A Minha Sanzala

no fim desta página

2 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(30)



"Fio": Um café na Esplanada

carranca
Respostas:
1992
Visualizações:
50131
Uma estória verdadeira (30) Hoje, 16:55
Forum: Conversas de Café
Eu mesmo, pela primeira vez consegui entrar, esquecendo calçado e tudo, dentro do início do zulmarinho. Tanto tempo já aqui e ainda não tinha tido o sabor de saber como era ele de molhado. Tempo que mandado no relógio não tinha ainda deixado eu ter esse prazer. Coração não parou, mas acho mesmo que ficou ainda mais acelerado. A loira do deserto ria, todo o mundo se lhe seguiu na vontade de rir. Eu estava finalmente dentro do zulmarinho do meu contentamento. Divididos em dois lá fomos nos barcos de motor fora de borda. Vítor e Vicente eram mesmo o nome dos barqueiros. Acho mesmo que a divisão foi feita em função dos pesos porque um barco deu berrida no outro que nem distância de mais de cem metros logo ali nos cinquenta de arranque. Ou se calhar os motores eram diferentes e eu estou para aqui a divagar, misturando as ruas de Luanda com a travessia deste zulmarinho. Chegamos ao dito cujo e desejado destino, depois de fazer uma perpendicular e depois uma paralela, essas coisas que os marinheiros têm de não andar em linha recta para provar que o caminho mais curto entre dois pontos é mesmo a linha curva: Mussulo de seu nome, próprio e apelido. Só lhe conhecia de nome e de fotografia. Nunca nesta minha encadernação eu lhe havia pisado a areia. Me disseram que o poiso era ali naquela casa de gente simpática que eu desconhecia a existência e acabei de gostar mesmo deles. Não é que a dona mais nova da casa estava a fazer os trabalhos escolares de Inglês e aparecem estes excursionistas de fim de semana a estragar a concentração? Abancados, descarregados os sacos e sacolas, os comes e os bebes seguiram para o gelo aqueles que para o gelo tinham que ir. Agora o caminho, é-me dito, que a pé se vai para a contra-costa. Me pergunto como é que é isso, mas vou e não o pergunto nada a ninguém. Não lhes mostro que a minha geografia ficou por rios e serras doutros lugares. Desconheço a largura da ilha que é península. Vou com os outros, ziguezagueando por entre casas, árvores e arbustos e cujo o meu conhecimento de agronomia ou silvicultura não chega para lhes baptizar. Bananeiras e palmeiras lhes vou conhecendo neste caminho que atravessa um improvisado campo de futebol com balizas e tudo. Se sente cada vez mais perto o cheiro de mar aberto assim como se ouve que hoje o mar não vai estar chão. Quando lhe vejo lhe sinto a alegria de me ver, as suas ondas estão como que a chamar por mim numa ânsia de me abraçar e enrolar. Perco pouco tempo a desfazer-me das coisas que trago e são prescindíveis. Me atiro ao zulmarinho sem lhe medir a temperatura, sem lhe olhar nas ondas que se atiram na areia. Qual artista de circo voo de trapézio do chão num encorpado estatelado dentro da água, qual criança num brinquedo novo. Lentamente outros vão chegando e se colocam a meu lado naquela água salgada cuja temperatura é de sopa. Ondas que se vão e se vêm numa arritmia compassiva. Se lembram criancices, se aproveita a força motriz das ondas para andar na boleia. Se improvisa ali logo um campeonato do mundo e alguns arredores. Corpo moldado pelo tempo é remoldado na forma aquática de melhor aproveitar a força da espuma branca. Quem sabe sabe e não esquece. Kandengue que nos acompanha fica que nem admirado com a nossa juventude boleística e conhecimento de balística, já que desprevenidamente somos por vezes atirados contra pernas de quem está ali a tomar coragem de enfrentar a força meigamente bruta deste zulmarinho de minha alegria. Lhe faço ultrapassagens que nem Fangio noutras corridas. Ele me olha com misto de satisfação e admiração. Pré-cota lhe está a dar berrida assim numa corrida de brincar? Vais ver ele fez que nem de propósito só para o meu ego ficar mais engordado. Eu lhe agradeço mas não lhe digo. Traídos pela falta de exercício e treino num ginásio qualquer a força se vai indo vertiginosamente embora.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

1 comentário:

Podcasts

recomeça o futuro sem esquecer o passado