Várias vezes o profissional põe de lado as suas dores e segue em frente. O doente não tem de saber que quem está à sua frente hoje não está a 100% sob o ponto de vista físico porém sabe que ele tem de estar a 100% mental. Estamos em pleno Agosto. A população triplicou e a afluência à urgência acompanha. Não só o escaldão, o corte na lata de conserva, a porta de vidro demasiado limpa que foi estilhaçada por um corpo a correr, também a patologia habitual como apendicite, oclusão não foram de férias. Estão cá, então eu tinha de estar mesmo que fisicamente a dor me fustigava e a moleza estava a instalar-se assim como que a bateria dum telefone quando se fina.
Já ia na terceira operação urgente do dia quando disse para a minha colega:
- Vou ao Rx pois acho que fiz um pneumotórax.
lá fui eu. Fiz o referido Rx e enquanto olhava para o monitor, pálido e com o coração a quase sair da caixa numa corrida que nem eu conseguia lhe acompanhar. O Radiologista passa no corredor e diz sem parar:
- Esse gajo está lixado.
Se eu já não tinha sangue no cérebro, o pouco que me restava cristalizou numa paragem cerebral, numa branca que até a pele empalideceu.
O técnico que me fez o exame e me acompanhava naquele meu momento de desespero saiu a correr e foi falar com o Radiologista. Eu estava hipnotizado a olhar aquele monitor. Não me podia acontecer aquilo apesar de eu ter feito na vida tudo para aquilo poder acontecer. Um filme passou na minha pele esbranquiçada como se fosse uma tela de cinema. Eu era o culpado, eu tinha pregado todos os pregos daquele caixão.
O Radiologista voltou, no seu andar lento e calmo como se nada tivesse acontecido à instantes. Olhou, pensou e disse:
- Pode ser que não seja. É melhor fazer um TAC.
Lá fui eu fazer o referido TAC. As veias estavam em parte incerta. Eu não as tinha pois ninguém encontrou uma.
- Faz-se sem contraste. Disse o radiologista e assim se fez.
Feito o exame eu era o primeiro novamente no monitor a ver-me por dentro. A lágrima corria silenciosamente.
Liguei para a colega e disse que estava no Rx e sem condições.
- Deixa de brincar e vamos comer que são horas.
- Sério. Vem cá!
Entretanto já alguém tinha chamado o Pneumologista. Éramos três a olhar um TAC. O Radiologista dizia que não era. O Pneumologista andava com as imagens para a frente e para trás e balbuciava sons que eu não conseguia decifrar. Ou eu não conseguia mais raciocinar a informação que me chegava. A minha colega chegou. Olhou e pausadamente disse:
- Vou chamar alguém para te vir buscar.
- Não é preciso... disse eu como que a fazer-me de forte.
- Jota, amanhã quero aqui às 8 horas para fazermos uma broncoscopia.
- Ok. foi o máximo que consegui dizer.
Não pensei mais na dor que não me deixava estar sossegado. A causa era aquela coisa a tocar na pleura. Fui para casa. Se não tinha sangue acabei por ficar também sem lágrimas porque chorei todo o caminho até casa.
Em casa disse apenas que estava mal disposto e por isso deixei a urgência e vim. Não sei se fui convincente ou não a verdade é que telefonaram para o Hospital a saber o que é que se passava.
Afinal de contas o Radiologista acertou na sua segunda opinião e passados 14 anos aqui estou a sumarizar um retalho meu.
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