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7 de janeiro de 2006

Tão difícil ser adulto

Não é fácil ser-se adulto. Basta dar uma vista de olhos pelos títulos dos jornais para que o cepticismo corroa a nossa cabeça: violência, desemprego, terrorismo, crise. Sempre e só crise. É até às vezes uma tarefa inglória alimentar sonhos, quando estamos tão ocupados a procurar maneiras de arranjar dinheiro para pagar as contas no fim do mês.
É por estas e por outras que admiro as pessoas que, mesmo lutando pela sobrevivência no dia-a-dia, conseguem manter viva a criança que trazem dentro delas. Não é tão difícil identificar alguém assim no meio da multidão acinzentada: basta-me procurar por alguém com sorriso fácil, capacidade de rir de si mesmo, cara do Snoopy ou que possua a mania de encontrar nuvens com formatos bem definidos pairando no céu.

Imaginação, eis o diferencial. O aspecto que mais admiro na infância está na capacidade desconcertante que as crianças possuem em ver cada detalhe do dia-a-dia de maneira espontânea, talvez por ainda não terem sido moldadas pela visão estereotipadamente azeda dos adultos. Porque uma criança possui a mente aberta, quer seja para acreditar no Pai Natal ou no coelhinho da Páscoa, quer seja por recriar as coisas do mundo de acordo com o poder de sua imaginação.


Faço a seguir um Top 10 de reminiscências e coisas nas quais acreditava quando eu era criança. Algumas lembranças podem soar a tolas hoje, mas ao mesmo tempo me dão saudades de uma época na qual eu era menos céptico e mais inocente.

1) Quando eu era criança, acreditava que as estrelas eram os olhos dos céus, que piscavam de vez em quando para que eu soubesse que havia lá algo em cima a olhar cá para baixo a controlar as traquinices que me passavam pela tola. Naquela altura imaginava eu que ainda não tinha cabeça, coisa de adultos.

2) Quando eu era criança, assistia aos desenhos animados do início dos filmes com mais avidez com que assistia aos próprios filmes. Uma das maiores frustrações de minha infância foi essa: nunca ter comido os feijões que cresciam até ao céu
3) Quando eu era criança, alguém me dizia que eu devia deitar fora todas as sementes de melancia, porque se as engolisse uma delas por acidente nasceriam outras melancias dentro do meu estômago. E dava comigo a pensar: será que é assim que as mães ficam grávidas.
4) Quando eu era criança, mantinha sempre os meus olhos atentos ao chão, porque acreditava piamente que um dia encontraria uma lâmpada mágica igual à do Aladino. O único problema é que o génio provavelmente só saberia falar árabe, e eu ficava angustiado a pensar em como conseguiria fazer-me entender. Mas sempre tive na ponta da língua o que seria o meu primeiro pedido: quero que o senhor me conceda mais cinquenta desejos.
5) Quando eu era criança não queria que a noite chegasse com medo que ao acordar fosse adulto.
6) Quando eu era criança, acreditava que sempre que chovia nos dias de Finados, essa água seriam as lágrimas derramadas pelos mortos que ficavam emocionados ao ver as suas famílias a visitar (ou não) as suas campas.
7) Quando eu era criança, diziam-me que se eu imitasse um gago por mais de cinco minutos, ficaria assim para sempre. Desde então, toda vez que eu imitava um gago, ficava de olho no cronómetro do meu relógio à esperava até que dessem exactamente quatro minutos para parar a brincadeira.
8) Quando eu era criança, apaixonei-me pela Rita Pavone. Talvez seja essa a razão da minha atracção por ruivas, na adolescência.
9) Quando era criança não percebia essa coisa de AMOR. Encontrar a alma gémea e coisas do género. Se ela morar na Austrália como a iria encontrar?
10) Quando eu era criança, não imaginava que um dia havia de estar a escrever estas baboseiras

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

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