recomeça o futuro sem esquecer o passado

Podcasts no Spotify

15 de setembro de 2006

02 - Estórias no Sofá - Uma morte anunciada - 2

Posted by Picasa Mas essa cara cavernosa me diz assim num repente que eu morro às sete da manhã? Que grande cara de pau me saiu essa cara cavernosamente feia. É preciso ter lata e ser descamisado de sentimento. Eu podia ter um enfarte com uma notícia dessas dada assim com toda aquela lata e sem preparação preventiva, que me levaria a morrer uns instantes antes da hora marcada.
Mais uma vez olhou para mim e encolheu os ombros, se tintando completamente para mim.
Senti um arrepio. O meu sangue congelou nas veias e nas artérias apenas corria assim um fio de ribeiro em tempo de seca de sangue descolagulado, só para conseguir manter-me de pé.
Grande lata, repeti eu em voz sumida de um quase falecido.
Mas a voz roucamente cavernosa continua a sua lenga lenga e me pergunta se eu sabia o que tinha feito na vida, se tinha consciência dos dias gastos em coisas nenhumas, dos erros que tinha cometido, das asneiras e abusos. Me enchi de coragem que fui buscar não sei onde e lhe perguntei porquê logo para o inferno, me esquecendo na ignorância da pergunta que me fez. Mas ela não me ligou pevide e continuou no seu tom monocórdico a enumerar uma série de erros.
O remorso me foi invadindo o que restava da alma, o medo começou a ocupar o meu lugar. Eu pensava em lhe dizer que me desse tempo para me desculpar perante algumas pessoas, refazer umas outras coisas, renascer noutra vida que não a que eu tinha escolhido.
Mas a morte continuava a recitar na sua voz cavernosamente rouca a lista que parecia tinha decorado. Horas e datas que nem davam tempo para eu conferir. Continuava a lenga lenga. Se fosse em papel já a cozinha estaria a abarrotar deles até ao tecto.
Eu pensava em como podia negociar um adiamento, ganhar um tempo. Na verdade não me apetece morrar agora. Mas na carola baralhada só me ocorre lhe perguntar se me posso despedir de alguém? perguntava eu de forma tremula, num bizarro real, caracolando os meus pensamentos.
Ela parou de recitar a lista e, com olhos esbugalhados, me disse que me dava cinco minutos para as despedidas. Cinco minutos só? saiu-me assim da boca que nem um pestanejar.
Só! afirmou ela num perentório que nem deu para lhe respirar o ar direito.
Fui ao quarto para me despedir da minha companheira de tantos anos. Nos cinco minutos que me foram dados não dava para ir mais longe. No caminho a morte ainda me falou para eu não esquecer de na hora da despedida de pedir nela as desculpas por todos os erros que lhe cometi.
Ainda tive para lhe perguntar se eram mesmo necessários os pedidos de desculpa, pois eu não queria perder os cinco minutos em lenga lenga. Mas lhe olhando na cara achei por bem nem abrir mais a boca.

2 comentários:

  1. Viva Carlos:

    ...hummm!!!! a situação está a ficar "preta" caro amigo.
    É preciso "alimentar" esse subconsciente com optimismo.

    Bom fim de semana.

    Um abraço,

    ResponderEliminar
  2. JAMostardinha:
    Apeteceu-me tentar uma ficção com 'pés e cabeça'. A ver vamos se consigo.
    Início de blog-novela? É só um dispersar instrutivo.

    ResponderEliminar