A Minha Sanzala

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27 de setembro de 2006

06 - Estórias no Sofá - Num banco de Jardim - 2 de 2

Me respondeu esboçando um sorriso, com palavras até que é fácil, porque as palavras entram aos milhares pelos ouvidos. Difícil é sentir o gosto da vida, me interrogou ele com esta afirmação afirmativa. É preciso sentir o gosto da vida. Viver é fácil, viver com gosto é que é difícil, me afirmou ele quase sem respirar.
Aí fiquei eu a pensar em como eu ia saber como é o gosto da vida, como ia aquecer aquele frio que estava a sentir. Queres ver que em vez de um triste no banco verde de jardim ficam aqui dois tristes, continuei eu nos meus pensamentos silenciosos.
Humberto me olhou novamente, olhos tristes de olhar em vão, e rematou que não sabia se era ele que tinha de mudar ou se era a vida por não saber amar. Estremeci num tremor de angústia de lhe não conseguir dizer uma palavra. Continuou ele, que só sabia fazer as perguntas, mas respostas não encontrava nem uma para amostra.
Tentei balbuciar uma palavra, mas nem gaguejando elas saíam.
Neste momento se sentou, bem no meio da gente os dois uma velhinha, curvada que até parecia um ponto de interrogação sem o ponto por baixo, tão enrugada que mal se via onde eram os olhos ou a boca.
Olhou para um e olhou para o outro numa lentidão só permitida naquela idade. Ninguém lhe disse palavra, mas se notou que ambos pensamos coisas que nem devíamos ter pensado. Ela não reparou ou então se esteve nas tintas para isso e começou a falar na sua voz de muitas horas faladas que o sol e a lua parecem dois opostos porque muito diferentes, mas que ela não as vê apenas dessa forma, as vê como uma soma, o sol com seu calor e a sua força, a lua que acalma as pessoas, que inspira paixões, romântica, a lua e suas fases, reflecte o brilho do sol, o sol que aquece, que brilha, que enobrece. Um brilha com o outro. A lua reflecte o brilho do sol que por sua vez abre espaço para a chegada de sua amada lua que não vem sozinha já que nasce acompanhada de suas estrelas. Sim, as diferenças aparecem, mas para se completarem.
Sem parar, a velhinha parecia tinha mudado de assunto e continuou a falar que era uma vez um monge que passeava na beira de um rio. Ele viu um escorpião que se afogava e decidiu tirá-lo da água. Foi, com cuidado, agarrou o escorpião e levou uma picada. Com a dor da picada, o mestre soltou o escorpião, que caiu na água e, de novo, estava a se afogar. O monge, então, tentou tirá-lo outra vez e, novamente, o escorpião lhe picou. Alguém que observava aproximou-se e lhe disse que ele era muito teimoso e, em jeito de pergunta lhe falou se ele não entendia que, cada vez que tentasse tirá-lo da água, ele o ia picar. O monge, na sua calma de monge, lhe respondeu que a natureza do escorpião é picar e isso não muda a sua natureza, que é ajudar. Então, com a ajuda de um ramo, o monge retirou o escorpião da água e lhe salvou a vida.
Com este remate da velhinha que nem ponta de lança, eu e Humberto, nos levantámos, com um gesto imitando vénia, lhe desejámos as boas tardes e saímos cada um para seu lado, sorriso na cara que até parecia já tinha ganho o dia.

Sanzalando

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