A Minha Sanzala

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31 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(50)

- Não estão aqui as referência habituais das Conversas de Café, pela simples razão que estou em reflexão sobre a minha permanência ou não naquele site onde até há bem pouco tempo tive um enorme PRAZER de estar.





Mermão, gasóleo faz bué tempo que a gente não tem porque o depósito furou e como podes ver ele está ali fora para consertar. Na nova não tem? Não, respondeu o Ti, já com o pelo a dar sinal que eu é que tinha razão mas ele não a queria dar. Pois então só amanhã na bomba da Gráfica, que essa fecha às 7 da tarde e como já são 8 não há hipóteses. Então aqui se começou outra aventura.

Na terra onde bebi a primeira água, pois que eu fui amamentado algum tempo lá
nos lados do planalto, não tinha uma gota de gasóleo e ainda por cima os
telefones móveis não funcionavam? Não pode ser. Isto não é sonho, é pesadelo
mesmo. Entro na minha cidade quando é noite fechada, pouco lhe vejo, mesmo com
todas as luzes da rua acesas, porque a cabeça está entupida na falta de
combustível do Tico, o coração acelerado por poder respirar o ar da terra que
estava assim como congelada desde o tempo da minha saída penso eu armado em
Chico esperto com olhos no umbigo. Não tem gasóleo? Não tem telemóvel? Vais ver
que quando eu acordar eu tive mesmo foi pesadelo. Os meus conterras me vão bater
quando eu lhes contar isto. Vão dizer que eu sou um inventor de estórias, um
exagerado, mas eu lhes repito que é mesmo verdade. Foi assim o primeiro contacto
com a terra que me deu a primeira água e onde eu caí de mim a primeira vez.
Se tínhamos perdido 45 quilómetros para cá, temos que somar os 45 para lá, e estamos no mesmo ponto, passados 90 quilómetros o que daria para estarmos assim nas fraldas da Leba. Sempre pelas minhas contas que não são de fiar, mas são contas. Se agarra no móvel e se inicia uma série de tentativas para achar cambas conhecidos que nos pudessem ajudar. Voz simpática só nos dizia que era impossível contactar. Mas o engraçado era que era mesmo só para a gente dali da terra. Para fora, assim Lubango, Luanda e Benguela a gente conseguiu ser positivo em todas as tentativas feitas. Mas para ali, se calhar a 10 metros donde estávamos nem pensar. Então, de forma decidida, frente à bomba da Sacor do antigamente, se agarrou nos 20 litros e se despejou no depósito, com sorte no Caraculo a gente punha o resto. Agora ficar ali e não estar lá no sítio da placenta antes das 0.00 horas é que nem se podia pensar, dava-me um ataque de qualquer coisa. Se decidiu que era mesmo seguir rumo com destino no Lubango, se ligou para lá e se fez uma combinação: se a gente não chegar até às 23 horas vocês vêem andando em sentido contrário, trazem combustível e depois etc e tal. Refizemos os 45 quilómetros, seguimos e parámos no Caraculo como havíamos pensado, mas por pouco tempo pois estava mesmo que fechado de luz apagada e tudo pelo que o melhor mesmo era não perder tempo. Na escuridão da noite, impossibilitados de seguir o Morro Maluco e outras paisagens, lá seguimos nós em velocidade de economia. Agora que a gente tinha estrada que metia inveja não podia carregar no pedal por questões economicistas. Já não há justiça, pensava eu para com os meus próprios botões, se é que não os tinha porque eu estava vestido de t-shirt. Subimos a Leba sem possibilidade de ver e admirar o admirável mundo que estávamos a percorrer. Lá fomos subindo e pela inclinação acho que o ponteiro dizia que lhe estava a dar novo ataque de gritaria. Mas lá seguíamos nós, lenta e calmamente, assim como que em passeio de Domingo, possivelmente gastando os vapores de gasóleo que estavam encerrados no depósito. Na Humpata voltámos a ter sinal no celular. Voltámos a ligar para os nossos cambas e agora era a voz simpática que dizia que não era possível o número marcado ser contactado. No Lubango também não dá para ligar no Lubango? Ai que a vinda ao Sul está a começar mal. Vamos voltar já para a Lua? Claro que esta pergunta feita na minha cabeça não passou na forma de palavras pois acho que era logo ali linchado pelos cambas companheiros de viagem. Eram só 22 e pouco. Vais ver, entraram em ansiedade de nos ver e nem esperaram a hora combinada, arrancaram à nossa procura, disse uma voz mais sensata de dentro do Tico. Como todos éramos sensatos já não sei quem foi.. A amizade faz destas partidas. Parámos no miradouro da Senhora do Monte e ficámos a admirar a cidade que está ali adormecida nos nossos pés. Como estava bem maior desde a última vez que eu lhe tinha visto. Só víamos a luzinhas a cintilar. Grande que me pareceu o dobro do que das minhas recordações. Mas também não levei a fita métrica para comprovar. Mas era e pronto. Nova tentativa telefónica e nada, o mesmo som de retorno na voz feminina e simpática a dizer que era impossível de momento contactar o número marcado. Para não perdermos mais tempo resolvemos seguir mesmo para o centro da cidade e resolver o problema combustílico. Lá fomos nós, mais uma vez servindo eu de cicerone. As luzes das ruas deixavam-me saber onde estava e para onde eu queria ir. Numa perpendicular à rua do picadeiro, antigamente a Pinheiro Chagas e agora não me lembro porque não apontei, avistámos uma bomba e iluminada, pelo que devia estar aberta. Para não haver gastos desnecessários se parou e eu fui a pé perguntar se tinha gasóleo. Tinha sim senhor. Então vais dar a volta ao quarteirão que eu fico já aqui a esticar as pernas. Tico completamente atestado até paraece que sorriu para a gente. Pelo menos nós ficámos mais como que felizes

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

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