabei a cirurgia depois de gastar uns bons litros de soros em lavagem e tudo correu bem.
Ainda hoje eu não gosto de medronho.
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